Uma semana após o rompimento do açude Roçado, na zona rural do município de Conceição, no Sertão da Paraíba, os moradores da comunidade que leva o mesmo nome do açude tentam reconstruir a vida com o que restou. Em Conceição, no dia do rompimento do açude, em 11 de janeiro, choveu pelo menos 200 milímetros na madrugada, segundo a Defesa Civil do município, e a prefeitura de Conceição decretou estado de calamidade pública e emergência após o rompimento do açude.
A família de Alicia Carola, que tem 26 anos e trabalha como correspondente bancária, foi uma das mais afetadas pelo rompimento do açude. Além da residência de Alicia, que fica a cerca de 250 metros do açude que rompeu, que ficou totalmente destruída, a casa dos pais da jovem também foi impactada, tendo a perda total dos móveis. Ao g1, ela lamentou a perda total da casa que morava.
“Perdemos tudo! O que ficou dentro da casa não presta para uso. A casa da minha mãe está inteira, mas a minha foi embora a metade”, disse Alicia.
Moradora perdeu casa após rompimento de açude no Sertão da Paraíba — Foto: Beto Silva/TV Paraíba
Moradora estava dormindo e perdeu a residência
Segundo a moradora, ela estava dormindo no momento do rompimento do açude, e, quando percebeu, viu a água subindo aos poucos. Ela e a família subiram o morro que há por trás da casa, com uma motocicleta, e, ao subir o morro, a parede do açude rompeu. Apenas Alicia e a filha estavam em casa, e na residência ao lado estavam a mãe, o padrasto e o irmão.
“A gente imagina que poderia acontecer, mas não da forma como aconteceu. Nosso pensamento foi de que iríamos sair de casa, a água iria baixar, e se entrasse água nas casas seria só no chão, no piso, que não fosse subir. Mas a água subiu demais e inundou tudo. Na casa da minha mãe, a água subiu 1,50 metro, encheu tudo de lama, de sujeira, os móveis não foram embora porque as portas estavam fechadas”, relatou Alicia.
Na residência de Alicia, que fica ao lado da casa da mãe, e localizada um pouco mais baixa, a água subiu até atingir uma altura de cerca de 1,80 metro.
“Se eu e minha filha estivessem em casa, a gente tinha morrido, porque como eu não sei nadar, e ainda com uma criança pequena, você não consegue pensar na hora da aflição. A gente viu lá de cima [elas subiram o morro com o restante da família] a tromba d’água descendo. Quando a gente chegou no topo, a gente viu que era a parede do açude indo embora. Uma cena muito triste de ver”, relatou Alicia.
Casa de moradore ficou alagada após rompimento de açude — Foto: Alicia Carola/Arquivo Pessoal
O açude Roçado tem capacidade máxima de 798.969 metros cúbicos de água, segundo dados da Agência Executiva de Gestão das Águas (Aesa). O açude Roçado rompeu por volta das 7h de 11 de janeiro, e, com o rompimento, o rio na região bloqueou uma estrada de terra que dava acesso de uma família à cidade. Ilhados, uma família de cerca de cinco pessoas ficou sem acesso ao resto da comunidade.
“Tudo aquilo que foi fruto do seu trabalho indo embora num piscar de olhos é muito doloroso”, lamentou Alicia.
De acordo com Alicia, após o rompimento do açude, cerca de 40 minutos após a tragédia, a família ainda se aproximou da residência, mas não tinha como entrar na residência pela estrutura danificada, e, com isso, ela só voltou na casa no dia seguinte para ver o que tinha restado.
Moradores atingidos foram realocados para casas no centro de Conceição
Distância entre açude que rompeu e residência de família que ficou ilhada no Sertão da PB — Foto: Beto Silva/TV Paraíba
O prefeito de Conceição, Samuel Lacerda (PSDB), está acompanhando a situação na comunidade Roçado, e a prefeitura do município remanejou as famílias que perderam tudo para outras residências no centro da cidade.
“Já conseguimos tirar todos os moradores do isolamento. Três famílias que perderam completamente as suas casas e ficaram desabrigados nós já realocamos, alugamos casas para essas pessoas, para, aos poucos, devolver a dignidade”, explicou o prefeito.
