A notícia da última quinta-feira (10) de um novo e agressivo reajuste no preço dos combustíveis caiu como uma bomba nos grupos de conversas de motoristas de aplicativo.
O sentimento é que ficará ainda mais difícil trazer rentabilidade ao trabalho, e alguns voltaram a pensar em desistir e procurar outro emprego. Quem fica, promete selecionar ainda mais as corridas que tragam retorno.
“O certo é, o mais rápido possível, seguir outra fonte de renda. App já deu, já foi bom”, diz um dos motoristas.
Além de lamentar o novo aperto, muitos compartilham onde estão abastecendo e os preços encontrados. Apesar do reajuste ter entrado em vigor na sexta-feira, nas refinarias, são inúmeros relatos de postos de gasolina que aproveitaram a notícia para subir os valores nas bombas mesmo antes de receberem combustíveis com os novos preços.
“Desse jeito, vamos ter que vender o carro para comprar gasolina. App já não está compensando, principalmente para quem paga aluguel [do automóvel]. Hoje a desculpa é a guerra, cada dia é uma desculpa”, diz a mensagem de outro motorista.
Prints das conversas de motoristas de aplicativos mostram desânimo com aumento do preço dos combustíveis — Foto: Arte g1
O g1 acompanha a situação dos motoristas desde julho de 2021, quando houve o primeiro repique de preços da gasolina e etanol. Foi ali que usuários das principais plataformas começaram a perceber a prática de cancelamento constante de corridas por parte dos motoristas, que buscavam viagens mais rentáveis.
Segundo os profissionais, o combustível representa de 40% a 50% dos custos fixos dos motoristas, que ainda sofrem descontos da taxa paga aos apps, que varia de 20% a 40% a cada corrida. Alguns, que alugam o carro para trabalhar, precisam pagar prestações mensais.
Desde o início, o pleito da categoria era de que as empresas baixassem o percentual da taxa, para que a margem aumentasse. No início de setembro, os aplicativos de transportes Uber e 99 anunciaram aumento dos valores repassados para os motoristas, mas a situação não chegou a se normalizar.
No fim daquele mês, a Uber decidiu excluir motoristas da plataforma pelos cancelamentos constantes. A empresa diz que foram 1,6 mil profissionais retirados da plataforma.
Francisco Peixoto Neto foi excluído da plataforma em setembro; ele continua trabalhando com a 99 — Foto: Arte/G1/Arquivo pessoal
Francisco Peixoto Neto foi um dos excluídos, mas segue trabalhando pela 99. Ele diz que a nova alta deve trazer de volta a prática de recusar corridas, em especial as mais curtas – que os motoristas chamam de “pescoço”.
“A gente quer saber o que as plataformas vão fazer. Se for para excluir os motoristas, vão acabar excluindo todo mundo”, diz Peixoto.
Para Rosemar Pereira, mais um aumento deve trazer novo abalo para a categoria. Já desconfortável com o aumento dos combustíveis, ele trocou de carro no fim de 2021 para um modelo movido a GNV.
“Fiz esse investimento quando o movimento parecia melhorar, agora já não sei se vou me arrepender. Só esse aumento já deve tirar 10% da renda que faço no trabalho”, afirma.
Com alta dos combustíveis, Rosemar Pereira comprou carro novo para mudar para o GNV — Foto: Arquivo pessoal
Segundo Eduardo Lima de Souza, presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativo de São Paulo (Amasp), a entidade pediu reunião com as plataformas para discutir a questão de reajuste de tarifa.
“Antes desse aumento, o motorista já trabalhava de forma estrangulada. Desde 2019 é preciso trabalhar 12h para fazer o rendimento”, afirma Souza.
O que dizem as empresas?
O g1 procurou a 99 e Uber para saber se as plataformas pretendiam atender à principal reclamação da categoria, que é a redução da taxa sobre as corridas.
A 99 diz que está “extremamente atenta à situação do país” e criou programas específicos para reduzir o impacto da crise econômica e dos reajustes dos combustíveis. A empresa anunciou no fim da tarde de sexta-feira que vai reajustar em 5% o quilômetro rodado no ganho do motorista de todo o país.
“Este acréscimo será implementado já nos próximos dias, em todas as 1.600 cidades onde a empresa opera no País. Sabemos que cada km conta”, diz o comunicado.
“Paralelamente, a plataforma está testando uma solução de subsídio para acompanhar automaticamente as flutuações dos combustíveis, tanto para cima quanto para baixo. Após os testes, o novo recurso teria o potencial de trazer ainda mais transparência e segurança aos parceiros”, segue o texto.
A Uber afirmou que vai elevar em 6,5% o valor das corridas de forma temporária. “O aumento também visa a ajudar os motoristas a lidar com o pico de alta em seus custos operacionais. Como sempre, os usuários poderão conferir no app as modalidades disponíveis e o preço exato antes de pedir uma viagem”, diz nota da empresa.
O aplicativo promete investir R$ 100 milhões no Brasil nas próximas semanas em iniciativas “voltadas ao aumento nos ganhos e redução dos custos dos parceiros”. A companhia não descreveu quais serão as iniciativas.