Um mega-assalto frustrado a uma transportadora de valores em Confresa, no Mato Grosso, em abril do ano passado, não só resultou em um prejuízo milionário ao Primeiro Comando da Capital (PCC), como também ajudou a Polícia Federal (PF) a identificar um núcleo do “Novo Cangaço” da facção, especializado em roubos a banco e assassinatos.
A célula de homens e mulheres planejava, organizava e financiava o “domínio de cidades”, ação que literalmente deixava municípios reféns dos criminosos, com o uso de armamento de grosso calibre, o bloqueio de ruas com veículos e as táticas de guerrilha urbana — com direito a roupas camufladas, balaclavas e coturnos.
Na ação no Mato Grosso, participaram 18 criminosos. Eles não conseguiram abrir o cofre da empresa Brinks, mesmo com o uso de explosivos, deixando para trás, na fuga, os R$ 30 milhões que queriam e uma onda de terror na região.
Todos foram “caçados” e mortos por 350 policiais, de cinco estados, nos dias seguintes. No último tiroteio com policiais militares no Tocantins, em maio de 2023, morreu Ronildo Alves dos Santos, o Magrelo.
Com sua identificação, a PF descobriu que, antes do mega-assalto frustrado, foram movimentados mais de R$ 3,4 milhões na conta bancária dele, de forma fracionada. Ao procurar a origem dos depósitos, todo o núcleo de “cangaceiros” que enviou valores para Magrelo foi identificado.
Pequeno e Pantera
A investigação da PF, obtida pelo Metrópoles, mostra que Magrelo foi para a ação no Mato Grosso substituindo Fleques Pereira Lacerda, o Pequeno, porque estava precisando de dinheiro.
Pequeno é apontado como a principal liderança dessa célula do PCC, tendo como braço direito o irmão Delvane Lacerda, o Pantera. Ambos são responsáveis por contribuir para que a facção estendesse os tentáculos no Piauí.
Pequeno estaria envolvido em mais três casos de “domínios de cidade”, além da ação fracassada em Confresa: um em Criciúma (SC), em 2020; outro em Araçatuba, no interior de São Paulo, um ano depois; e, em 2022, na paranaense Guarapuava.
Ele foi assassinado em dezembro de 2023, em um salão de beleza em Osasco, na Grande São Paulo. Foram identificadas, em seu corpo, perfurações provocadas por munição de pistola.
Antes da execução, Pequeno construiu um patrimônio milionário, com o qual mantinha um alto padrão de vida.
O criminoso recebia o lucro pela venda de drogas, bem como R$ 80 mil mensais, enviados por seu primo, Vagner dos Santos Silva, integrante do setor financeiro do núcleo de cangaceiros. Também eram contemplados com depósitos: a sogra de Pequeno, a esposa e o cunhado dele, Fabiana Rocha de Souza e Fabio Rocha Silva de Souza, cujo nome também constava no registro de um apartamento em Osasco.
Pantera, como mostram as investigações da PF, coordenava os homicídios de rivais e o tráfico de armas e drogas, com o apoio da esposa, Elaine Souza Garcia, de 34 anos, mais conhecida como Patroa. Após a morte de Pequeno, Pantera exigiu que a viúva e o irmão dela entregassem armas, drogas, dinheiro e veículos pertencentes ao parente assassinado.
Em conversa na véspera do Natal de 2023, interceptadas pela polícia, Pantera e Patroa falam sobre os bens deixados por Pequeno. Na ocasião, armas e munições já haviam sido restituídas ao casal, que estava atrás do dinheiro e dos veículos deixados “de herança” pelo antigo líder do bando.
Sócios de sangue
Os irmãos eram sócios em diversas bocas de fumo em São Paulo e no Piauí, onde foram responsáveis pela chegada do PCC, como mostram as investigações.
Para manter sua hegemonia nas regiões onde vendiam drogas, em território piauiense, os irmãos promoveram execuções de rivais.
