Um homem foi absolvido pelo ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), pelo furto de duas tampas de hidrante, avaliadas em R$ 140. O caso havia ocorrido em agosto de 2019, em um shopping de Guarulhos (SP), e o réu esteve preso por dez meses, até junho de 2020, quando passou a responder em regime aberto.
A anulação do crime ocorreu por pedido da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que passou por três instâncias até chegar à decisão de Fachin, a partir do princípio da insignificância, entendimento que afasta o crime do ato praticado em casos de menor gravidade.
A primeira condenação havia sido de dois anos de reclusão em regime semiaberto. A Defensoria então entrou com um pedido de apelação, e a pena foi reduzida pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) a sete meses em regime aberto. Porém, o TJ recusou a aplicação do princípio da insignificância.
Diante da decisão, o defensor público Felipe de Castro Busnello recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que manteve a decisão anterior.
“Os requisitos foram preenchidos para a aplicação do princípio da insignificância, mas os outros tribunais não aplicaram porque, apesar de ser primário, ele tinha outros processos em andamento”, disse o defensor ao R7. Por fim, ele levou o caso ao STF e solicitou mais uma vez a aplicação do princípio.
Para sustentar o pedido, Busnello argumentou que os valores dos objetos do furto eram mínimos, que foram recuperados posteriormente e pontuou, ainda, que não houve violência ou ameaça grave à vítima. Isto, prossegue, anularia a existência do ato criminoso.
Responsável pelo caso no STF, Edson Fachin avaliou que os requisitos apontados por Busnello eram apropriados para a aplicação do princípio da insignificância, absolvendo o réu.
“Malgrado as instâncias antecedentes tenham refutado a incidência da insignificância, afirmando ser o acusado recalcitrante na prática delitiva, entendo que tal não basta para afastar, in casu, a conclusão de atipicidade material da conduta, notadamente considerando que o acusado, a despeito de anteriores anotações criminais, é tecnicamente primário”, escreveu Fachin na decisão, destacando que a reincidência, por si só, não exclui a aplicação.
O que é o princípio da insignificância
O princípio da insignificância é o conceito que afasta a existência de delito em casos de menor gravidade.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, por exemplo, “o princípio decorre do entendimento de que o direito penal não deve se preocupar com condutas em que o resultado não é suficientemente grave a ponto de não haver necessidade de punir o agente nem de se recorrer aos meios judiciais, por exemplo, no caso de um leve beliscão, uma palmada, ou furto de pequeno valor”.
Para que seja aplicado, continua o TJ-DFT, deve se verificar o princípio “em cada caso concreto, de acordo com as suas peculiaridades, sendo obrigatória a presença dos referidos requisitos”.
Alguns desses requisitos incluem casos que não representem ofensividade (ou violência) à vítima e danos à coletividade, como furtos de objetos de baixo valor.
A utilização do princípio está sedimentada pelo STF desde 2004, como aponta nota da Defensoria de São Paulo, mas Felipe Busnello afirma à reportagem que o primeiro impasse é este conceito não possuir uma previsão legal, ou seja, não há na lei um apontamento de que deva ser aplicado, funcionando como uma orientação, portanto.
Além disso, o defensor pontua que muitos tribunais a rechaçam os casos de réus com reincidência criminal ou outros processos em andamento, o que não deveria exercer influência, para ele. “Se uma conduta não é crime [de acordo com o princípio de insignificância], ela simplesmente não é crime, sendo primária ou reincidente”, diz.
Na decisão acerca do furto das tampas de hidrantes em Guarulhos, Edson Fachin reforçou essa avaliação ao concluir a decisão de absolver o réu: “mesma a existência de antecedentes e/ou reincidência, por só si, não afasta a incidência do princípio da insignificância”.