A Paraíba registrou 164 mortes tendo a Aids como causa básica no ano de 2022, sendo 37,8% maior que os 119 casos registrados em 2012. As mortes refletiram no aumento de 13,5% na taxa de mortalidade por Aids na Paraíba, que passou de 3 para 3,4 óbitos por 100 mil habitantes. Os dados foram divulgados no novo Boletim Epidemiológico sobre HIV/Aids, através do Ministério da Saúde, neste mês de dezembro.
Entre as capitais do país, João Pessoa registrou 5,2 mortes para cada 100 mil habitantes em 2022. O número maior que a taxa nacional.
De acordo com o infectologista Fernando Chagas, diretor do Hospital Clementino Fraga, a mortalidade registrada em 2022 pode ter sido consequência da pandemia de Covid-19.
De acordo com o Ministério da Saúde, a Aids é uma doença causada pela infecção do Vírus da Imunodeficiência Humana, o HIV. O vírus ataca o sistema imunológico, que é responsável por defender o organismo de doenças. A baixa imunidade permite o aparecimento de doenças oportunistas, como hepatites virais, tuberculose e pneumonia. É quando atinge-se o estágio mais avançado da doença, a Aids.
O levantamento do Ministério da Saúde indica que foram notificados 43.403 casos de infecção por HIV em 2022 no Brasil, sendo 11.414 no Nordeste e 623 na Paraíba. A taxa de detecção por Aids na Paraíba é de 12,5 casos por 100 mil habitantes. Em João Pessoa, a detecção foi de 24,8 casos por 100 mil habitantes.
A taxa de gestantes infectadas pelo HIV em João Pessoa é de 4,3 (casos por mil nascidos vivos). Segundo o Ministério de Saúde, o diagnóstico em gestantes é fundamental para que as medidas de prevenção possam ser aplicadas de forma eficaz e consigam evitar a transmissão.
O que contribui para o aumento das mortes?
O infectologista explica que um dos principais fatores que contribuem para o aumento da mortalidade é a demora para descobrir que é portador do vírus. “Muitas delas demoram a buscar o diagnóstico, acabam descobrindo quando já estão com a doença, com aids, e aí sim pode se tornar uma situação extremamente perigosa. Muitas vezes um quadro de gravidade tal que não tem muito o que fazer, o paciente acaba perdendo a vida”, afirmou.
A antropóloga Mónica Franch analisa que os pacientes que demoram a alcançar o diagnóstico costumam ser pessoas extremamente vulnerabilizadas, enfrentando situações de extrema problema, em situação de rua ou sem acesso a serviços básicos, entre eles a saúde.
Teste rápido de HIV — Foto: Divulgação/Prefeitura de Goiânia
No mesmo sentido, Fernando Chagas também afirma que alguns pacientes abandonam o tratamento por questões sociais complexas e por estarem em sofrimento social, como, por exemplo, aqueles que estão no sistema prisional ou possuem vícios em drogas ilícitas.
“Eles se preocupam tanto com o sofrimento social, a exposição social, a vulnerabilidade, que não interpretam como sendo um risco ser portador do HIV, ele não está tratando e acaba evoluindo para uma forma extremamente grave”, explicou.
Além de um recorte de renda, também há um recorte racial importante, destaca a antropóloga Mónica Franch. Segundo o levantamento do Ministério da Saúde, 61,7% dos óbitos aids foram de pessoas pardas ou pretas no Brasil, contra 35,6% entre brancos.
O perigo do silêncio
A antropóloga Mónica Franch, coordenadora do projeto de extensão Falando sobre Aids, vinculado a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em conversa com o g1 relembrou uma campanha promovida pelo grupo ativista Act Up em Nova York para explicar a importância de discutir a doença.
“O grupo ativista popularizou um slogan que responde bem a essa questão: Silêncio = Morte. No momento inicial da pandemia, foi graças ao barulho que as comunidades mais afetadas fizeram junto à opinião pública que se conseguiu avanços tanto científicos como políticos para que a gente chegasse ao momento atual”, afirmou.
Ela avalia que o momento atual é muito mais tranquilo em relação ao manejo biomédico da infecção por HIV, mas se considerarmos questões sociais, ainda estaríamos presos ao momento inicial da epidemia de Aids. Por isso, seria necessário “continuar fazendo barulho” por pelo menos dois motivos: garantir e avançar em políticas públicas e levar informação sobre a doença para todos os grupos sociais.
