Internada desde 17 de fevereiro após apresentar uma reação alérgica somente por sentir o aroma de pimenta bode enquanto cozinhava com o namorado, Thais Medeiros de Oliveira, de 25 anos, não apresenta resposta neurológica, embora esteja sem sedação.
De acordo com o último boletim médico, divulgado no domingo (5), a jovem encontra-se internada na UTI, traqueostomizada e com apoio de ventilação mecânica. A pedido dos familiares, a Santa Casa de Anápolis (GO), hospital em que a paciente está internada, não divulgou mais o estado de saúde dela.
Fabiana Mascarenhas, alergista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, explica que a alergia a pimenta é um quadro raro, sendo mais comum o quadro de irritação nas mucosas das vias respiratórias, provocado pela capsaicina, substância presente na maioria das pimentas, relacionada ao ardor do alimento, e provocando reações mais leves.
De acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), vinculada ao Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), a picância da pimenta bode pode atingir 200 mil unidades Scoville (escala usada para medir a picância das pimentas), sendo considerada extremamente picante, superando a ardência das pimentas dedo-de-moça e jalapeño.
Porém, tal ardência não definiria um quadro alérgico, dado que a manifestação se dá em virtude da reação à proteína do alimento – e não à sua picância.
Embora seja rara, a alergia ao tempero, assim como para qualquer outro alimento, pode ser desenvolvida em qualquer fase da vida, idade.
Mesmo pessoas que já tenham ingerido determinado alimento anteriormente estão sujeitas a ter alergia, pois nestes casos ocorre uma “desregulação” do sistema imunológico do entendimento do que seria normal e estranho, de acordo com a médica Brianna Nicolletti, alergista e imunologista do Hospital Albert Einstein.
“Diante do contato com a estrutura do alimento (por pele, mucosa, ou inalado), se ela for entendida imunologicamente como “alergênica” e estranha, ocorre uma resposta com a produção de anticorpos contra a proteína daquele alimento (chamado de IgE), gerando um processo inflamatório. A intensidade deste processo, depende do quão sensível (alérgica) a pessoa é, e se ela já estava previamente inflamada [por outro motivo]”, elucida Brianna.
As alergistas explicam que o tipo da pimenta não definirá a reação, assim como o tipo da pimenta não tem qualquer relação com a frequência do quadro, sendo algo exclusivo entre a percepção do sistema imunológico quanto à proteína alimentar.
Manifestações
Podem ser três as formas de se desenvolver uma reação alérgica: toque, mucosas (ingestão), ou pelas vias aéreas, como foi o caso de Thaís.
A partir da sensibilidade do sistema imune e da quantidade de proteínas daquele alimento ao qual foi exposto, o organismo passa a produzir o IgE e a manifestar os sintomas.
A gravidade do quadro, entretanto, dependerá da resposta individual de cada um, ressalta Fabiana, sendo as de pior diagnóstico aquelas que causam anafilaxia e comprometem mais de um sistema (seja respiratório, cardíaco, neurológico ou gastrointestinal).
Os quadros anafiláticos expressam um conjunto de sinais de reação imediata (de minutos a poucas horas após o contato), com manifestações graves, sistêmica, generalizada e potencialmente fatais.
Os choques anafiláticos costumam apresentar sintomas na pele (vermelhidão, coceira e inchaço) e/ou sintomas respiratórios (tosse, chiado no peito e falta de ar), gastrointestinais (dor na barriga, diarreia, vomitos), cardiovasculares (hipotensão) e neurológicos (desmaio, sonolência). Por se tratar de um quadro grave, deve ser administrada prontamente adrenalina de forma intramuscular.
Já o inchaço na garganta, que impede a passagem de ar (edema de glote), pode evoluir de forma rápida.
Em casos de suspeita, é necessário levar o paciente ao pronto-atendimento mais próximo.
Brianna afirma que é recomendado que essas pessoas sejam mantidas deitadas, com as pernas elevadas, para facilitar a circulação sanguínea, assim como observar os sinais vitais, monitorando batimentos cardíacos e respiração para verificar a necessidade de massagem cardíaca.
A dificuldade em respirar, eventualmente, pode levar à necessidade de uma traqueostomia para facilitar o acesso de ar aos pulmões.
Brianna afirma que, independente da alergia, é importante que haja o reconhecimento dos sintomas, que podem incluir rouquidão; sensação de coceira ou “bolo” na garganta; dificuldade para respirar; chiado ou um barulho estridente durante a respiração; sensação de aperto no peito; dificuldade para falar.
Além disso, outros sintomas, como urticária, com vermelhidão ou comichão na pele, olhos e lábios inchados, língua inchada ou aumentada, conjuntivite ou lacrimejamento ocular ou crise de asma, também podem ocorrer.
Fabiana complementa que, em todos os casos, a busca por pronto-atendimento médico é imprescindível, visto que não há qualquer garantia de que a reação será leve ou pode evoluir com gravidade.
A partir da constatação e diagnóstico da alergia, os profissionais definirão junto aos pacientes o plano de ação para novas exposições ao componente e para novas reações, orientando a medicação a ser administrada nessas ocasiões, enquanto busca atendimento médico.
As especialistas ressaltam que alguns quadros podem provocar piores evoluções na reação alérgica, como a asma.
Outros fatores que devem ser levados em consideração é que, uma pessoa que já possui uma alergia possui, também, predisposição à outros quadros alérgicos devido a essa desregulação do sistema imune.
Além disso, pode haver, também, a manifestação por “reações cruzadas”, quando os componentes estruturais de um alimento são parecidos com o do alimento causador da alergia, desencadeando uma nova manifestação.
“Para quem não possui alergia diagnosticada, é importante sempre valorizar os primeiros sintomas desde seu aparecimento, para acompanhar a evolução e ter o melhor tratamento possível”, finaliza a alergista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.