Uma brasileira de 32 anos poderá ter uma nova vida após se tornar a primeira paciente a realizar uma cirurgia inédita no país. Karina Rodini finalmente não terá mais um tumor que a acompanhou durante toda a vida.
Vítima de uma doença genética rara, a neurofibromatose, ela retirou nos últimos dias 4,6 kg do tumor, após ter removido cerca de 30 kg no ano passado.
A condição, de acordo com o Manual MSD de Diagnóstico e Tratamento, é caracterizada pelo surgimento de nódulos moles e volumosos de tecido nervoso (neurofibromas), que se formam sob a pele e em outras partes do corpo, e manchas planas que têm cor de café com leite.
Há dois tipos de neurofibromatose (tipo 1 e tipo 2), mas que ainda não têm cura ou tratamento específico.
“Fui diagnosticada com um ano de idade, quando minha mãe me levou ao médico, só que, quando eu tinha um ano, tinha só manchas café com leite pelo corpo, não tinha tumor. Com o passar dos anos, essas manchinhas foram aumentando”, conta Karina.
Segundo ela, até os seus 13 ou 14 anos as manchas ainda eram estáveis. Após essa idade, elas começaram a ficar elevadas e surgiram os tumores.
“Minha mãe sempre me levou em médicos, acompanhamentos, e a resposta que ela ouvia era que não tinha tratamento, não tinha cura e não tinha o que fazer. Os anos foram passando, os tumores foram aumentando, até que eu fiz a primeira cirurgia, com 14 ou 15 anos, de um pedaço de tumor que não era tão grande”, lembra.
A situação de Karina continuou piorando, já que o tumor criado pela doença é enraizado, ou seja, o pedaço que é removido volta a crescer depois de um período.
“Eu ia fazendo cirurgia para tirar e diminuir aquele tumor, só que ele voltava maior no próximo ano e, conforme os anos foram passando, o tumor foi aumentando e começou a crescer de uma forma descontrolada, e chegou ao estado que estava”, diz Karina.
De acordo com a brasileira, ela passou por cerca de 17 cirurgias com remoção de, em torno, 1 kg de tumor. O tamanho era insuficiente para ela, mas os médicos alertavam que um procedimento maior era muito arriscado.
Karina então passou a compartilhar sua história nas redes sociais em 2019, em busca de encontrar novos profissionais e tratamentos. Ela chegou fazer uma quimioterapia que estava conseguindo “estacionar” o crescimento do tumor.
“Estava funcionando, é um medicamento muito forte. Mas meus tumores estavam muito grandes, estavam despencando, eles estavam fazendo muita pressão para baixo, estavam praticamente caindo do meu corpo. Eu precisava parar com a medicação para eu poder fazer uma cirurgia para remover esse tumor que estava caído”, relata a brasileira.
Foi nesse momento que ela conheceu o cirurgião plástico Alfredo Duarte. O profissional foi o primeiro a realizar uma remoção maior, em torno de 5 kg, do tumor de Karina, em 2020.
Essa cirurgia “renovou as esperanças” da jovem, mas ainda não era suficiente. Apesar da magnitude, o tamanho retirado também não era capaz de barrar os problemas de saúde que ela tinha em decorrência do tumor.
“A neurofibromatose dela era gigante – pegava todo membro inferior e toda a região do glúteo e dorso –, ela já estava em uma fase de insuficiência cardíaca grave, porque ele [tumor] estava muito grande, era como se fosse uma pessoa obesa. O coração já não estava funcionando para mandar sangue para toda aquela região”, explica o cirurgião plástico Alfredo Duarte, do Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR), que comandou a cirurgia.
E acrescenta: “Além disso, pelo tamanho, ela tinha dificuldade de mobilidade. Ela já não estava mais conseguindo andar adequadamente, ficava basicamente em casa. Então, provavelmente, ela teria um desfecho muito ruim em poucos meses.”
Karina também desenvolveu escoliose pela diferença de peso nas pernas. Para acabar com essa situação, ela continuou procurando alternativas. Foi então que encontrou o cirurgião plástico norte-americano Mckay McKinnon, referência na remoção de grandes tumores.
McKinnon seguia dois conceitos que não eram comuns no Brasil. Primeiro, ele removia uma boa quantidade de tumor, mesmo com os riscos, fazendo uma constante transfusão de sangue no paciente (desde o início da cirurgia). Segundo, ele tirava o tumor o mais próximo possível da raiz, para que ele não tivesse chance de voltar.
Após uma vaquinha online, Karina conseguiu custear a vinda do especialista para o Brasil e realizar o procedimento no final de 2021.
“Nós fizemos a cirurgia junto com ele, com as orientações dele, algumas técnicas, principalmente, de anestesia, para que a gente pudesse dar suporte e que ela não viesse a óbito durante a cirurgia, pelo sangramento, porque era muito grande – aquela região tinha vasos, mais ou menos, de um centímetro de tamanho”, diz Duarte.
Nessa cirurgia, houve a remoção de cerca de 30 kg de tumor com o procedimento inédito no país. Já no pós-operatório a mudança na qualidade de vida da brasileira era notória.
“Ela foi perdendo peso porque, como o coração já estava debilitado, ele ia acumulando líquido, então ela perdeu [cerca de] 32 kg durante a cirurgia, mas, na semana seguinte, perdeu mais de 70 kg, porque o coração começou a voltar a funcionar de novo e conseguiu jogar para fora, para os rins, todo aquele líquido que estava acumulado”, explica o cirurgião.
O procedimento, de acordo com o especialista, “salvou a vida dela, porque ela tinha um prognóstico muito ruim”. “Eu não sei se ela aguentaria um ano [viva]”, revela.
Alfredo já replicou a técnica na cirurgia mais recente de Karina – que retirou 4,6 kg de tumor – e também em outros casos menores. O cirurgião considera o aprendizado um avanço para a medicina brasileira.
Para Karina, o processo possibilitou um retorno à normalidade nunca antes imaginado.
“Já é bem mais fácil caminhar, vestir roupa, tomar banho, subir uma escada, fazer outras atividades que eu não fazia. É mais fácil colocar um short, um vestido, coisas que eu não usava”, conta.
Porém, Karina ainda não pretende colocar um ponto final nos procedimentos. Segundo ela, há ainda em torno de seis ou sete quilos de tumor que ela pretende remover.
“Eu pretendo me recuperar dessa última cirurgia e, assim que eu me recuperar, já pensei em marcar a próxima para retirar o máximo que conseguir”, diz a brasileira.
Para o futuro, ela quer ir à praia, passear e visitar os familiares mais distantes. Mas, para agora, Karina pretende continuar falando sobre a doença, ainda muito estigmatizada, nas redes sociais com o perfil @superandoaneurofibromatose.
“É muito preconceito. As pessoas olham, tem medo de chegar perto, acham que vão pegar, vamos nas lojas e não tem roupa que serve […]”, relata.
A brasileira também continua pedindo doações, para lidar com os altos custos das cirurgias. Segundo Alfredo, apesar de ser um processo adaptável ao sistema público, nem todos os hospitais realizam.