A tragédia de Petrópolis matou pelo menos 223 pessoas até ontem e também destruiu sonhos, separou famílias e deixou órfãos. O número exato de crianças e jovens que perderam os pais ainda é incerto, mas histórias de filhos sem pais e netos sem avós se multiplicam a cada dia.
Mãe de seis filhos, avó de 14 netos e bisavó de cinco meninos e meninas, a costureira aposentada Helena Rute, de 77 anos, nutria um carinho especial pelos bisnetos, entre eles a pequena Maria Cecília, de 2, e Júlia, de 9, com quem costumava dormir. A costureira, que saiu de Cataguases, na Zona da Mata de Minas Gerais, aos 12 , tinha medo de ficar sozinha durante os temporais em Petrópolis.
Na chuva que atingiu a cidade no último dia 15, Helena resolveu sair de casa, no Morro da Oficina, para rezar na casa de uma vizinha, numa rua distante poucos metros do seu endereço. Minutos depois, uma avalanche de lama, água e pedras derrubou o imóvel de três andares, onde Helena e a amiga faziam orações ao lado de pelo menos outras quatro pessoas. Todos foram soterrados e mortos.
O corpo de Helena foi encontrado por um dos seus filhos na última terça-feira, enquanto ele ajudava os bombeiros a escavar o local. A casa da costureira não chegou a ser destruída pelo temporal. Ela morava ao lado de dois filhos. Durante o temporal, eles ficaram retidos pela água que alagou as ruas do município. E, ao voltar do trabalho, não conseguiram chegar ao morro.
Para Leonardo Pereira, de 33, neto da aposentada, o encontro do corpo da avó trouxe para família um misto de alívio e tristeza .
— A gente queria encontrar o corpo para dar um enterro digno a minha avó. Era desejo dela um sepultamento numa gaveta ou num túmulo. Em vida, ela dizia que não queria ser enterrada no chão. Agora, vamos tentar realizar o desejo dela — diz ele. — Passamos uma semana nos revezando à procura dela. Maria Cecília era muito agarrada com a bisavó e chora muito desde que tudo aconteceu. Ela ainda não entende direito o que ocorreu, mas vive perguntado pela bisavó. Eu fico sem saber o que falar.
A última conversa
Morador da Vila Felipe, o aposentado José Rodrigues Fontes, de 78, era pai de quatro filhos, avô de seis netos, e bisavô de dois bisnetos. Na última conversa com a filha Ana Rodrigues Fontes, de 28, ele tentou acalmá-la, quando a família saiu da casa em que estava, antes de a residência ser derrubada pela força da água.
Um estalo de pedras caindo foi o sinal para que os moradores deixassem o local rapidamente. José e a esposa, Maria Helena Rodrigues, de 59, além de dois filhos, um neto e uma nora do aposentado, chegaram a se abrigar na casa de um vizinho, que morava em uma rua próxima, na Vila Felipe. Cerca de uma hora depois que o temporal o começou, o imóvel também foi atingido pela avalanche de lama, água e terra e acabou desabando.
José e a mulher foram soterrados. Ela foi resgatada dos escombros e está internada em um hospital, sem saber da morte do marido. O restante da família conseguiu correr e escapar do desabamento. Ana Rodrigues Fontes diz que, apesar de o corpo do pai ter sido encontrado, o momento da família ainda é de desespero:
— Lembro da na nossa última conversa, em meio ao temporal. Meu pai ainda tentou me tranquilizar, dizendo que não tinha perigo. Não sei direito como a gente se sente com o encontro do corpo do meu pai. Só digo que é desesperador. É o desespero de ter perdido o pai e estar com a mãe internada em um hospital.
A pequena Beatriz, de 1 ano e meio, filha de Ana Fontes, era muito ligada ao aposentado. Segundo a família, a criança está traumatizada e tem tido pesadelos desde que o temporal tirou a vida do avô.
— Minha filha está traumatizada e corre se ouve algum barulho. Também tem tido pesadelos e acorda sempre chorando. Ela era um grude com o avô. Queria ficar com ele o dia inteiro. Não tem ideia do que aconteceu e tem chamado pelo avô. Eu fico sem saber o que dizer — angustia-se Ana.
Os corpos de José Rodrigues Fontes e Helena Rute foram sepultados, na quarta-feira passada, no Cemitério Municipal de Petrópolis. No mesmo dia, outros 11 enterros de vítimas da chuva ocorreram no local. Segundo a prefeitura da cidade, até a última quinta-feira 182 mortos no temporal foram sepultados no mesmo cemitério.
Pai, mãe, avós e primo
Júlia Gomes, de 18 anos, perdeu o pai, a mãe (que estava grávida), um primo e duas avós em um desabamento na Vila Felipe. Ela usou as redes sociais, no último dia 20, para fazer um relato emocionado sobre a perda dos parentes .
Na postagem, ela agradeceu as palavras de apoio que recebeu e homenageou cada um da família que se foi. “Jaqueline, minha mãe, meu alicerce, minha melhor amiga, minha razão de viver… Você me mostrava todos os dias o quão lindo e forte é o amor de uma mãe por um filho, através de abraços, beijos, carinhos e risadas (pois segundo você, eu sou uma palhaça, e que sua vida sem mim, seria sem graça). Obrigada por me ensinar a ser gentil, ser solidária e ajudar a todas as pessoas que eu pudesse sem olhar a quem. Você era maravilhosa e carregava em seu ventre meu irmão (a)! Só eu sei o tanto que você estava feliz…”, escreveu em um trecho da postagem, ao se referir à mãe Jaqueline Nascimento da Silva Gomes, uma das vítimas que perdeu a vida no desabamento que atingiu a família.
“Todos esses 5 eram minha vida inteira”, escreveu Júlia em seu perfil nas redes sociais, pedindo forças. “Venho agradecer o carinho de todos e homenagear cada um dos meus, que foi levado por Deus para viver a vida eterna”.