Como afirmado por comparsas de Pequeno, em conversas interceptadas pela PF, ele comprava o quilo da cocaína por R$ 20 mil e o revendia por R$ 44 mil, “um negócio muito lucrativo”.
Um comparsa e amigo de Pequeno, identificado como Janes Nogueira da Silva, acrescentou que os irmãos deveriam ter focado em “só ganhar dinheiro”, e não em “ter matado gente demais”.
O volume de cocaína movimentado pelos irmãos era altíssimo, como mostra conversa na qual Pantera afirma à esposa ter recebido, em maio de 2023, uma tonelada da droga. Na revenda, isso renderia aos criminosos R$ 44 milhões.
Desde 2018, Pequeno estava foragido da cadeia em Osasco, cidade onde foi morto na barbearia, em 2 de dezembro de 2023, “em razão da disputa envolvendo pontos de comercialização de drogas”. Quem possibilitou a morte dele também era do PCC, estava a milhares de quilômetros de distância, no Piauí, e compunha uma célula que rivalizava por território.
Pantera assumiu a liderança do grupo e se vingou da morte do irmão, o que resultou em um banho de sangue em cidades do interior piauiense.
Arma na geladeira
Pantera foi preso em flagrante por policiais militares em Itapeva, interior de São Paulo, em 20 de maio deste ano, um dia antes de a PF iniciar o cumprimento de mandados de busca e apreensão resultantes da investigação.
A PM foi chamada no endereço do chefão do PCC para checar uma suposta denúncia de cárcere privado, feita por um vizinho. Quando os policiais chegaram ao local, Pantera permitiu que entrassem na casa, e a denúncia foi desmentida.
O criminoso acabou preso quando os PMs encontraram uma pistola calibre 380 e munições, dentro da geladeira. Após o flagrante, ele alegou manter a arma no local para garantir a própria segurança, “visto que seu irmão tinha sido assassinado”.
Terrorista: o professor de tiro
Com a quebra do sigilo telemático de Pequeno após seu assassinato, a PF descobriu que ele negociava armas com mais de um Colecionador, Atirador Esportivo e Caçador (CAC).
Um dos fornecedores identificados é Otávio Alex Sandro Teodoro de Magalhães, o Terrorista, que vendeu armas e munições para Pequeno e Pantera. O CAC também aparece em registros de vídeo treinando Pantera e Patroa no manuseio de um fuzil, arma usada em guerras.
Investigações mostram que Terrorista, que é morador de Piracicaba, no interior de São Paulo, negociava armas com outros “clientes”, para além do casal de “cangaceiros”. A lei permite que CACs comprem o material bélico, mas proíbe a revenda.
Com Terrorista foram apreendidas armas, com e sem registro, bem como munições, pólvora, explosivos de fabricação caseira, acionadores de bombas, balaclavas, drones e bloqueadores de GPS — equipamentos usados pelo “Novo Cangaço” nos “domínios de cidade”.
“Além de fornecer todo o aparato necessário para a organização criminosa praticar crimes violentos, Otávio [Terrorista] auxiliava os demais comparsas, quando presos, e os capacitava no manuseio de armas de fogo com alto poder de destruição”, destaca a PF.
Pantera, Patroa e Terrorista foram presos na última terça-feira (10/9), durante a segunda fase da Operação Baal, deflagrada pela PF e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo (MPSP).
Durante a ação conjunta, foram presos o casal, o CAC e os integrantes do PCC Jakson Oliveira Santos, o Dako, e Diogo Ernesto Nascimento Santos, que atuava no núcleo financeiro da facção e nas execuções de inimigos.
O Metrópoles busca a defesa dos acusados. O espaço está aberto a manifestações.
No total, 18 suspeitos foram denunciados pelo MPSP desde o início do ano. Quatro CACs foram presos, apontados como fornecedores de armas para a facção.