Após dois meses consecutivos de queda, a inflação do Brasil é agora inferior às de alguns países desenvolvidos, incluindo os membros da zona do euro e o Reino Unido. Além disso, se aproximou do índice dos Estados Unidos.
O movimento ocorre em meio à deflação no Brasil, enquanto a Europa continua enfrentando os preços em alta e os Estados Unidos começam a ver sinais de queda de inflação, mas ainda lenta, indicando que o pico de preços já foi superado.
Ao CNN Brasil Business, especialistas afirmam que essa diferença no comportamento da inflação nesses países se deve a uma série de fatores. Considerando o Brasil, citam a condução do ciclo de alta de juros pelo Banco Central, queda no preço do petróleo e cortes de impostos.
Diferenças em 2022
Stephan Kautz, economista-chefe da EQI, vê uma melhora na situação inflacionária brasileira em relação aos Estados Unidos e à Europa. O continente, avalia, enfrenta atualmente um cenário oposto, de aceleração da inflação.
O quadro brasileiro seria inclusive mais positivo que o de outros vizinhos latino americanos, como a Argentina, o Chile e o México, que também veem suas inflações subirem.
Já na comparação com os Estados Unidos, “a melhora não é tão significativa. Lá, a inflação de núcleo e número cheio pelo IPC deram uma parada, o que dá melhora na margem”, explica.
O economista ainda vê um alívio da inflação brasileira concentrada em alguns grupos, como de bens duráveis e, especialmente, de combustíveis, barateados pelo novo teto de cobrança do ICMS e pela queda no preço do petróleo, permitindo reajustes pela Petrobras.
Kautz destaca que, desde julho, a inflação brasileira recuou cerca de dois pontos percentuais, enquanto a europeia avançou mais de quatro. Além da diferença nos números, há também dinâmicas inflacionárias diferentes.
“Pegando núcleo [que exclui itens como alimentos e energia], a comparação fica difícil. O nosso está em 10,4%, a deles está em 4,3%, mesmo acelerando está abaixo da nossa”, observa.
O dado, afirma o economista, mostra como a maior parte da inflação na Europa ainda está concentrada nos combustíveis e na energia, mais especificamente o gás natural, cujo preço disparou com a guerra na Ucrânia.
Diferente dos Estados Unidos, não ocorreram aumentos salariais significativos a ponto de aumentar a demanda e fazer os preços subirem. Esse quadro, porém, deve mudar quando forem negociados reajustes no fim do ano, o que indica que a inflação europeia ainda deve subir nos próximos meses.
Mesmo entre os países europeus, a dinâmica inflacionária tem sido diferente. A inflação do Reino Unido, por exemplo, é maior que a da zona do euro.
Kautz atribui o número a uma “matriz de consumo doméstico muito focada no gás, não russo, produzido internamente, mas negociado internacionalmente. Teve alta de preço forte, e subiu preço interno também”.
Ele avalia que, com a mudança de governo, pode ocorrer uma mudança no teto de reajuste de preço permitido, além de subsídios às famílias, o que abriria margem para uma queda rápida da inflação.
Esse quadro também simboliza o que Kautz afirma terem sido intervenções na Europa para aliviar os efeitos dos preços maiores de energia. No caso brasileiro, ele diz que a única intervenção feita foi na gasolina, e em quantidade menor que na Europa.
“Ter menos intervenções é bom, porque deixa a economia se ajustar, na medida que o preço sobe, consome menos. Importante que o sistema de preços esteja funcionando, ativo”, opina.
Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama, avalia que o Brasil tem tido “várias semanas de queda expressiva da inflação”, o que ajuda a criar um ambiente inflacionário melhor, mesmo com uma concentração dessa redução nos preços de combustíveis.
Além dos elementos ligados aos preços do petróleo, o economista cita como diferencial a atuação do Banco Central, que iniciou o ciclo de alta de juros mais cedo que a maioria dos países.
“O Banco Central fez uma alta significativa de juros, e estamos colhendo uma parte da vitória agora”, diz.
Ele lembra que o quadro de inflação é positivo mesmo desconsiderando os cortes do ICMS e combustíveis, já que o índice de difusão da inflação caiu de mais de 80% para perto de 60%, com recuo nos preços dos alimentos.
Já os bancos centrais dos Estados Unidos, o Federal Reserve, e da zona do euro, o Banco Central Europeu (BCE), demoraram a combater a inflação.
“Há um ano, o Fed discutia se a inflação era transitória, o juro estava baixo, agora precisam correr atrás diante de inflações altíssimas. É a maior inflação em 40 anos, e além disso a situação na Europa está muito grave em termos de energia, agora entra o inverno”, observa.
Na visão de Espírito Santo, os bancos centrais “deveriam ter agido muito antes. Se tivessem atuado como o nosso, provavelmente a inflação não estaria no patamar que está agora, e aí precisa correr atrás, e quanto mais espera, mais precisa correr para alcançar”.
Cenário nos próximos meses
Kautz avalia que a inflação brasileira já entrou em trajetória de desaceleração, mas que o ritmo de queda ainda está aquém do esperado pelo Banco Central, o que justificaria ter juros maiores por mais tempo.
Ele também acredita que os Estados Unidos chegaram a um pico inflacionário, com indicadores como de preços ao produtor e de importados em queda, um quadro que deve se refletir nos preços aos consumidores nos próximos meses.
“A inflação deve desacelerar, mas ainda não se sabe a velocidade. Por não saber essa velocidade, o Fed ainda vai continuar subindo juros até o início do ano que vem”, afirma.
Para a Europa, a perspectiva de que haja um novo impacto da inflação pela alta de preços de energia, ainda com problemas de fornecimento de gás natural e proximidade do inverno.
“Tudo isso pode levar a novas pressões altistas, e racionamento afeta a oferta, mas não desacelera a inflação. Mesmo que entre em recessão, a inflação vai ser mais rígida que nos Estados Unidos, onde a economia fraca acompanha a inflação desacelerando”, afirma.
Com isso, ele espera que ocorra, nos próximos meses, um quadro de descolamento entre duas das principais economias do mundo, pensando tanto em comportamento de inflação quanto de política monetária, com a zona do euro precisando subir juros por mais tempo que os Estados Unidos.
Para os próximos meses, Espírito Santo vê uma inflação brasileira mais controlada, com um Banco Central ainda vigilante, mas sinais de que “o pior já passou”.
“A inflação esse ano vai ser mais próxima de 6%, em 2023 mais próxima de 5% e pode até entrar no teto da meta. O cenário prospectivo é muito melhor que o dos Estados Unidos e especialmente da Europa”, avalia.
No caso dos Estados Unidos, ele espera que o Federal Reserve eleve os juros até um patamar acima de 4%, o que, para os padrões do país, é “uma pancada, alta forte, que vai desacelerar a economia norte-americana, mas talvez não traga um ambiente recessivo, pode não ser o pior dos mundos”.
Já a Europa tem uma situação “mais complicada”. “A inflação ainda via subir mais por conta dessa questão da energia e do atraso do BCE”, diz o economista, citando ainda problemas políticos na Alemanha, França, Itália e Reino Unido que dificultam a melhora do quadro.
Espírito Santo espera que a inflação brasileira termine 2022 abaixo tanto da dos Estados Unidos – mesmo com perspectiva de queda nos próximos meses -, quanto da zona do euro e do Reino Unido.