A duas semanas do fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro, o governo federal publicou nesta sexta-feira (16) uma instrução normativa autorizando o manejo florestal (extração madeireira) sustentável em terras indígenas do país, inclusive por organizações de composição mista, ou seja, entidades com a participação de não indígenas.
A medida foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) e assinada pelos presidentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, e da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier.
A instrução entra em vigor daqui a 30 dias, já no governo Lula, que poderá rever a medida.
Para entidades ambientais, a instrução fere a Constituição Federal, que veda a exploração de madeira em terras indígenas.
Operação de combate à exploração ilegal de madeira em Terra Indígena na região de Novo Progresso (PA), em 2016. — Foto: Felipe Werneck/Ibama
Alvo de invasores e garimpeiros, as terras indígenas acabam sendo reduto de conservação ambiental no país. Diante das novas regras e das falhas na fiscalização, o receio é que, na prática, a medida facilite ainda mais a exploração criminosa.
Em nota, a Funai afirma que a medida era uma “reivindicação antiga de diversas etnias e resultará em mais autonomia para os indígenas” e acrescenta que possibilitará a ampliação de “geração de renda nas aldeias de forma sustentável”.
Segundo a fundação, a regulamentação “ajudará a combater as atividades de desmatamento ilegal em terras indígenas”. Diz ainda que o manejo florestal “é estudado há mais de uma década por instituições e entidades ambientalistas e indigenistas como uma alternativa viável de geração de renda e emprego nas comunidades indígenas”.
O g1 também procurou o Ibama, mas não havia obtido resposta até a última atualização deste texto.
O que diz a instrução normativa:
- O governo estabelece regras para a elaboração, análise, aprovação e monitoramento de Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) comunitário para a exploração de recursos madeireiros em terras indígenas.
- Os planos poderão ser apresentados por cooperativas integradas pelos próprios indígenas ou organizações de composição mista (a participação de não indígenas tem que ser inferior a 50%).
- As tarefas e os ganhos serão divididos entre os integrantes da comunidade.
- O grupo interessado em fazer a exploração terá que pedir autorização e, para isso, precisará apresentar um documento técnico avaliando os impactos cultural e econômico nas comunidades que vivem na terra indígena.
- Para embasar o plano, deverá ser feito um relatório de viabilidade socioeconômica, que terá que ser submetido à comunidade indígena para consulta.
Críticas
Na prática, de acordo com Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISO), o documento abre margem para sérios impactos ambientais e aumento do desmatamento nessas terras.
“Isso representa uma flagrante tentativa de burlar a Constituição Federal e o Estatuto do Índio, que estabelecem que os recursos dos rios, lagos e solos pertencem exclusivamente aos povos indígenas.” — Juliana Batista, advogada do ISO
De acordo com o artigo 231 da Constituição, “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
Já o Estatuto do Índio, também citado por Batista, traz em seu artigo 18 a proibição da “prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa” em terras indígenas por pessoas não indígenas.
Área de desmatamento na Terra Indígena Ituna-Itatá, no Pará. — Foto: Reprodução / PF-PA