BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Depois de prometer declarar o fim da pandemia da Covid-19, tarefa que cabe apenas à OMS (Organização Mundial da Saúde), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, modulou o discurso e mira mudanças mais brandas.
A ideia inicial é reforçar a versão de que o governo venceu a crise sanitária, mas usar como marco a revogação de regras secundárias.
Um exemplo é a restrição para exportar medicamentos, oxigênio e outros itens de saúde. O ministro ainda quer recomendar o fim do uso de máscaras, medida já adotada por alguns governadores.
Uma ala da pasta defende ainda divulgar documento orientando dispensar a proteção em alguns casos, enquanto alguns auxiliares de Queiroga temem que a medida seja judicializada.
Em 3 de março, o presidente publicou uma foto ao lado de Queiroga e disse que o ministro “estuda rebaixar para endemia a situação da Covid-19 no Brasil”.
Na última semana, Bolsonaro reforçou a ideia. “Devemos, a partir do início do mês que vem, com a decisão do ministro da Saúde de colocar fim à pandemia, voltarmos à normalidade no Brasil”.
Técnicos do governo, porém, alertaram Queiroga de que não há ao alcance do ministro da Saúde um botão capaz de fazer essa mudança. Ele, então, mudou o discurso e passou a reconhecer que não vai acabar com a pandemia no Brasil, como havia prometido.
Queiroga consegue apenas encerrar a Espin (Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional), reconhecida em fevereiro de 2020. Este seria o principal caminho para esvaziar as restrições contra a Covid.
“Às vezes as pessoas confundem em transformar pandemia em endemia. Não é prerrogativa do ministro”, disse Queiroga no último dia 17. “O que o ministro faz é, dentro da lei, estabelecer a emergência sanitária de importância nacional, em conformidade com o regulamento sanitário internacional”, afirmou ainda.
Mas o ministro também foi alertado de que revogar a Espin tem custo alto, porque é este status que dá lastro ao aval ao uso emergencial de vacinas, compras sem licitação e outras regras ligadas à pandemia.
Agora o ministro e sua equipe buscam uma forma de equilibrar a vontade do presidente Bolsonaro de celebrar uma mudança no cenário da Covid-19 com o risco de mexer em regras sensíveis ao combate à pandemia.
A ideia de momento é entregar algum tipo de “revogaço” de normas, ainda que de baixo impacto, para alimentar o discurso do presidente, além de divulgar documento desestimulando o uso de máscaras. Este papel, porém, não teria o poder de obrigar gestores públicos a derrubarem os decretos sobre os cuidados com a pandemia.
Auxiliares do ministro dizem que as mudanças devem ser graduais e que a discussão sobre encerrar a emergência sanitária deve se estender por abril.
As propostas de técnicos da Saúde ainda devem passar pelo crivo de Queiroga e do presidente Bolsonaro, que desde o começo da crise minimiza o impacto da Covid e defende o fim das restrições contra a doença.
Rosana Leite de Melo, secretária da Secovid (Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19), disse à Folha que ainda será entregue a Queiroga um documento que deve servir de base para a decisão do governo sobre encerrar ou não a emergência sanitária.
A secretária defende que sejam considerados dados epidemiológicos, da rede de assistência do SUS e sobre quais normas serão atingidas antes de terminar com o status de emergência sanitária.
Os técnicos da Saúde devem propor, por exemplo, só permitir a flexibilização das restrições quando 80% da população acima de 5 anos apresentar o ciclo vacinal primário completo (as duas doses, na maioria dos modelos de vacina), além de observar dados sobre a transmissão da doença e avanço das variantes.
O ministério também quer garantir um número mínimo de leitos de UTI dentro de hospitais para afrouxar as regras da pandemia.
A equipe de Queiroga avalia que cerca de 170 regras podem ser impactadas com o fim da emergência. Entre as mais sensíveis está a autorização de uso emergencial de vacinas.
“Como todas as outras normas vieram em consequência da Espin, tem que ser analisada juridicamente. Estamos analisando se há possibilidade de criar dispositivos ao decretar o fim da emergência que não prejudiquem a população brasileira”, disse a secretária Rosana.
O governo também analisa o cenário da Covid-19 em outros países. Nos últimos dias, a China e alguns locais da Europa registraram aumento de casos.
A secretária também afirmou que algumas medidas, como recomendar o fim do uso das máscaras, não dependem do término da emergência sanitária. A expectativa é de que flexibilizações mais brandas sejam propostas nos próximos dias.
Rodrigo Cruz, secretário-executivo do Ministério da Saúde, disse que há muitas implicações na decretação do fim da emergência sanitária. Por isso, é importante ter segurança para tomar a decisão.
“A gente tem feito várias conversas com diversos órgãos e a gente entende que algumas flexibilizações podem ser feitas […] algumas políticas públicas que precisaram ser aceleradas em função do cenário pandêmico se justificam continuar porque tiveram experiências exitosas na nossa avaliação, disse Cruz na 3ª Reunião Ordinária da Comissão Intergestores Tripartite.
De forma geral, a mudança de pandemia para endemia ocorre quando a doença deixa de ser uma situação de emergência sanitária global e passa a apresentar número estável, mesmo que alto, de casos e morte em um local determinado.
Nas últimas semanas, Queiroga apresentou o cenário da pandemia e um esboço das flexibilizações aos presidentes de Poderes.
Técnicos da Saúde também foram à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e devem se reunir com representantes do TCU (Tribunal de Contas da União) para tratar do mesmo tema.
Na segunda-feira (21), representantes de diversos ministérios se reuniram no Palácio do Planalto para planejar a flexibilização de algumas regras da pandemia. Cada área saiu da reunião com a tarefa de avaliar quais medidas conseguem revogar sem causar grande transtorno.