As festas de São João, ou festas juninas, trazidas pelos europeus, se fortaleceram no Nordeste e ganharam novas cores, culinária, música e artes próprias da região com influências africanas e indígenas. Antes da chegada dos colonizadores, o mês de junho já era especial para indígenas que viviam por aqui, por isso, diversos elementos do São João nordestino são associados à ancestralidade originária.
Povos indígenas que viviam no território festejavam em junho o surgimento das Plêiades, sete estrelas da constelação de Touro. Há registros dos povos Kariri, Tarairiú e também Tupi, cada um com suas particularidades, mas no geral agradecendo a colheita com danças e comidas típicas feitas a partir do milho.
Pesquisadores e indígenas relacionam a popularização das festas de São João no interior do Nordeste como uma “substituição”, feita pela catequização do catolicismo, à comemoração nativa.
Do paganismo europeu aos indígenas do Nordeste
Indígenas Kariris celebram o “Bati” durante o mês de junho — Foto: Ananda Porto/Arquivo Pessoal
As festas de São João, que são populares em alguns países da Europa, inclusive em Portugal, têm origem em celebrações pagãs, como explicou o professor da Universidade Federal da Paraíba Ângelo Antônio.
“A gente sabe que ali nos primeiros séculos do cristianismo houve uma acoplagem desse calendário pagão, que estava muito ligado aos ritos de passagem das estações, das colheitas, rituais de fertilidades, e que vão sendo de uma maneira ou de outra reapropriados pela lógica católica”.
No Brasil, em junho, antes da chegada dos portugueses, nações indígenas como os Kariris e Tarairiús, festejavam durante quase todo o mês em comemoração ao aparecimento das plêiades, também conhecidas como sete-estrelo. Os Kariris chamaram a festa de Batí, que significa “estrela” no idioma deles, o Dzbukuá, como explicou o fotógrafo e cineasta indígena João Kariri.
“É a festa que a gente chama de Batí, B-A-T-I, que é a festa da estrela, basicamente. Existe um conjunto de estrelas que são as Plêiades, que são importantes para a nossa cosmovisão e essas estrelas no começo do ano ficam menos aparentes e voltam a aparecer no começo de junho. Então para comemorar essa volta do Maticai, do 7-Estrelo, das Plêiades, a gente comemorava a festa da estrela, onde se fazia um período, não era um dia, um período de ritos alimentares, um período de ritos de cura, de canto, de agradecimento, de fartura, de comida”.
No livro “Os Cariris do Nordeste”, de Baptista Siqueira, há algumas referências às plêiades e que o surgimento destas representava o início do ano para os Kariris. “No começo do ano, com o nascimento das Plêiades, faziam a festa principal”.
O pesquisador Jack D’Emilia, italiano formado pela Universidade de La Sapienza de Roma, mas radicado no Rio Grande do Norte, comenta os festejos do ano novo pelos indígenas Tarairiú do Rio Grande do Norte.
“O sete-estrelo aparecendo no céu no começo do mês de junho dava início às comemorações. Os Tarairius de Janduí saíam em romaria da aldeia principal no Assu e iam até as cabeceiras do rio Upanema. Lá tinha uma grande festança que durava semanas”.
A presença do milho
Registros históricos mostram relação dos indígenas do Nordeste com bebidas e comidas feitas de milho — Foto: Gilson Abreu/AEN
A abundância do milho no território garantia que a alimentação tivesse grande variedade de alimentos e também bebidas feitas a partir desse grão.
Vários exemplos são encontrados no relato de Roloux Baro, intérprete e embaixador ordinário da Companhia das Índias Ocidentais. Ele viajou ao Seridó do Rio Grande do Norte em 1647, onde esteve com os indígenas Janduís, pertencentes à grande nação Tarairiú, que estava presente em diversas partes do Nordeste, inclusive na Paraíba.
Neste relato de viagem que durou de abril a julho, é possível identificar em vários pontos a relação dos nativos com as comidas típicas e bebidas feitas a partir do milho.
“Foi preciso ir à aldeia vizinha para aí tomar uma beberagem de milho, que acabara de ser feita. Aí os Tapuias, suas mulheres e filhos carregaram-se de milho que encontraram em abundância”, descreveu o embaixador sobre o dia 17 de junho de 1647.
Das bandas cabaçais a Luiz Gonzaga
A Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto é um dos grupos tradicionais do Cariri cearense — Foto: Augusto Pessoa
Na faixa “Boiadeiro/Cigarro de Paia”, do disco ao vivo de 1972, Luiz Gonzaga diz: “eu sou um caboclo feliz, se eu nascesse de novo eu queria ser o mesmo Mané Luiz, se eu nascesse de novo e pudesse escolher mais do que eu sou eu não queria ser. Eu queria nascer na fazenda de Caiçara, lá em Exu, Pernambuco, mesmo na divisinha do Ceará”.
O “Rei do Baião”, conhecido por organizar e difundir o forró, é da Chapada do Araripe, entre o Ceará e Pernambuco, território dos indígenas Kariri.
O baião traz influências de uma dança africana chamada lundu, além de danças indígenas organizadas em roda, com coreografias feitas no centro, como o cateretê, cururu e calango. Nos elementos musicais, é notável a presença do coco de roda, resultado da mistura da musicalidade afro-indígena brasileira.
Também marcam presença nas festas de São João do Nordeste, especialmente no interior, as bandas cabaçais, formadas por pifes e zabumbas. Esses grupos, cuja prática é passada de geração em geração, tem sua origem no povo Kariri.
O registro mais antigo encontrado de uma banda cabaçal foi feito pelo botânico inglês George Gardner, durante sua passagem pela Chapada do Araripe, no Crato, Ceará, em 1838. Na Paraíba, até os tempos atuais, essas bandas cabaçais são encontradas em várias partes do Sertão, como em Cajazeiras, Triunfo, Conceição, Pombal, Santa Helena e Monte Horebe.
Naldinho Braga, professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), e pesquisador das bandas cabaçais diz que não é possível definir apenas uma fonte de origem desses grupos, pois há elementos distintos. No entanto, a influência indígena é notável, uma vez que no Brasil, as bandas cabaçais surgiram no meio rural nordestino, habitado em grande parte por indígenas.
“Os Mestres costumam dizer que as cabaçais vêm dos indígenas. Essa ideia é passada de geração em geração, mas, como falei, não dá pra confirmar essa origem com precisão. No repertório tradicional encontramos, por exemplo, ritmos europeus, ritmos africanos, toques indígenas e uma escala modal tipicamente árabe”.
Redação com G1