RIO — A ideia de passar a lua de mel na Cidade do Cabo, na África do Sul, fazia parte dos planos do músico Victor Rodrigues Dias há mais de um ano, quando começou a planejar o casamento com a esposa. Um ano depois, o casal de mineiros, residentes de Belo Horizonte, conseguiu realizar o sonho de conhecer o destino sul-africano, mas a recente descoberta da nova variante do coronavírus, a Ômicron, transformou os últimos dias de viagem em uma experiência desgastante e com ares de incerteza.
O voo de volta ao Brasil estava agendado para o dia 1° de dezembro, pela Qatar Airways, por intermédio de uma agência de viagens, conta Victor. No entanto, com a notícia da variante, desde segunda-feira todos os voos que partem do país com destino ao Brasil foram cancelados. Por causa disso, o casal está sem perspectiva de retorno para a casa. Victor diz que chegou a entrar em contato inúmeras vezes com as empresas envolvidas e com as autoridades oficiais, mas nada foi resolvido até o momento.
— A gente está muito à deriva esperando uma resposta do consulado, sem saber o que fazer — desabafa o músico. — Até agora, a situação é essa, um ponto de interrogação sobre todos os aspectos: estadia, quanto vamos gastar, quando vamos voltar. Não se sabe nada.
A decisão do governo federal de fechar a fronteira aérea tem base no parecer da Anvisa e se estende, a princípio, para a Botsuana, Eswatini, Lesoto, Zimbábue e Namíbia, publicada no último sábado. Além do Brasil, ao menos 19 países e/ou territórios já anunciaram restrições a voos vindos de nações africanas por conta da variante.
Também chamada de B.1.1529, a Ômicron foi identificada pela primeira vez na África do Sul. Foi exatamente um dia após a chegada do casal no país que a nova cepa foi reportada à Organização Mundial da Saúde (OMS), na última quarta-feira. Também foi na semana passada que a OMS a classificou como variante de preocupação, devido à alta concentração de mutações — um total de 50, sendo 30 apenas na proteína S (spike), “chave” que o vírus usa para infectar as células e alvo da maioria das vacinas contra a Covid-19.
A descoberta da variante acendeu um alerta mundial por ser potencialmente mais contagiosa do que as cepas anteriores, embora especialistas ainda não tenham como afirmar com certeza quais os danos reais que ela pode causar ao organismo e como ela responde às vacinas.
Apesar da falta de dados sobre a transmissibilidade e letalidade da Ômicron, o casal conta que sentiu medo quando as primeiras notícias sobre a variante foram divulgadas. No entanto, a maior preocupação dos recém-casados é a financeira.
A incerteza da volta causou pânico no casal, que não sabe como vai arcar com os gastos não planejados com a viagem. O músico e professor de 34 anos conta que já até cogitou a possibilidade de comprar equipamentos para tentar dar aula on-line enquanto precisar permanecer no país, como forma de ganhar dinheiro para se manter por lá até uma solução ser encontrada. Além disso, a barreira linguística também se tornou um empecilho para o casal.
— É um sentimento de abandono, medo e insegurança. São várias coisas que vão passando pela nossa cabeça e que viram um turbilhão — acrescentou a esposa, que preferiu não ter o nome divulgado pela reportagem.
O continente africano só vacinou 6,6% de toda a população de 1,2 bilhão de habitantes, segundo o chefe dos Centros Africanos para Controle e Prevenção de Doenças (CDC da África), John Nkengasong. Na África do Sul, marco zero da Ômicron, a taxa de vacinação também é baixa: apenas 23,5% da população já completaram o ciclo vacinal, de acordo com dados do Our World in Data, projeto vinculado à Universidade de Oxford.
Em toda a África, as autoridades realizam com sucesso campanhas rotineiras de vacinação em massa contra doenças como o sarampo. Entretanto, muitos países tiveram dificuldades no início do ano quando as doses de Covid-19 chegaram, citando a falta de financiamento, treinamento e armazenamento refrigerado.