SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) — Cientistas buscaram inspiração em formações geológicas para entender o que se passa nas profundezas do corpo humano — mais precisamente nos rins de 10% da humanidade, que sofrem com cálculos renais.
A expectativa é que esse conhecimento abra uma avenida rumo a novas terapias e tratamentos, relatam pesquisadores da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e da Clínica Mayo, ambas nos EUA.
Ao longo dos últimos anos, os cientistas analisaram mais de 90 mil amostras de cálculos renais para entender os mecanismos por trás da formação deles, e conseguiram mostrar que a ideia de um crescimento camada a camada, formando uma entidade compacta e resistente, não fazia muito sentido.
Até então se supunha que os cálculos não conseguiam ser desfeitos naturalmente dentro do rim, mas a investigação mostrou que, assim como certas rochas sedimentares, os cálculos passam por repetidos ciclos de cristalização, dissolução, fratura e falhas, num processo conhecido como diagênese.
“Quando um cálculo passa pela etapa de dissolução, ele não se desmancha completamente. Um cálculo cresce e então se dissolve apenas parcialmente durante um desses ciclos. Ele parece um pequeno queijo suíço, e deixa para trás um pouco de massa mineral, que contém cristais, orifícios, fraturas e falhas anteriores. Na próxima sequência, ocorre mais crescimento mineral, dissolução, fraturamento e falhas, e assim por diante”, explica Bruce Fouke, professor da Universidade de Illinois e um dos responsáveis pela pesquisa.
Esse conhecimento biogeológico, ou biogeomédico, ganhou sustentação com a descrição detalhada dessa série de etapas de formação rochosa, o que os especialistas chamam de sequência paragenética. Os achados mais recentes do grupo foram publicados na revista científica Nature Reviews Urology.
Não é de hoje que a humanidade sofre com pedras nos rins. O caso mais antigo de que se tem nota é de 4.400 a.C, descoberto graças às investigações de uma múmia egípcia -o cálculo ainda estava lá. Infelizmente, mesmo hoje, ainda não há um tratamento definitivo para essa condição.
Os cálculos estudados pelo grupo eram fatiados, e os cortes ultrafinos, de até um bilionésimo de metro, eram avaliados por meio do microscópio. Nessa situação, as fatias são tão finas que a luz é capaz de atravessá-las, formando as imagens que são analisadas pelos cientistas.
A composição diversa observada, com deposição de camadas sobre camadas, e ainda a presença de cristais individuais, cortados transversalmente por outros, além da presença de fraturas, orifícios e falhas deu as pistas necessárias para as mudanças no entendimento de como surgem e para onde vão os cálculos.
Felizmente a natureza pode servir de fonte de inspiração para ajudar nessas descobertas.
Uma rocha sedimentar, o travertino formado nas fontes termais de Mammoth, no Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, possui a característica de crescer depressa: de um milhão a um bilhão de vezes mais rápido do que outras rochas calcárias na superfície da Terra. Todos os dias cerca de uma tonelada de rocha se forma no local, a partir da deposição de cristais.
E uma das razões desse depósito acelerado é a presença de certas proteínas produzidas por bactérias. Os cientistas então se perguntaram se micróbios e seus componentes poderiam também explicar a formação de pedras no rim humano.
A resposta curta é que sim, mas a história é mais complexa, já que há várias bactérias diferentes em um ser humano. Além disso, existem outros mecanismos que também podem promover ou inibir o crescimento de cálculos, como a quantidade de determinados sais no organismo e até mesmo alguns medicamentos.
De toda forma, saber do potencial papel dos micróbios na história já permite que cientistas especulem caminhos de tratamento com probióticos (microrganismos benéficos à saúde humana) ou prebióticos, substâncias que buscam fomentar o crescimento dos micróbios adequados para o efeito desejado.
Essas observações dos cientistas valem especialmente para os cálculos compostos de oxalato de cálcio, um dos mais principais comuns. Ele é mais frequente quando há baixa ingestão de água e consumo inadequado e excessivo de cálcio.
Há ainda outros três tipos importantes: cálculos de ácido úrico (muito ligado à dieta); de estruvita (associado a infecções); e de cistina (condição hereditária).
Além do rim, outros órgãos também podem sofrer com a formação de cálculos — um exemplo é o da vesícula biliar, que tem outra composição. A biomineralização também pode ter outros efeitos no corpo: placa nas artérias, placa dentária, aterosclerose, calcificação da valva aórtica, entre outros.
“Nosso trabalho com cálculos renais está estabelecendo uma abordagem científica consistente para, no futuro, entender melhor essas outras formas de biomineralização no corpo humano”, diz Fouke.
No entanto, existem dificuldades a serem superadas, afirma John Lieske, da Mayo Clinic, o outro líder do grupo. “Um problema nos estudos é que os cálculos renais crescem relativamente devagar e numa forma errática em humanos, de forma que os estudos são demasiadamente longos e com um grande número de pacientes.
Infelizmente, não há bons modelos animais de formação de cálculo renal. Por fim, é difícil conseguir tecido renal humano para estudar os cálculos enquanto eles estão surgindo.”