BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) — Com o fim do recesso parlamentar, a CPI da Covid no Senado retoma suas atividades nesta semana concentrando esforços em depoimentos referentes aos casos da Covaxin e Davati para tentar encerrar as investigações sobre irregularidades na compra de vacinas contra a Covid-19.
O esforço concentrado se justifica porque há pressa para abrir novas frentes de apuração, em especial para investigar os hospitais federais no Rio de Janeiro e a relação do Ministério da Saúde com a empresa VTCLog, que possui contratos milionários com o governo federal.
“A decisão que foi tomada foi na linha de ir fechando os temas, inclusive aqueles da parte de negacionismo, de enfrentamento à pandemia e concluir a questão das vacinas”, afirma o senador Humberto Costa (PT-PE).
“E a gente tem dois assuntos que estão se iniciando e que são importantes de serem investigados: hospitais federais do Rio de Janeiro e a questão da VTCLog.”
O petista é o responsável pelo núcleo que vai investigar casos de corrupção no estado do Rio. Na próxima semana, em reunião do grupo majoritário, que dita os rumos das investigações, ele vai apresentar os primeiros nomes que pretende convocar.
Um deles é Marcelo Lambert, superintendente do escritório do Ministério da Saúde no estado. Nos bastidores, comenta-se que ele teria sido indicado pelo senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.
Costa tem dito que a CPI não investiga pessoas e sim irregularidades e que desconhece a indicação de Flávio.
Em relação à VTCLog, os senadores de oposição e independentes pretendem adotar o método “siga o dinheiro”. A empresa de logística mantém contratos milionários com o Ministério da Saúde, que foram ampliados durante a pandemia. A comissão já aprovou requerimento de convocação da presidente da empresa, Andreia Lima.
Nesta semana, a comissão pretendia ouvir dois personagens ligados à compra da vacina indiana Covaxin e um suposto intermediário de vacinas. Na terça (3), estava previsto o depoimento do reverendo Amilton Gomes de Paula, que teria sido autorizado pelo Ministério da Saúde para negociar a compra de 400 milhões de doses de vacinas com a empresa Davati Medical Supply.
Nos dois dias seguintes, seriam ouvidos dois diretores da Precisa Medicamentos, empresa suspeita de ser favorecida pelo governo na negociação da Covaxin. Na quarta-feira (4), seria a vez do sócio-administrador Francisco Maximiano e, no dia seguinte, a do advogado Túlio Silveira.
Maximiano encaminhou documentos na última sexta-feira (30), entre eles a foto de seu passaporte com visto, para justificar que está em viagem à Índia. A CPI acredita que o empresário busca atrapalhar as investigações e avalia determinar a apreensão de seu passaporte ou mesmo pedir sua prisão preventiva.
A ausência de Maximiano abriu duas possibilidades. Uma delas seria marcar o depoimento do empresário Airton Soligo, conhecido como Airton Cascavel. Outra é ouvir pela terceira vez o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Até sexta, havia divisão entre os senadores a respeito de quem chamar.
A nova oitiva do general Pazuello vem sendo encarada como um momento fundamental das investigações, tanto que há senadores que defendem ainda não marcar a data para colher mais elementos. O ex-ministro foi acusado de mentir em sua primeira oitiva, que se deu no início dos trabalhos da comissão, antes do surgimento de indícios de irregularidades e corrupção.
Por outro lado, a medida ganhou força após surgirem novas pontas de investigação envolvendo o militar sobre a aquisição de vacinas.
Uma delas é sobre o vídeo divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo em julho que mostra Pazuello se comprometendo a assinar um contrato para compra de 30 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac com um grupo de empresários que não tinham autorização para tal.
O encontro foi realizado fora da agenda oficial do ministro e o preço oferecido pelos intermediários era o triplo do valor negociado pelo Butantan. Pazuello também deve ser questionado sobre o processo da compra da vacina da Covaxin. O ex-ministro prestou depoimento à Polícia Federal sobre o caso, durante o recesso. Os senadores querem saber do ex-ministro como se deu o pedido de Bolsonaro para que as denúncias fossem investigadas e se há provas de que ele foi realmente analisado.
À PF, Pazuello disse que coube ao então secretário-executivo da pasta, coronel Elcio Franco, averiguar o assunto e que nada de irregular foi constatado. Afirmou não se recordar se, após a resposta de Franco, comunicou algo ao presidente.
O recesso começou em 16 de julho, momento em que a comissão se debruçava sobre as denúncias de corrupção. A Folha de S.Paulo revelou no final de junho o teor do depoimento do servidor Luis Ricardo Miranda, que apontou sofrer uma “pressão atípica” para agilizar a liberação da importação da vacina indiana Covaxin. O contrato de R$ 1,6 bilhão foi intermediado pela Precisa.
O irmão do servidor, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), em seguida afirmou que levou as suspeitas de irregularidades ao presidente Jair Bolsonaro, que teria respondido se tratar de um “rolo” do seu líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Em outra frente revelada pela Folha de S.Paulo, o policial militar Luiz Paulo Dominghetti afirmou ter recebido pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina da AstraZeneca para avançar a negociação. O autor do pedido de propina, segundo Dominghetti, foi o então diretor de logística da Saúde Roberto Ferreira Dias, exonerado no dia em que a reportagem foi publicada.
Durante o recesso, a indiana Bharat Biotech decidiu romper sua parceria com a Precisa, após ter constatado adulteração em documentos. Na semana passada, o governo rompeu o contrato para a compra da Covaxin – que estava suspenso.
No entanto, o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, nega que houve sobrepreço na negociação das vacinas.
Senadores também querem que o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), se reúna com um grupo de juristas para ajudar a tipificar crimes identificados pela CPI. A comissão teve os trabalhos estendidos por mais 90 dias, mas a ideia é encerrá-la antes do prazo final, que termina em outubro.
A retomada do recesso também pode contar com uma articulação mais organizada dos governistas. Ciro Nogueira (PP), que assumiu a Casa Civil na semana passada, telefonou para Renan Calheiros (MDB-AL), para cumprimentá-lo.
Segundo Renan, Ciro não pediu que ele pegue leve com o governo, mas foi cortês. “Ele [o Ciro] é talentoso. Mas a chance de recuperar um governo como esse é muito difícil”, afirmou Renan.