O juiz Wladymir Perri, da 12ª Vara Criminal de Cuiabá, em Mato Grosso, mandou prender a mãe de um jovem assassinado a tiros após ela se manifestar contra o réu. A mulher participava de uma audiência de instrução como testemunha da acusação.
O que aconteceu:
No início da audiência, a promotora do caso, Marcelle Rodrigues da Costa e Faria, diz ao juiz que a testemunha é a mãe da vítima. Ela também pergunta à mulher se ela estava constrangida com a presença do réu na mesma sala onde prestaria depoimento.
Em resposta, a mãe da vítima diz que não tem problema e diz que o réu para ele é “ninguém”. “Por mim, ele pode ficar aí, ele não é ninguém”, disse. A audiência de instrução foi realizada no dia 29 de setembro, mas o caso ganhou repercussão após imagens serem divulgadas nas redes sociais.
Após a mãe da vítima se manifestar contra o acusado, o advogado do réu pede “respeito”. O magistrado também a repreende. “Peço a senhora que, por mais que seja doloroso, que a senhora mantenha a serenidade, com a inteligência sobre essa circunstância”, afirmou o juiz.
O juiz Wladymir Perri repreende a mãe novamente e pede que ela tenha inteligência emocional. “Essa eu não tenho”, diz a mulher após ouvir a declaração do magistrado.
A promotora tenta argumentar com o magistrado, mas ele reclama que ela “não para de falar” e encerra a audiência.
Voz de prisão
A mãe da vítima se levanta, joga um copo de plástico e bate na mesa. Segundo a promotora, a mulher teria dito que o réu “escapou da Justiça dos homens, mas da Justiça divina não escapa”.
O juiz também se levanta e dá voz de prisão a mulher, por volta das 16h. Ela permaneceu detida no fórum por cerca de quatro horas até que o magistrado publicasse a ata da audiência, que, segundo a promotora, só foi disponibilizada às 20h.
Ela foi levada à delegacia, prestou depoimento e foi liberada. O Ministério Público impetrou um habeas corpus para evitar a prisão da mãe da vítima. “Eu acompanhei ela na delegacia. O delegado ouviu todo o depoimento dela e dos familiares. Ele não verificou uma justa causa para a prisão e não lavrou o flagrante”, contou a promotora.
Abuso de poder
A promotora Marcelle Faria explica que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) tem resoluções e políticas determinando de que forma a vítima tem que ser acolhida pelo Poder Judiciário, para diminuir o seu sofrimento. “Nenhum protocolo desse foi seguido pelo magistrado”, ressaltou.
Ela diz ainda que, pela Organização das Nações Unidas, não só é vítima de crime a pessoa que diretamente sofreu a violação do direito. É vítima de crime, também, as pessoas que indiretamente sofrem com aquela violação, especificamente nos crimes de homicídio. “O homicídio tira a vida da vítima, mas acaba com o psicológico, com a integridade e com a dignidade dos familiares”.
Na ata da audiência, o juiz diz que mandou prendê-la porque ela ameaçou o réu. Para a promotora, o que a mãe da vítima falou não pode ser considerada uma ameaça.
“Eu não compreendo que essa frase, “da justiça divina, você não escapa, é uma ameaça”. Não era um ambiente de ameaça, porque era um ambiente seguro, com policiais, com o magistrado, o advogado do réu. Não era um ambiente que denotaria qualquer forma de ameaça ou violência dessa mãe chorosa e enlutada para com o assassino de seu filho”.
-Marcelle Faria, promotora do MPMT
A representante do MP esclarece também que, se não houve justa causa para determinar a prisão dela, houve um abuso de poder do magistrado. “A vítima tem direito de participar do processo, tem direito de ser ouvida e de ser informada, ela foi calada. É isso que o Ministério Público compreendeu”, afirmou.
“Ela simplesmente falou e ela tem liberdade de expressão, a audiência estava encerrada, ele encerrou a audiência. Então, eu acho que não houve justa causa para determinar a prisão dela.
-Marcelle Faria, promotora do MPMT.
O UOL entrou em contato com a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, mas não houve retorno. O magistrado também foi procurado por e-mail, mas não retornou. O espaço segue aberto para manifestação.
O crime
A vítima era usuária de drogas e, por conta da dependência química, costumava usar substâncias entorpecentes em uma casa abandonada, localizada aos fundos de onde residia a mãe do denunciando, o que lhe gerava revolta, segundo o Ministério Público de Mato Grosso.
Dias antes de cometer o crime, o acusado chegou a anunciar que daria vários tiros na cabeça da vítima.
No dia 10 de setembro de 2016, a vítima transitava em sua motocicleta, quando foi surpreendida pelo réu, que estava com uma arma de fogo em punho e efetuou diversos disparos em sua direção, dos quais ao menos dez o atingiram.
Ele fugiu após efetuar os disparos.
A vítima morreu no local em razão de traumatismo cranioencefálico.