O candidato Santiago Peña lidera a corrida à presidência do Paraguai com ampla vantagem, segundo resultados preliminares, e será o novo presidente do país.
Com 95% dos votos processados, Peña, do conservador Partido Colorado, vencer seu opositor Efraín Alegre, do Partido Liberal Radical Autêntico, com quem dividia um empate técnico nas últimas pesquisas de intenção de voto.
“Obrigado a quem nos deu seus sonhos, confiou neste projeto, depositou suas esperanças para que possamos ser melhores, e vamos ser melhores”, disse Peña, que assumirá o cargo no dia 15 de agosto.
“Depois de anos de estagnação econômica, déficit fiscal elevado, taxa de desemprego elevada, aumento da pobreza extrema, não é só trabalho para uma pessoa ou um partido. Por isso apelo à união e ao consenso, à prosperidade sem exclusões”, acrescentou.
No Paraguai, as eleições são definidas em turno único, o voto é obrigatório e a reeleição não é permitida, por isso o atual presidente, Mario Abdo, não pôde concorrer a um novo mandato de cinco anos.
“Parabéns ao povo paraguaio por sua grande participação neste dia de eleição e ao presidente eleito Santiago Peña. Trabalharemos para iniciar uma transição ordenada e transparente que fortaleça nossas instituições e a democracia do país”, escreveu Abdo no Twitter.
Quem é Santiago Peña
Santiago Peña tem 44 anos e nasceu na capital do país, Assunção.
Até 2015, Peña era um estranho na política nacional. Economista pela Universidade Católica de Assunção, onde lecionou Teoria Financeira e Teoria Econômica, ele viajou para os Estados Unidos para fazer mestrado em Administração Pública na Columbia University, em Nova York, no ano de 2001.
Ele integrou a equipe do FMI (Fundo Monetário Internacional) em Washington em 2009, onde dirigiu a ligação do órgão com a África. “Naqueles anos, o potencial que vi de fora para o meu país gerou um grande impacto em mim”, disse ele a repórteres antes das eleições internas do partido.
Durante uma década, fez parte do Banco Central do Paraguai, primeiro na área de Pesquisas Econômicas e depois como diretor, mas teve que esperar até 2015 para começar a atuar na política nacional.
“Peña é uma pessoa que se apresenta como um tecnocrata, um especialista em economia de alto nível, com estudos no exterior e credenciais que lhe dão força técnica. A questão é se isso pode compensar a falta de capital político”, disse à BBC Mundo Magdalena López, PhD em Ciências Sociais e coordenador do Grupo de Estudos Sociais do Paraguai da Universidade de Buenos Aires.
“Peña nasceu do fracasso do projeto de reeleição de Cartes”, disse José Duarte Penayo, doutor em Filosofia e filho do ex-presidente colorado Nicanor Duarte Frutos, à BBC Mundo, referindo-se à tentativa frustrada do ex-presidente em 2017 de modificar a Constituição para permitir a reeleição.
Há seis anos, Peña disse que sentia que era hora de “descer à arena eleitoral para fazer mais” e renunciou ao Tesouro para se candidatar à presidência do Paraguai nos estágios partidários de 2017, eleições nas quais perdeu para Mario Abdo , a quem agora substituirá na presidência.
Em 2018, encerrado o governo de Cartes, Peña teve sua primeira experiência no setor privado. Naquele ano, passou a integrar o conselho de administração do Banco Basa, do Grupo Cartes, conglomerado empresarial do ex-presidente que, segundo o próprio Peña, representa 2% do PIB nacional.
Entre seus pontos fortes está a passagem pela gestão e a paciência de tecer um perfil de público mais abrangente nos últimos cinco anos.
A relação com o ex-presidente Horacio Cartes
Para alguns, Peña é o “protegido” de Cartes. Para outros, é quem protegerá o ex-presidente nos próximos anos.
Em seu discurso de comemoração neste domingo, Peña dedicou um agradecimento especial a Cartes, presidente do partido.
“Sua contribuição, presidente, não se paga senão com a moeda do respeito e da admiração. Obrigado por esta vitória vermelha”, disse Peña.
