A carestia alimentar voltou a assombrar a população e estimula movimentos sociais. Fernando Gaiger, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), chamou a atenção para o ressurgimento em algumas cidades do movimento contra a carestia, dos anos 1970, que chegou a reunir 20 mil pessoas na Praça da Sé, em São Paulo, e levou abaixo-assinado com 1,3 milhão de assinaturas à Brasília, em plena ditadura militar. O mal-estar provocado pelo empobrecimento é o mais alto no Brasil em dez anos.
“A Campanha contra a Carestia começou em dezembro de 2021. As primeiras reuniões aconteceram na Zona Sul de São Paulo, perto de onde começou o movimento de 1973”, diz Antonio Pedro de Souza, coordenador da campanha na capital paulista e da Federação das Associações Comunitárias de São Paulo.
O movimento pede controle de preços de alimentos e combustíveis, reajuste salarial e fortalecimento da agricultura familiar, com o mote: “Abaixo a carestia que a panela tá vazia”. A campanha já está na Bahia, Rondônia e Rio Grande do Sul e tem mais de 80 entidades apoiando, inclusive todas as centrais sindicais.
A alimentação no domicílio, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), aumentou mais de 40%, de janeiro de 2020 a junho de 2022. A cesta básica medida pelo Dieese subiu de R$ 519,76 em fevereiro de 2020 para R$ 777,01 em junho deste ano, ficando 50% mais cara.
“O maior problema é a carestia, a economia voltou patinando. A desigualdade tem crescido, mas indicadores de pobreza estão crescendo mais, como mostram pesquisas de segurança alimentar. Não vemos uma situação como essa há muito tempo”, diz Gaiger.
Emprego e cesta básica
Ele lembra que, em outros momentos de inflação alta, como em 2003, os preços dos alimentos não subiram tanto. Em 2008, a renda subiu:
“A pobreza está aumentando a olhos vistos e não aumentaram o salário mínimo em termos reais.”
Rodrigo Afonso, diretor-executivo da Ação da Cidadania, diz que famílias que faziam doações hoje vão atrás dos alimentos oferecidos pela ONG. A pobreza parece se instalar como uma sina.
“Numa família que nasce em insegurança alimentar, que não tem como certas todas as refeições, vai ser difícil colocar as crianças na escola. Eles vão ajudar os pais a conseguir dinheiro fazendo algum trabalho, como pedir esmola no sinal. São gerações inteiras sendo perdidas”, diz.
Os R$ 600 que o governo pretende dar para as famílias mais pobres se conseguir passar no Congresso uma emenda constitucional que burla regras fiscais e eleitorais, aumenta em 50% o valor distribuído atualmente. Mas isso não deve ter o mesmo efeito de melhorar a situação das famílias, como aconteceu em 2020, com o auxílio emergencial do mesmo valor, segundo a Rede Brasileira de Renda Básica.
“Para se equiparar, o benefício teria que ser de R$ 727”, diz Paola Carvalho, diretora da Rede, considerando a inflação.