Os paraibanos Otávio (nome fictício), de 18 anos, na época com 17, e Airton (nome fictício), de 25 anos, foram resgatados do trabalho análogo ao escravo, em novembro de 2020, durante uma operação da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE/SIT), Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da união (DPU) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Santa Catarina. Oito meses depois, os jovens relataram como era a rotina no local.
Otávio saiu da cidade de Tavares, e Airton da cidade de Juru, no Sertão do estado, em busca de emprego em Santa Catarina. Os trabalhadores paraibanos receberam promessas de carteira assinada e bons salários, mas perceberam, em pouco tempo, que a realidade seria diferente do que foi prometido.
Além de não terem direito à carteira assinada, eles tinham descontados do salário a comida, os equipamentos de proteção individual e outros custos relacionados ao trabalho. Eles passaram quinze dias trabalhando em uma plantação de cebolas, com jornada de trabalho de 12 horas diárias, das 6h às 18h, sem alojamento e equipamentos de proteção individual adequados. Otávio explicou que, por isso, muitas vezes, chegou a trabalhar descalço.
“Quando chegava o domingo tinha que trabalhar porque se ficasse em casa tinha que pagar R$ 50 de comissão para eles. Aí nós íamos para a roça de todo jeito”, afirmou.
Mesmo trabalhando os sete dias da semana, nem sempre eles chegavam a receber o pagamento, por causa dos itens que eram descontados.
“No domingo de tardezinha, quando a gente ia para bater as contas, ele dizia que não ia pagar porque descontava passagem de ida e vinda, a feira, era tanta coisa. Ele chegou até a fugir com nós para a polícia não pegar”, relatou
Além disso, Airton afirmou que os trabalhadores eram ameaçados caso tentassem fugir do local.
“Ele falava que gastaria o dinheiro que fosse, buscaria onde fosse, mas pegaria quem tentasse fugir dali”, disse.
Traumas e medo de sair de casa
Otávio e Airton (nomes fictícios) foram resgatados em uma operação que tirou 43 trabalhadores de situação análoga à escravidão em Ituporanga, no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, em novembro de 2020. De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), todas as vítimas eram nordestinas.
Após o retorno para casa, Otávio firma que ficou traumatizado e por algum tempo tinha medo de sair de casa.
“Quando eu cheguei em casa fiquei com trauma, eu mal saía de casa, só saia de casa com medo. Coisa horrível”, desabafou.
A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano acompanha os casos de paraibanos resgatados do trabalho escravo ou do tráfico de pessoas e oferece políticas públicas de reinserção socioeconômica dessas pessoas, como cursos profissionalizantes.
Otávio, um dos jovens resgatados, agora está em São Paulo, trabalhando com carteira assinada, mas pretende voltar para a Paraíba e tem o sonho de ser bombeiro. Já Airton voltou para casa, onde trabalha como pescador.
Campanha do MPT
Com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre a importância do combate ao tráfico de pessoas e ao trabalho análogo à escravidão, o Ministério Público do Trabalho (MPT) promove em julho uma campanha sobre o tema.
Entre as ações programadas, está a segunda temporada da websérie “Tráfico de Pessoas no Brasil”, realizada pelo Projeto Liberdade no Ar do MPT e pela Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude (Asbrad). Dividida em 18 episódios com debates e pílulas do conhecimento, a websérie está disponível no canal da Asbrad, no YouTube.
De acordo com o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba, vinculado à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano, de 2019 até o atual momento, são 45 vítimas no estado, todas do Sertão. No começo de julho, 11 trabalhadores de São Bento foram resgatados de um galpão de produção/comercialização de redes no Ceará. No Brasil, somente no ano de 2019, foram registrados mais de mil casos.
Subnotificação de casos
Conforme Vanessa Lima, coordenadora do Núcleo e do Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba e da Comissão Estadual de Erradicação ao Trabalho Escravo da Paraíba (SEDH), pode haver uma subnotificação de casos.
“Sabemos que esses números são subnotificados, pois teríamos que ter mais fiscalização. Ademais, a população, muitas vezes, tem medo de denunciar”.
É possível denunciar situações de trabalho análogas à escravidão e tráfico de pessoas, de forma anônima, inclusive, pelo Disque 100 – Disque Direitos Humanos. Na Paraíba, há também o Disque 123, do governo do Estado.