BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) — O Ministério da Economia conseguiu quitar metade das dívidas acumuladas pelo governo brasileiro com organismos internacionais, graças a um remanejamento de recursos feito no apagar das luzes de 2021.
Os pagamentos, que totalizam R$ 3,64 bilhões, se deram dias antes de o Brasil assumir um assento como membro não permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, no último sábado (1º) – a posse foi nesta terça (4). A ONU era um dos organismos em que o Brasil corria o risco de perder direito a voto por causa do calote nas contribuições.
A falta de pagamento já constrangeu o país e arranhou sua imagem no exterior. Antes do repasse, a dívida acumulada era da ordem de R$ 7,8 bilhões, segundo fontes da área econômica.
Nesta terça, o Ministério das Relações Exteriores enviou ofício à Economia para agradecer o “pronto desembolso” dos recursos.
“Os pagamentos efetuados na última semana de 2021 evitaram perda de voto em diversos organismos internacionais, de que é exemplo mais notório a Organização das Nações Unidas, em cujo Conselho de Segurança o Brasil acaba de voltar a ocupar assento”, diz o documento, assinado pelo secretário-geral substituto, Paulino Franco de Carvalho Neto, e obtido pelo jornal Folha de S.Paulo.
“O país também manterá sua plena atuação na Organização Mundial do Comércio (OMC), na Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ), entre outros.”
O dinheiro foi liberado por meio de uma portaria da Secretaria Especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, publicada em edição extra do Diário Oficial da União em 21 de dezembro.
Apenas à ONU, o governo pagou R$ 394,8 milhões. Outros R$ 2,794 bilhões foram destinados à integralização de cotas em instituições como o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento, conhecido como banco do Brics), atualmente presidido por um brasileiro, o ex-secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais Marcos Troyjo.
Também houve repasse de contribuições ao TPI (Tribunal Penal Internacional), ao Mercosul e à OEA (Organização dos Estados Americanos).
O espaço para o remanejamento de gastos foi apontado pelo Ministério da Economia em um relatório extemporâneo de avaliação de receitas e despesas do Orçamento, publicado sem alarde em 20 de dezembro. O documento indicou a possibilidade de elevar despesas discricionárias em R$ 4,4 bilhões.
Técnicos explicaram à reportagem que o espaço fiscal surgiu porque o governo recebeu autorização do Congresso para bancar despesas retroativas do auxílio emergencial pago a famílias chefiadas por pais solteiros com recursos de crédito extraordinário. Esse tipo de valor fica fora do teto de gastos – regra que limita o avanço das despesas à inflação.
Com isso, R$ 3,74 bilhões que sobraram do Bolsa Família – benefício social que deixou de ser pago a algumas famílias em boa parte de 2021, para ser substituído pelo auxílio emergencial, mais vantajoso financeiramente – puderam ser direcionados a outras despesas. Entre elas, as contribuições a organismos internacionais.
Em algumas situações, o repasse de uma dotação a outra requer autorização do Congresso. No entanto, em setembro de 2021, os parlamentares avalizaram uma mudança na Lei Orçamentária Anual que deu maior flexibilidade ao Poder Executivo.
Pelo texto, o Ministério da Economia poderia fazer, por conta própria, a ampliação de dotações de despesas discricionárias (que incluem custeio e investimentos), desde que fossem efetuadas após o último relatório programado do Orçamento, publicado em 22 de novembro. Outra condição era que as portarias de abertura dos novos créditos fossem editadas até 31 de dezembro de 2021.
A aprovação desse dispositivo foi considerada uma vitória pela pasta, após o Congresso ter, no fim de 2020, desviado boa parte dos recursos destinados à regularização de dívidas com organismos internacionais para turbinar obras em redutos eleitorais de parlamentares.
À época, a articulação foi comandada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, chefiado por Rogério Marinho (PL), desafeto do titular da Economia, Paulo Guedes. O remanejamento acabou colocando o Brasil em uma situação diplomática embaraçosa, já que o país quase perdeu o direito a voto na ONU e ficou inadimplente com o NDB.
A estratégia adotada neste ano deu ao governo maior liberdade para reduzir o passivo bilionário com essas instituições. O tema já havia sido inclusive alvo de alertas do TCU (Tribunal de Contas da União), pois o governo assumiria despesas sem que elas estivessem previstas no Orçamento, violando a Constituição.
Apesar do alívio, a situação das dívidas com organismos internacionais ainda preocupa, pois nem todo o passivo foi regularizado.
No ofício enviado à Economia, o Itamaraty alerta, por exemplo, que a variação na cotação de moedas estrangeiras inviabilizou o pagamento integral de dívidas com a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) e com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Apesar de quitar parte das pendências, há ainda dívidas remanescentes com instituições como o NDB.
Nesses organismos, portanto, o Brasil ainda está sob ameaça de perder o direito a voto.
Além disso, o Congresso promoveu cortes significativos nas dotações previstas para esse segmento no Orçamento de 2022. Segundo técnicos ouvidos pela reportagem, o valor deixado pelos parlamentares não é suficiente nem sequer para honrar as contribuições previstas para o ano – indicando o risco de novo aumento da dívida.
Uma medida adotada para tentar mitigar o peso dessas contribuições foi a redução da participação do Brasil no orçamento regular da ONU, que passará dos atuais 2,948% para 2,013% no período de 2022 a 2024, segundo o ofício do MRE.
Procurado, o Ministério da Economia afirmou, por meio da Secretaria de Assuntos Internacionais, que não poderia detalhar os dados.
“Em vista do término da execução orçamentária referente a pagamentos a organismos internacionais ter-se dado em 31 de dezembro de 2021, os dados solicitados ainda não foram processados”, diz a nota.
Segundo a pasta, o país ainda espera confirmação de recebimento dos repasses por parte dos organismos internacionais. A expectativa é divulgar as informações a partir de 10 de janeiro.
O Itamaraty não respondeu até a publicação desta reportagem.