Há menos de um ano, Thaysla Godoi acordava sentindo o cheirinho do café pela casa. Era Vinícius Lins, seu noivo, que acordava mais cedo e preparava tudo, porque sabia que ela gostava muito de dormir e acordar um pouco mais tarde. Na mesa tinha tapioca, sanduíche ou até mesmo seu prato preferido, cartola. Hoje, 30 de janeiro, dia da saudade, Thaysla lida com a perda precoce do noivo de 36 anos, que morreu em abril de 2021 por Covid-19. “Resta hoje, além da saudade e da dor, uma Thaysla mais triste e rígida”, desabafa.
Apegada aos detalhes, Thaysla é traída pela saudade”A memória o traz a todo momento”, diz. Ela lembra de Vinícius do despertar ao anoitecer, quando começa a se aproximar a hora de dormir. “Ficávamos conversando por hora e horas, depois de relatar detalhamente o nosso dia e fofocar um pouco (risos)… Até pegar no sono. Sempre com a luz do banheiro acesa e o rádio ligado bem baixinho”.
Fazia uma semana que Vinícius estava com a Covid-19 quando morreu. Com a antecipação dos feriados na Paraíba, no início de 2021, ele viajou com a família para um sítio na cidade de Pedra Branca. Durante a viagem, já estava com tosse e cansaço.
Dias após a viagem, outros sintomas apareceram e o teste de Covid deu positivo. Ele chegou a ir para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de João Pessoa, onde ficou em observação. No dia seguinte, que era um sábado, o cunhado Paulo Neto foi até a unidade de saúde e o encontrou com uma máscara de oxigênio. Vinícius se emocionou, mas não conseguia falar por causa da tosse. À tarde, Paulo chegou a enviar uma mensagem ao cunhado, mas não teve mais resposta.
No mesmo dia, ele foi transferido para a UTI de um hospital, mas não resistiu. “Fui a última pessoa a vê-lo já intubado, mas com vida. Voltei pra casa, conversei com minha esposa e mandei ela se preparar. Por volta de meia-noite, recebi uma mensagem da sogra dele escrevendo: ‘Vinícius partiu’”, conta Paul.Dia a dia de aceitação
Thaysla luta diariamente para superar o espaço que Vinícius deixou pela casa e na vida dela. A mente ainda luta sem querer enxergar a realidade da perda. “Vivo em um processo de repressão na maior parte do tempo. Uma parte grande de mim se foi junto com ele. A mais feliz”, lamenta.
O casal se conheceu em 2010, quando Thaysla foi aluna de Vinícius. Anos depois, viraram colegas de profissão na mesma escola e começaram a namorar. Na semana em que Vinícius morreu, o relacionamento tinha completado dois anos.
Vinícius morreu em abril de 2021. Foi o segundo mês com o maior número de mortes naquele ano e o terceiro com o maior número de casos. Além de Vinícius, outras 1.051 pessoas também foram vítimas da doença. Mais de 33 mil casos foram confirmados em abril
Cada um dos 1.052 óbitos deixa uma história. Uma vida a ser continuada. Uma rotina pela metade. Um trabalho que não terminou. Um café que acabou esfriando. Vinícius deixou um casamento marcado, um doutorado em andamento e uma vida de sonhos ainda muito grande pela frente. Os amigos dizem que era apaixonado por realizar sonhos. Os deles e os dos outros.
Última foto de Vinícius com Thaysla — Foto: Thaysla Godoy/Arquivo Pessoal
Viver com a saudade
Tudo mudou na vida de Thaysla. “Nada é como antes. Precisei lembrar como era viver no dia a dia sem ele e me adaptar com a ausência e a dor, alí, tão presente. Também tive que reaprender a olhar para o futuro, agora sozinha. E foi um processo difícil de aceitar. Ser sozinha não me assusta, mas me dói ter que continuar vivendo sem ele e parece injusto”, desabafa.
É do companheirismo que mais sente saudade, da forte relação de amizade que os dois nutriam, do dia a dia, da rotina, das pequenas coisas.
Para continuar seguindo sem o noivo, Thaysla tenta pensar na boa convivência que teve com Vinícius e do que ficou depois da partida.
“Lido aceitando o fato de que foi um privilégio tudo que pude viver com ele. Que meu amor teve o feliz para sempre dele e foi ao meu lado. Lido tendo convicção do quão feliz e realizado ele foi nos anos que passanos juntos e o quanto isso era nítido à percepção de todos a sua volta. Lido sem ter arrependimentos, fui minha melhor versão para ele e ele para mim. Lido tendo consciência que foi um privilégio tê-lo encontrado neste universo”, declara.
Familiares e amigos dizem que Vinícius era um homem intenso, inteligente e amigo — Foto: Vinícius Lins/Arquivo Pessoal