A situação de seu principal aliado não é fácil. O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos definiu Cartes em meados do ano passado como “significativamente corrupto”.
“Cartes se envolveu em atos de corrupção antes, durante e depois de seu mandato como presidente do Paraguai. A carreira política de Cartes foi baseada e continua dependendo da mídia corrupta para o sucesso”, disse o comunicado do Departamento de Estado em janeiro passado.
As sanções econômicas contra Cartes alteraram o mecanismo de financiamento da última campanha política, baseado na solicitação de empréstimos bancários.
“Claro, saímos em busca de crédito e ninguém quis nos dar devido à situação do nosso presidente [do partido, Horacio Cartes, que assumiu em 10 de janeiro]”, disse o congressista colorado Hugo Ramírez ao jornalista Federico Filártiga.
Apesar das acusações dos Estados Unidos, Peña nunca se afastou de Cartes. “Estamos falando de um ex-presidente que fez da transparência e da boa gestão uma bandeira importante, e estou totalmente convencido de que foi esse o caso”, disse o presidente eleito algumas semanas após o anúncio das sanções de Washington.
No entanto, Peña tenta se apresentar como um político sem compromisso. “Fui colaborador do governo de Horacio Cartes e posso dizer que em dois anos e meio atuei com total autonomia”, segundo declarações ao ABC Color.
Da oposição não acreditam que o novo presidente possa governar sem a sombra de Cartes. “Ele é um candidato improvisado, que não tem experiência nem liderança política, é um acidente. Na verdade, ele é o credor de Horacio Cartes”, disse Efraín Alegre na campanha, derrotada por Peña neste domingo.
Para Marcos Pérez Talia, doutor em Ciência Política e autor do livro A mudança dos partidos políticos no Paraguai, o exercício do poder será “bicéfalo”.
“Diante de qualquer contingência, os candidatos se reúnem com Cartes, não com Peña. Naturalmente, o ex-presidente vai limitar severamente a autonomia de governo de Peña.”
A posição de Mario Abdo
As críticas ao novo presidente não partem apenas da oposição, mas do próprio partido. O último presidente, Mario Abdo, é um dos mais duros críticos do cartismo.
“Cartes é um homem nefasto que quer o controle total”, disse ele à Radio Concierto em dezembro passado.
Mas as divisões internas não são novas. “Não é a primeira vez que isso acontece”, disse Ana Couchonnal, PhD em Sociologia e pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, à BBC Mundo.
Em 2008, na única eleição em que a oposição venceu os colorados, o partido vivia uma de suas mais duras crises internas.
Por isso, nesta eleição, apesar das profundas divergências, o candidato apoiado por Abdo, Arnoldo Wiens, aliou-se a Peña em um gesto que no poderoso Partido Colorado é conhecido como o “abraço republicano”: aparecer unido para fora para preservar ou poder.
“Os internos acabam se dissolvendo na necessidade prática de sustentar o poder, principalmente na forma como o poder é exercido”, diz Couchonnal.
No entanto, para alguns analistas, o gesto não é garantia de coesão das diferentes facções uma vez no governo. “Peña terá que administrar a relação bastante desgastada com o partido governista do Colorado, liderado por Mario Abdo”, diz Pérez Talia.
Promessas e desafios
Peña, cujo partido governou o país nas últimas sete décadas, com exceção de um breve período entre 2008 e 2013, prometeu “mais dinheiro no bolso dos paraguaios” com a geração de empregos e a formalização da economia.
Entre os principais desafios que o novo presidente enfrentará, estão diferentes problemas econômicos e sociais, como a evasão fiscal, a informalidade do trabalho, o forte impacto da seca e a pobreza que atinge principalmente camponeses e indígenas.
Durante a campanha, Peña prometeu acabar com a evasão fiscal e promover políticas para que mais pessoas trabalhem na economia formal. Ele também afirmou não ter o aumento de impostos como um de seus planos.
*Com informações da reportagem de Ayelen Oliva, da BBC News Mundo