Após adiar por dois meses o julgamento, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu nesta terça-feira (15) o primeiro aval ao processo de privatização da Eletrobras – o que permite ao governo dar continuidade às etapas necessárias para realizar a operação. Foram seis votos a favor e um voto contra.
Nessa primeira etapa, os ministros analisaram os valores envolvidos na operação, como o bônus de outorga que a Eletrobras privatizada deverá pagar à União pela renovação dos contratos das 22 usinas hidrelétricas da empresa.
Na segunda etapa, prevista para março, os ministros vão se debruçar sobre o modelo de venda proposto pela União (saiba mais ao fim da matéria).
No total, o governo avaliou que a Eletrobras privatizada deverá pagar R$ 67 bilhões, divididos da seguinte forma:
- R$ 25,3 bilhões para a União (Tesouro Nacional);
- R$ 32 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético, com vistas a atenuar eventual aumento de tarifa ao longo dos anos e subsidiar políticas setoriais; e
- R$ 9,7 bilhões em obrigações de investimento para recuperação de bacias hidrográficas.
Inicialmente, o governo havia estimado o valor em R$ 62,5 bilhões, mas aumentou no fim de dezembro para R$ 67 bilhões após considerações apontadas pelo relator do processo no TCU, ministro Aroldo Cedraz.
Pelas estimativas do ministro revisor, Vital do Rêgo, o valor deveria saltar para R$ 130 bilhões – praticamente o dobro.
A primeira etapa do processo de privatização havia sido discutida pelo plenário do TCU em 15 de dezembro, mas houve pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Vital do Rêgo.
Voto revisor
Nesta quarta, o ministro Vital do Rêgo votou por não dar aval à privatização da forma encaminhada pelo governo. Ele votou por determinar o recálculo do valor a ser pago pela Eletrobras privatizada à União e à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Segundo Rêgo, o valor foi subestimado porque não foi levado em conta a potência total das hidrelétricas, ou seja, todo o potencial futuro de geração de energia das usinas, além de outros aspectos.
Somente a inclusão do fator potência no cálculo, segundo as estimativas do ministro, aumentaria o valor da outorga em R$ 46 bilhões.
Levando em conta os demais erros apontados, o valor total da operação chegaria a R$ 130,4 bilhões, segundo o ministro, praticamente o dobro dos R$ 67 bilhões propostos pelo governo.
“Como vamos permitir que esse processo seja sequenciado com valor de outorga de 25 bilhões [de reais] para o Tesouro e 32 bilhões [de reais] para a CDE, que vai direto para o bolso do trabalhador, quando nós aqui poderíamos estar lutando para convencer as autoridades de que o valor devido não é esse, é de 57 bilhões [de reais] para o Tesouro e 63 [bilhões de reais] da CDE!? CDE é igual à amortização tarifária, diminuir o preço da conta [de luz]”, afirmou Rêgo.
O governo contesta os valores apresentados por Rêgo.
O Ministério de Minas e Energia (MME) argumentou, em nota divulgada antes do julgamento, que não existe no Brasil o mercado de potência, já que o setor elétrico nacional trabalha com a geração média das usinas, pois as hidrelétricas são fontes intermitentes. Por isso, o ministério diz que não há parâmetros técnicos para inclusão da potência no cálculo.
Decisão
O ministro Benjamin Zymler sugeriu um meio termo ao plenário. Ao invés de o TCU determinar o recálculo, o que poderia inviabilizar a privatização em 2022, ele propôs recomendar ao governo inserir uma cláusula nos contratos das usinas da Eletrobras para garantir à União e à Conta de Desenvolvimento Energético direito à parcela de receita de uma eventual venda futura de potência das usinas.
O relator, ministro Aroldo Cedraz, acolheu a sugestão de Zymler. O voto do relator, que já tinha sido proferido em dezembro favorável à continuidade do processo de privatização, foi acompanhado pelos demais ministros da Corte.
O governo tinha pressa pelo primeiro aval do TCU, porque será realizada na próxima semana assembleia de acionistas da estatal para deliberar sobre a privatização. O governo acredita que o primeiro sinal verde do tribunal será fundamental para angariar o aval também dos acionistas.
Além disso, o governo quer fazer a privatização até maio, porque avalia que, após essa data, não seria aconselhável devido às oscilações do mercado diante da proximidade das eleições.
Pelo regimento interno do tribunal, Rêgo teria até 60 dias, contados da volta do recesso, para trazer de volta o processo ao plenário – ou seja, até meados de março.
O ministro Jorge Oliveira, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, solicitou que o prazo fosse antecipado para não prejudicar o cronograma de venda da estatal.
A privatização
A medida provisória que autorizou a privatização da Eletrobras foi aprovada pelo Congresso em junho do ano passado. O governo pretende transformar a Eletrobras numa “corporation”, ou seja, numa empresa privada sem controlador definido. Modelo semelhante foi adotado na privatização da Embraer.
Para isso, será feita uma capitalização, ou seja, uma oferta primária de ações da Eletrobras na bolsa de valores, de modo que a União deixe de ter cerca de 70% do capital votante e passe a ter em torno de 45%. Dessa forma, a União perde a posição de acionista majoritária.
Apesar de a União manter uma posição ainda relevante na companhia, o modelo de desestatização prevê que nenhum acionista poderá votar com mais de 10% do seu capital. O objetivo é justamente pulverizar o capital para que a empresa não tenha controlador definido.
A Eletronuclear e a Itaipu Binacional não serão privatizadas. A União criou a ENBPar, estatal que ficará responsável por esses dois ativos. O processo de reorganização societária ainda está em andamento.
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