O estudante de filosofia Clayton Tomaz de Souza, mais conhecido como Alph, foi morto com um tiro na cabeça e levado até o local onde seu corpo foi encontrado, no dia 8 de fevereiro de 2020, conforme inquérito da Polícia Civil. O g1 teve acesso ao inquérito policial do caso e à denúncia do Ministério Público da Paraíba contra Selena Samara Gomes da Silva e Abraão Avelino da Fonseca, suspeitos do assassinato. A morte teria sido motivada, segundo a investigação, por um suposto triângulo amoroso, pois Selena teria envolvimento com Alph e também com Abraão.
Conforme a denúncia do Ministério Público, Selena e Abrão levaram a vítima até a comunidade do Aratú, local onde Abraão residia, efetuaram um disparo de arma de fogo em Clayton, ocasionando sua morte. A investigação considerou depoimentos, quebra de sigilos telefônicos e exames periciais.
Consumado o homicídio, colocaram o cadáver no porta-malas do carro de Selena e o abandonaram em um terreno, próximo à praia de Gramame.
A promotoria afirma que existem indícios suficientes de autoria e prova inconteste do crime de homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver.
Local onde o corpo do estudante da UFPB Clayton Tomaz de Souza, o Alph, foi encontrado, em Gramame. — Foto: Reprodução/Polícia Civil
De acordo com o delegado Alexandre Fernandes, que investigou o caso, depoimentos apontaram que Alph foi visto pela última vez com os dois acusados. Ele informou que o carro de Selena ficou desaparecido por um período e só apareceu 10 dias após terem localizado o corpo.
O veículo foi abandonado nas proximidades da casa da acusada e tinha sido lavado. No entanto, a perícia encontrou vestígios de sangue no porta-malas.
O que diz a defesa
A defesa de Abraão respondeu nos autos do processo que a ligação de Abraão com o caso se deu a partir de uma denúncia anônima, o que não constitui “elemento de prova de autoria delitiva”. Além disso, a defesa alega que o reconhecimento fotográfico não respeitou o ordenamento jurídico e que não constitui evidência segura, uma vez que efeitos do “esquecimento”, “emoções” e “sugestões vindas de outras pessoas” “podem gerar falsas memórias”.
Procurado pelo g1, o advogado de Abraão, Roberto Paiva de Mesquita, informou que “no momento não tem nada a declarar sobre o caso”, e que só vai fazer isso no fim da instrução processual.
A defesa de Selena disse nos autos que a quantidade de sangue encontrada no porta-malas não corresponde ao que poderia haver no caso de “uma pessoa atingida por um tiro na cabeça”.
Ao g1, a defesa também contesta a hipótese de triângulo amoroso e afirma que Alph e Selena nunca tiveram um relacionamento romântico. “Eles tinham um relacionamento de amizade muito intensa, mas não eram namorados nem ficantes. Selena teve um relacionamento com Abraão por algum tempo, mas na época do fato, não estavam mais juntos”, explicou a advogada Sarah Maciel.
A defesa de Selena disse ao g1 que a cliente é inocente e que “no momento oportuno, durante a instrução processual, os fatos serão esclarecidos”.
O desaparecimento
O registro oficial do de desaparecimento Alph foi feito no dia 10 de fevereiro, quando sua irmã, Alexsandra Tomáz, registrou um Boletim de Ocorrência (BO). Na ocasião, ela declarou que seu irmão estava desaparecido desde o dia 6 de fevereiro e que o mesmo tinha problemas depressivos. No dia do registro, o corpo já havia sido encontrado, mas estava sem reconhecimento.
A irmã da vítima ainda declarou que no dia do desaparecimento, ele teria mantido contato com uma amiga, Selena, e que esta teria dito que Alph disse a ela “que iria sumir, não informando seu paradeiro”.
A mãe de Alph, Genoveva Tomáz, informou que no dia 13 de fevereiro veio até João Pessoa com seu marido, e em seguida foram até Recife com Selena, pois receberam informações de que Alph estaria na casa de um amigo.
Durante seu depoimento, a mãe da vítima ainda relatou que Selena afirmou que a última vez que Alph esteve com ela foi no dia 5 de fevereiro, quando deixou o estudante na esquina da casa onde ele morava.
