A frase de Bruno Henrique em 2019 viralizou porque, em duas palavras, simbolizou perfeitamente o que era aquele Flamengo. Um clube com faturamento, investimento e estrutura de alto nível, que traduziu tudo isso em campo com um elenco de primeira linha e um futebol que parecia alienígena ao que se acostumou ver no Brasil.
Mais do que os títulos, o Flamengo de 2019 mostrou que era possível ser vencedor jogando bem, sendo dominante. Quebrou paradigmas e abandonou vícios do futebol brasileiro.
Dois anos depois, o Flamengo segue fortíssimo, está na final da Libertadores e ainda tem uma pequena chance no Campeonato Brasileiro. Mas não é mais possível dizer que seu time joga um futebol de outro patamar. Pior: está nivelado por baixo e usa dos mesmos artifícios dos adversários.
O empate com o Athletico não é um caso isolado, mas confirma uma imagem que vinha se apresentando há alguns jogos, de um time pragmático e que muitas vezes abdica do protagonismo. Com frequência as vitórias faziam com que este retrato fosse momentaneamente ignorado. Afinal, o resultado ainda prevalece perante o rendimento.
Olhando assim, um empate com o Athletico na Arena da Baixada está longe de ser um desastre. Mas, ao se analisar o desempenho e a postura do time, além das escolhas de Renato, há espaço para questionamento.
O Flamengo terminou o jogo contra o Athletico com três zagueiros, três volantes, um atacante e um lateral improvisado na ponta – uma manobra tática costumeira para dar força na marcação. Não adiantou nada: o gol do empate do Furacão veio nos acréscimos. Cruel, mas justo – apesar da interferência decisiva do VAR ao anular a expulsão de Kayzer.
Até o gol de Bissoli, o torcedor do Flamengo assistiu a um time completamente acuado no segundo tempo. Uma equipe com dificuldade para passar do meio-campo e que sequer marcava bem. Um sufoco parecido com os tempos de vacas magras no Ninho do Urubu.
Nem mesmo o primeiro tempo foi animador. Em que pese a vantagem construída com 30 minutos em dois gols de Gabigol, o Flamengo nunca teve o controle da partida. Fazia um jogo aberto, tinha espaços para atacar e os aproveitou. Mas esteve longe de ser dominante – o que é algo complicado de se exigir, mas não quando o próprio clube se coloca em tal patamar de exigência e investe num elenco sem igual na América do Sul.
Contra o Atlético-MG, uma situação parecida havia acontecido. O Flamengo abriu o placar e se retraiu. Jogou pelo contra-ataque – algo recorrente desde o início de trabalho de Renato Gaúcho. As alterações foram similares, com zagueiros e volantes em profusão no gramado diante da necessidade de defender uma vantagem magra.
O embate com o Galo era uma “final”, um jogo de vida ou morte. Neste cenário, era mais compreensível esse tipo de postura – o próprio Jorge Jesus lançou mão do artifício em situações pontuais. Mas, quando esta mentalidade se torna recurso, é preciso questionar: é esta a identidade que o Flamengo pretende para seu time de craques? É este o futebol que o estrelado elenco rubro-negro pode apresentar?
Renato, claro, tem atenuantes: os desfalques se amontoam em números acima do esperado; o calendário é alucinante. Mas o Flamengo não montou um elenco justamente para absorver estas questões?
Não se espera um espetáculo como o Flamengo de 2019. Mas o que aquela temporada, que será por muito tempo um patamar cruel de comparação, deixou de legado foi justamente isso: a exigência subiu. O Flamengo de antes já mostrou que é possível. Não é fácil aceitar o caminho anterior. O atual precisa saber se quer manter esta identidade ou se vai se render de vez aos clichês do futebol brasileiro.