Medida precisa ser aprovada pelo próprio Congresso, autor das emendas, para ter eficácia. Parlamentares avaliam que proposta sequer será analisada e, reservadamente, veem ‘recado político’ a Lira.
O presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso nesta quarta-feira (30) um projeto de lei para alterar o Orçamento deste ano e permitir que as emendas de relator — conhecidas como orçamento secreto — e as emendas de comissões sejam canceladas por ato do Executivo. Para que tenha eficácia, porém, o texto precisa ser aprovado em sessão conjunta do Congresso Nacional.
Segundo o governo, a medida seria necessária para viabilizar o pagamento de despesas obrigatórias sem desrespeitar o teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas da União à inflação do ano anterior.
Devido a essa regra, que é considerada a principal âncora fiscal do país, a atual equipe econômica vem realizando uma série de bloqueios no Orçamento de 2022. No total, já são R$ 15,4 bilhões congelados – desse montante, R$ 7,7 bilhões correspondem a emendas de relator.
O orçamento secreto ficou conhecido pela falta de transparência e pela disparidade na distribuição dos recursos. Em uma canetada, o relator-geral do Orçamento de cada ano pode encaminhar recursos para atender a demandas de senadores e deputados, sem que os nomes dos parlamentares sejam publicizados.
A modalidade acabou virando moeda de troca do governo Bolsonaro para aprovar matérias de interesse no Congresso.
Nos bastidores, parlamentares veem o projeto encaminhado pelo Executivo como uma retaliação do atual governo ao apoio que os antigos aliados no Congresso começaram a demonstrar ao governo eleito de Lula, sobretudo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que recebeu apoio do PT para a sua recondução à presidência da Casa.
Contudo, a retórica não passa de “pura política”, segundo esses parlamentares, uma vez que o próprio Congresso teria que aprovar o projeto.
Congresso foi ‘surpreendido’
O deputado Hugo Leal (PSD-RJ), relator-geral do Orçamento de 2022, disse que o Congresso foi “surpreendido”, que não houve nenhum tipo de conversa ou entendimento antes do envio da proposta e admitiu que a medida não deve sequer ser apreciada pelos parlamentares.
Segundo ele, haveria outros caminhos para viabilizar as despesas obrigatórias, como o remanejamento das despesas discricionárias (não obrigatórias) dos ministérios.
Para viabilizar o pagamento do orçamento secreto, os parlamentares também trabalham para criar uma brecha na proposta de emenda à Constituição (PEC) da transição, que abriria mais de R$ 20 bilhões para serem gastos ainda neste ano.
Esses recursos poderiam liberar o que está bloqueado e abrir espaço para o pagamento das emendas de relator, além de outras despesas hoje congeladas. Deputados ligados ao governo eleito também já admitem essa manobra.
Paralelo ao projeto de lei, o governo também editou um decreto que dá maior flexibilidade ao secretário Especial de Tesouro e Orçamento para remanejar limites e dotações – o que, na prática, diminui a necessidade de bloquear recursos, já que será possível cancelar as despesas não executadas.
Na avaliação de técnicos do Congresso, porém, o cancelamento das emendas de relator não estaria garantido por meio deste decreto, uma vez que as dotações para o orçamento secreto estão previstas na Lei Orçamentária deste ano – ou seja, precisaria de uma alteração via projeto de lei.