O inquérito policial, que baseou a acusação, aponta que o corpo do estudante foi encontrado no dia 8 de fevereiro de 2020, na mata localizada às margens do acesso para a Praia de Gramame, por volta das 16h30.
Entretanto, ele só veio a ser reconhecido no dia 17 de fevereiro, data também que o celular de Selena deixou de ser rastreável pela polícia.
As testemunhas
A Polícia Civil conseguiu um deferimento da cautelar de quebra do sigilo telefônico. Conforme o inquérito, visto que os celulares dos dois estavam em localizações próximas, no bairro do Castelo Branco, foi possível comprovar que Alph e Selena passaram as noites do dia 5 e 6 de fevereiro na residência do estudante.
Uma das testemunhas afirmou que, na noite do dia 6 de fevereiro, viu Alph com Selena e um homem na calçada da residência da vítima. Os três estavam se preparando para sair de carro, e o estudante parecia “tenso”, conforme depoimento.
Outra testemunha disse à Polícia que viu o carro de Selena, um Toyota Etios, estacionado em frente ao prédio onde Alph residia, no dia 6 de fevereiro.
Dessa forma, o inquérito concluiu que a última vez que a vítima foi vista foi justamente com Selena e este outro homem, que mais tarde foi reconhecido por uma das testemunhas como sendo Abrão.
Um exame realizado no corpo de Alph, que foi encontrado no dia 8, constatou que a morte aconteceu aproximadamente 48 horas antes, ou seja, no dia 6, última data quando a vítima foi vista com vida.
Os vestígios no carro
O carro de Selena só apareceu 10 dias após terem encontrado o corpo de Alph. O veículo foi localizado estacionado na frente da casa do pai da mulher.
Conforme um laudo pericial, foi detectada a presença de sangue humano no porta-malas e em uma camiseta encontrada no interior do automóvel. Entretanto, o exame de DNA foi inconclusivo para identificar de quem seriam os vestígios.
Apesar de prejudicado o exame de DNA, o inquérito afirma que a vítima teria sido transportada depois de morta até o local onde seu corpo foi encontrado.
Vestígios encontrados no carro de Selena Samara, suspeita de matar o estudante da UFPB, Alph. Na foto: Material biológico no porta-inalas do veículo; uma blusa preta e um formulário de contrato de serviço feito por Samara, com uma mancha semelhante as manchas encontradas na mala. — Foto: Reprodução/Polícia Civil
A denúncia anônima
No dia 18 de fevereiro, a polícia recebeu uma denúncia anônima, informando que Selena estaria mantendo um relacionamento amoroso com a vítima e com um traficante da Comunidade do Aratú, conhecido como Abraão, e que esta teria sido a motivação do crime.
De acordo com a denúncia, Selena e Alph tinham um relacionamento há pelo menos um mês e treinavam juntos jiu-jutsu na mesma academia. A mulher mantinha, ao mesmo tempo, um relacionamento de 10 anos com Abraão.
Constou também nessa denúncia a informação que Selena iria se mudar para não depor sobre a morte de Alph e que, dias antes do crime, ela e a vítima estavam em um bar no Castelo Branco, onde Abraão também se encontrava, mas teria ficado separado dos dois, os observando.
Abraão foi solicitado para ser ouvido pela polícia, mas não apareceu na ocasião. Quem compareceu foi seu pai, acompanhado de um advogado. Depois disso, Abrão não se apresentou.
Assim, de posse dessa informação, a polícia conseguiu através das redes sociais uma foto de Abraão. Uma das testemunhas reconheceu o homem como sendo a terceira pessoa vista com a vítima e Selena na suposta noite do crime, 6 de fevereiro de 2020.
A mãe de Selena também reconheceu a fotografia de Abraão como sendo a pessoa com quem sua filha convivia.
Abraão já respondeu a processos por tráfico de drogas e violência doméstica. Conforme a polícia, ele residia na Comunidade do Aratú na época do fato.
À polícia, o pai de Alph, André Sousa, também prestou depoimento. Segundo o inquérito, ele afirmou que uma amiga do filho, conhecida como Selena, entrou em várias contradições ao tentar justificar o desaparecimento da vítima.