E uma dessas pessoas beneficiadas pela ação da prefeitura de Conceição foi a família de Alicia, que foi alocada em uma residência no centro da cidade.
“Nossa vida ainda está de cabeça para baixo. A gente vai ter que começar tudo do zero de novo e se adaptar a viver de uma outra forma, de um outro jeito, uma outra vida. Estamos em outra casa, cedida pela prefeitura, pra gente ficar até organizar tudo.
Situação do açude Roçado, em Conceição, uma semana após o rompimento — Foto: Beto Silva/TV Paraíba
Alicia não tem previsão de quando irá voltar para o local onde morava, e disse ao g1 que o futuro da família é incerto.
“O futuro da gente só Deus sabe como vai ser daqui pra frente. Tudo que a gente tinha, a gente perdeu, a gente vai começar do zero de novo, como vai ser nossa vida e como vai ficar. O pior já passou, agora é recuperar, começar a construir de novo o que tinha e agradecer a Deus, por pelo menos estar com a vida”, disse Alicia.
O padrasto de Alicia, Francisco de Assis, que morava na casa ao lado, explicou à TV Paraíba que, mesmo a casa tendo ficado de pé, a água entrou certa de 1,5 metro e destruiu todos os móveis.
“Perdemos móveis, como guarda-roupa, televisões, geladeira, fogão. É difícil até de falar, Faltam até palavras para a gente”, relatou Francisco.
Segundo Francisco, a casa foi construída no local no ano de 2003, e o açude foi construído no ano de 2010, a cerca de 250 metros da residência. Segundo o prefeito de Conceição, Samuel Lacerda, à TV Paraíba, a pauta sobre a reconstrução do açude ainda não foi debatida, e esse assunto só será discutido no município após a normalização da ordem e da situação na comunidade.
Plantações perdidas e falta d’água na comunidade
A comunidade Roçado tem cerca de 100 famílias e com o rompimento do açude houve diversas perdas materiais, pois essas famílias dependiam do reservatório para irrigação de plantações, abastecimento para os animais e consumo humano. Um dos moradores da comunidade, Manoel de Brito Filho, de 74 anos, explicou que ouviu o momento do rompimento da barragem e que poucos minutos depois toda a região estava alagada.
“Eu estava ouvindo o som do sangradouro, de repente o som de um trovão [momento do estouro do açude] e com cerca de dez minutos aqui já estava tudo coberto d’água. A gente dependia muito desse açude para sobreviver”, explicou Manoel.
Manoel de Brito foi um dos moradores que perdeu plantações que cultivava na região onde o açude rompeu. Segundo o morador, o filho perdeu mais de 500 árvores de bananeira e ele está na iminência de perder uma safra de batatas.
“Já temos uma noção de que é grande o prejuízo. Porque só de bananeiras foram quebradas cerca de 500 a 600 [árvores]. As bananeiras são do meu filho. No meu caso, eu tô na iminência de perder as batatas, porque já está com dias sem aguar”, lamentou o morador.
Manoel explicou que o açude era uma fonte de água para consumo e irrigação das plantações, e com o rompimento do reservatório da comunidade, ele está tendo que comprar água comercializada em caminhão pipa para se manter, para consumo e irrigação. “Estou recomeçando. Daqui a pouco tempo a gente está erguido de novo”, disse.
A Prefeitura de Conceição forneceu alimento e água para a família que ficou ilhada. Rikelson, morador da residência, fez o recolhimento do alimento, pois foi instalada uma corda entre os lados do rio e o morador conseguiu fazer a travessia.
O presidente da Aesa, Porfírio Loureiro, informou que o açude Roçado é municipal e de responsabilidade da Prefeitura de Conceição, que é o órgão que faz a inspeção de segurança.
“A gente já vem notificando a prefeitura há tempos para fazer uma recuperação nela e infelizmente não fomos atendidos, já foram feitos alertas e hoje, novamente, notificamos a prefeitura”, explicou o presidente da Aesa.
A prefeitura de Conceição explicou que não recebeu nenhuma notificação da Aesa, que não consta nenhuma notificação nos arquivos da prefeitura feita pelo órgão, e que, em nota técnica, o desmatamento das encostas do açude contribuíram para a erosão e, consequentemente, rompimento da barreira do açude.
G1