A 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) atendeu recurso do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e decidiu reverter a decisão que beneficiou com redução de pena um homem condenado a 124 anos de prisão e que cumpriu parte da sentença no Complexo Prisional do Curado, no Recife.
Pela decisão anterior, a diminuição da pena com base no “cômputo em dobro” havia sido calculada em relação à condenação máxima permitida no Brasil, de 30 anos de reclusão, e não em cima da condenação total (veja mais abaixo).
Com o atendimento do recurso do MPPE, o ex-tenente da Polícia Militar Carlos Roberto da Silva Júnior, que está em liberdade desde o mês de agosto deste ano, terá que voltar a cumprir pena em regime fechado até 23 de fevereiro de 2029, quando atingirá o limite de 30 anos de prisão.
Segundo informações do TJPE, Carlos Roberto foi condenado em quatro ações penais que totalizam 124 anos e 6 meses de reclusão. A contagem do tempo foi iniciada em 24 de fevereiro de 1999.
O que é o “cômputo em dobro”
O “cômputo em dobro” foi uma das medidas adotadas para lidar com a superlotação do Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife, e do Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro – que têm histórico de problemas estruturais e violações de direitos humanos.
Pela norma, que começou a ser aplicada em setembro de 2022 em Pernambuco, o tempo que um apenado passou no presídio do Curado é contado em dobro e descontado da condenação final. Significa que se uma pessoa ficou três anos no Complexo do Curado, são considerados seis anos no local.
Na primeira interpretação, os casos de Carlos Roberto da Silva Júnior e de outros apenados condenados por crimes hediondos e ficaram presos no Curado foram considerados a partir do tempo máximo de prisão no Brasil, de 30 anos. Agora, os processos devem passar por nova avaliação – a partir de recursos impetrados pelo MPPE, e seguir a mesma jurisprudência de redução pelo tempo total da condenação.
Após a decisão da 4ª Câmara Criminal do TJPE, a defesa do réu afirmou que iria recorrer aos tribunais superiores: Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).
Ministério Público diz que é importante cumprir a lei
De acordo com o promotor de justiça Fernando Falcão, após a reversão da decisão pela justiça, já foi emitido um mandado de prisão para Carlos Roberto Silva Júnior, que deve voltar ao regime fechado.
“A gente sabe que essas pessoas que estão condenadas a mais de 100 anos de prisão não cometeram só um delito. São presos considerados perigosos, acusados de homicídios, de sequestros, e é importante que seja aplicada a lei”, disse o promotor.
Em entrevista ao g1, Falcão completou que o MPPE acompanha todas as decisões do mesmo tipo, para verificar os critérios utilizados para conceder o benefício do “cômputo em dobro”.
“Toda vez que sai uma decisão considerando a redução da pena com base nos 30 anos de prisão e não no tempo total de condenação, a gente tem obrigação de recorrer”, informou.
De acordo com o promotor Fernando Falcão tem acontecido interpretações diferentes sobre o “cômputo em dobro”, dependendo do magistrado que analisa o caso, por isso uma decisão do TJPE é importante no sentido de uniformizar a interpretação.
Entre as pessoas que ficaram detidas no presídio do Curado e que foram beneficiadas com a medida está Rosemberg Ramos da Silva, conhecido como Berg, condenado a 190 anos de prisão por homicídio, roubos e sequestros praticados entre as décadas de 1990 e 2000.
Medida prevista desde 2018
A implementação do “cômputo em dobro” já estava prevista desde 2018, quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), fez uma vistoria no Complexo Prisional do Curado. Na época, a entidade emitiu uma resolução pedindo a proibição de novos detentos no local.
No entanto, de acordo com o TJPE, a medida só começou a ser implementada em setembro de 2022, após decisão da presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e então corregedora nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura.
Em dezembro de 2022, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, determinou que a pena dos presos internados no Curado deve seguir a regra, com exceção daqueles que tivessem sido acusados ou condenados por “crimes contra a vida, integridade física ou dignidade sexual”.
Em entrevista à GloboNews no dia 9 de novembro, o promotor de justiça Rinaldo Jorge da Silva, do MPPE, explicou que a determinação de implantar o “cômputo em dobro” foi uma condenação da OEA contra o estado brasileiro.
“Em inspeções realizadas no Complexo Prisional do Curado e também num dos complexos prisionais do Rio de Janeiro, eles detectaram que os presos estavam em condições subumanas e, para que não tivessem um prejuízo, diante daquela precariedade do local de cumprimento de pena, o estado brasileiro foi condenado a implementar o cômputo em dobro. Para cada dia de pena naquele local ser contado como dois dias de pena”, afirmou o promotor.
Além do Complexo Prisional do Curado, em Pernambuco, a medida também foi determinada para o Complexo Penitenciário de Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Questionado pelo g1, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) disse que a decisão do cômputo em dobro é dos juízes das Varas de Execução Penal, dependendo de onde a pessoa esteja cumprindo a pena e da localização do processo sob sua competência.
Ainda segundo do TJPE, cada pessoa que cumpriu algum tempo de pena nesses locais pode requisitar o benefício – que deve ser encaminhado pelos advogados ou Defensoria Pública, ou ao setor jurídico da Secretaria Executiva de Ressocialização.
Superlotação no Complexo do Curado
Com um histórico de problemas, o espaço, que antes se chamava Presídio Aníbal Bruno, foi dividido em 2012 em três unidades. A superlotação do local fez com que o governo de Pernambuco fosse denunciado na CIDH.
Em agosto de 2022, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a redução de 70% na população encarcerada no Complexo do Curado. Na época, havia cerca de 6,5 mil presos. Atualmente, segundo o TJPE, são menos de 2 mil.
Em abril de 2023, a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, visitou o presídio e recebeu um relatório sobre a situação do complexo, elaborado por um Gabinete de Crise composto por representantes do TJPE, do governo do estado, do Ministério Público, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Defensoria Pública.
Em outubro, foi a vez do ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, de visitar as unidades prisionais do Curado. Na ocasião, ele declarou que o governo federal vai elaborar um plano de ação para o sistema prisional de Pernambuco a partir de um mapeamento realizado junto a instituições públicas e à sociedade civil.