“É inadmissível que hoje os jovens, por citar um exemplo, estejam mais desinformados sobre o assunto que duas décadas atrás. Essa não uma questão que deva ser restringida a um mês no ano – o Dezembro Vermelho. Exige um engajamento o ano inteiro”, destacou Mónica Franch.
A antropóloga também explica que estigma e o preconceito possuem um grande impacto no cotidiano das pessoas que vivem com HIV, nas que não vivem com o vírus ou não sabem que contraíram a infecção. Segundo ela, às vezes a pessoa não quer realizar o teste para não enfrentar um diagnóstico estigmatizante.
A evolução do tratamento
O médico também destaca que as mortes por HIV nunca deixaram de acontecer, mas diminuíram de forma significativa após o início dos antirretrovirais, a partir de 1996.
“Quando surgiram os antirretrovirais, os pacientes chegavam a tomar 20 comprimidos, às vezes, 16 comprimidos de uma vez só. Hoje a gente já tem tratamento com um só comprimido, tendo duas substâncias dentro desse comprimido e ainda assim muito mais potente que há 20 anos atrás. Então o tratamento evoluiu substancialmente e com menos efeitos adversos. ”, explica.
Brasil oferece medicamentos antirretrovirais para pacientes em qualquer estágio da doença — Foto: BBC
Fernando Chagas explica que atualmente é raro os pacientes não se adaptem ao novo tratamento, o que não era uma realidade há 10 anos. De acordo com ele, uma grande parcela dos pacientes abandonaram o tratamento porque não suportavam os efeitos adversos que as drogas traziam.
O médico destaca que hoje os medicamentos são mais seguros e que a ciência está evoluindo para novos tratamentos. Segundo ele, existem testes de um medicamento aplicado em forma de injeção e há a perspectiva de aplicações bimestrais ou até mesmo semestrais.
A transmissão e a testagem
Relação sexual sem preservativo é a principal forma de disseminação da doença. — Foto: Ilustração
O infectologista Fernando Chagas explica que o vírus está alojado no sangue, então ele é disseminado para as secreções da vagina ou sêmen e a transmissão acontece a partir da relação sexual sem proteção.
“Quem recebe o sêmen acaba tendo mais chances de se contaminar. Por exemplo, a mulher que recebe a ejaculação dentro da vagina com sêmen contaminado, ou o homem passivo na relação sexual. A via sexual oral é muito rara de acontecer. Mesmo com pessoas tendo algum ferimento na boca, a probabilidade de transmissão via oral é muito mais rara”, explica.
O Ministério da Saúde lista outras quatro possibilidades: uso de seringa por mais de uma pessoa; transfusão de sangue contaminado; da mãe infectada para seu filho durante a gravidez, no parto e na amamentação; e instrumentos que furam ou cortam não esterilizados.
O médico indica a testagem para toda pessoa com vida sexualmente ativa, considerando pelo menos um histórico de relação sexual sem camisinha ou em que a camisinha estourou.
Os sintomas do HIV
O médico Fernando Chagas explica que o HIV é uma condição silenciosa e que os sintomas se confundem com qualquer vírus respiratório. Segundo ele, o paciente pode ter febre, dor no corpo, aumento de linfonodos – principalmente na região do pescoço e abaixo da mandíbula.
“É tão inespecífico que a maioria das pessoas nem se toca sobre a possibilidade de ser HIV. O vírus fica silenciosamente destruindo a imunidade. Então muitas vezes a pessoa só começa a desconfiar que está com o vírus quando ela começa a ter, por exemplo, nas mulheres, corrimentos vaginais de repetição. Nos homens é a infecção urinária – que não é para dar em homem, geralmente tem que estar com a imunidade prejudicada – ou o crescimento da próstata”, explicou.
Outros sintomas são a candidíase na boca, herpes zóster e tuberculose.
Como testar para HIV/Aids na Paraíba?
Hospital Clementino Fraga, em João Pessoa — Foto: Kleide Teixeira / Jornal da Paraíba
Segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES/PB), o Hospital Clementino Fraga, localizado em João Pessoa, é referência em testagem e tratamento na Paraíba.
Porém, a testagem para todos os tipos de ISTS (HIV/Aids, Sífilis, Hepatite B) é feita pela atenção primária, nas Unidades Básicas de Saúde, em todos os municípios.
*Sob supervisão de Jhonathan Oliveira
G1