Quando esteve com sua esposa em Recife, para falar com um amigo de Alph, ele teria gritado com Selena para ela falar o que sabia sobre o caso.
Desta forma, pelo conjunto de indícios, incluindo os depoimentos das testemunhas, a localização dos celulares de vítima e suspeitos, e os vestígios no carro de Selena, a polícia concluiu que ela e Abrão foram os autores do homicídio.
Determinação de prisão preventiva
A Justiça da Paraíba determinou a prisão preventiva de Selena Samara Gomes da Silva e Abraão Avelino da Fonseca. Segundo os autos, Abraão Avelino da Fonseca seria amigo da vítima. O g1 teve acesso à decisão da juíza Andréa Carla Mendes Galdino na quarta-feira (13). Os dois acusados estão foragidos.
De acordo com a decisão, que saiu em junho, o pedido de prisão veio após a análise das provas periciais e dos depoimentos coletados.
Conforme o processo, Selena e Abraão mataram Alph e em seguida descartaram o corpo na estrada que dá acesso à praia de Gramame.
Na época do crime, estudantes da UFPB denunciaram o suposto desaparecimento de Selena, dita por alguns como companheira de Alph. No entanto, o delegado Alexandre Fernandes confirmou a ligação entre os estudantes, mas não que os dois eram um casal. Já a família de Alph, negou que eles tivessem um relacionamento.
Em setembro, as defesas dos dois acusados tentaram derrubar o pedido de prisão preventiva, mas a Justiça não atendeu nenhuma das solicitações. A juíza inclusive marcou a audiência de instrução e julgamento para o dia 16 de novembro.
Ao g1, a mãe de Alph, Genoveva Tomaz de Sousa, informou que não tinha conhecimento da decisão até então e preferiu não se posicionar sobre o caso. Ela não confirma a relação amorosa entre Alph e Selena, nem a suposta amizade entre seu filho e o outro suspeito do assassinato, Abraão.
Investigação da segurança da UFPB
Natural de Arcoverde, interior de Pernambuco, Clayton morava em João Pessoa desde 2014, quando foi aprovado no curso de filosofia na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Estudante ativo, integrou o Centro Acadêmico do curso por três anos, assim como o Diretório Central dos Estudantes (DCE), o Conselho Superior Universitário (Consuni) e a comissão da revisão estatutária da UFPB (Estatuinte) pelo CCHLA (Centro de Ciências Humanas Letras e Artes).
Alph falava sobre perseguições constantes dentro da universidade e chegou a publicar nas redes sociais denúncias sobre a equipe de segurança da UFPB. Em uma das publicações, citou que estava sendo ameaçado por um dos seguranças terceirizados da universidade.
As denúncias começaram em 2016 e foram encaminhadas ao Ministério Público Federal.
No dossiê, foram relatadas violências físicas, psicológicas, racistas, de gênero e sexualidade cometidas por parte de funcionários terceirizados e servidores da UFPB contra alunos da universidade, incluindo Alph.
A investigação da polícia acerca da morte do estudante colheu depoimentos e fez a quebra do sigilo telefônico de um dos servidores da guarda da universidade que Alph alegava ter atritos.
A partir de um estudo com relação aos eventos de conexão gerados pelo aparelho celular do vigilante foi visto que, justamente no último dia que a vítima foi vista com vida pelas testemunhas, saindo de sua casa, na companhia de Selena e Abraão, entre 18h e 19h, o segurança se encontrava no Bairro das Indústrias, onde reside. Assim, se concluiu que ele não esteve na região onde a vítima foi vista pela última vez.
Dessa forma, a polícia concluiu que encontrado nenhum indício de conexão que justificasse a continuidade do inquérito nessa linha.
Existia um procedimento em curso, aberto em setembro de 2019 no Ministério Público Federal. Este procedimento estava em sigilo, até que as investigações da Polícia Civil fossem concluídas.
Ao g1, o procurador José Godoy informou que procedimento foi arquivado a partir do desfecho da investigação pela Polícia Civil e da denúncia pelo Ministério Público do Estado.
Apesar disso, o procurador disse que outras denuncias têm chegado. O MPF informou que existe um procedimento com denúncias, mas tem caráter sigiloso e mais detalhes não podem ser revelados.