Cerca de 118 milhões de pessoas em todo o mundo começaram a passar fome em 2020, ano em que a pandemia da Covid-19 paralisou boa parte do planeta, desestruturou famílias que perderam seus provedores, encerrou atividades econômicas e agravou desigualdades.
Segundo o mais recente relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), publicado nesta segunda (12), entre 720 e 811 milhões de pessoas passaram fome em 2020, cerca de 118 milhões a mais do que os números registrados no ano anterior.
Ao longo da década de 2010, a pesquisa anual O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo já vinha registrando uma estabilização no número de pessoas subnutridas pelo mundo, que interrompeu a queda anterior.
A pandemia, no entanto, fez a curva voltar a subir. A edição mais recente do estudo mostra que o vírus pode ter atrasado em 15 anos o combate à fome, uma vez em que o total de pessoas subnutridas em 2020 se aproxima dos 810 milhões registrados em 2005.
Proporcionalmente, isso representa quase 10% da população mundial, mas a fome não atinge o planeta de forma igual. A Ásia também registra o maior número de pessoas com subnutrição, 418 milhões, mais da metade do total. Mas, como é o continente mais populoso, isso representa 9% da população. Por lá, a prevalência da fome foi mais medida em países como a Coreia do Norte e o Iêmen, país do Oriente Médio que está em guerra civil desde 2015, no que é considerado pela ONU a crise humanitária mais grave do mundo.
Em relação ao tamanho da população, a situação é mais grave no continente africano, onde 21% dos habitantes registraram subnutrição em 2020, aumento em relação aos 18% vistos no ano anterior.
É mais dramática a situação de países da África Central, como a República Centro-Africana, a República Democrática do Congo e a República do Congo, além da Somália, no leste africano, um dos locais com maior prevalência da fome medida pela FAO. Já estados ao norte, como Tunísia, Argélia e Marrocos, registraram menos pessoas com fome, segundo o relatório.
Com esses números, a FAO afirma que o planeta não deve atingir a meta de zerar a fome até 2030, um dos objetivos do desenvolvimento sustentável propostos pela ONU. Ao fim desta década, a organização estima que 660 milhões de pessoas podem passar fome, sendo que 30 milhões desses casos seriam diretamente relacionados aos efeitos duradouros da pandemia.
Não basta ter comida na mesa, é preciso ter acesso a uma alimentação saudável, mas isso é caro demais para 3 bilhões de pessoas, ou 42% da população do planeta, segundo a FAO – porcentagem que salta para 80,2% quando falamos de África.
Quem mais sofre com a falta de nutrientes são as crianças. O estudo estima que mais de 149 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade tenham tamanho menor do que o indicado para aquela faixa etária. Além disso, mais de 45 milhões podem ser consideradas magras demais para sua idade, e 39 milhões estão acima do peso.
Outras faixas etárias também enfrentam problemas. A pesquisa aponta que cerca de 30% das mulheres do mundo com idade entre 15 e 49 anos sofrem de anemia.
No Brasil, pesquisa Datafolha de maio já tinha medido a sensação de fome. Por aqui, um a cada quatro brasileiros disse que a quantidade de comida na mesa para alimentar a família foi menor do que o suficiente nos últimos meses.
A situação foi mais sentida por mulheres, negros e pessoas menos escolarizadas: faltou comida para 40% dos que têm apenas o ensino fundamental completo. Dentro do país, foi na região Nordeste onde mais pessoas disseram ter passado fome.
Pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan) mostrou que, durante a pandemia, 9% da população, o equivalente a 19 milhões de brasileiros, sofreu insegurança alimentar grave.
“A Covid-19 é só a ponta do iceberg. Mais alarmante é que a pandemia expôs as vulnerabilidades formadas nos nossos sistemas alimentares nos últimos anos por conflitos, mudanças climáticas, crises econômicas. Esses fatores estão acontecendo cada vez mais simultaneamente, com efeitos que agravam seriamente a segurança alimentar e nutricional”, dizem os autores do relatório da FAO.