SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) — A caça e, consequentemente, a alimentação das harpias (Harpia harpyja), a maior ave predadora da Amazônia e uma das fortes do planeta, estão sendo afetadas pelo desmatamento do bioma. Pesquisadores chegaram a observar filhotes da ave morrerem de inanição em áreas devastadas pela retirada de árvores.
Pesquisa publicada no último dia 30 de junho na revista Scientific Reports aponta um nível de desmate máximo que as harpias suportam ao seu redor a ponto de conseguirem gerar filhotes e alimentá-los. Esse limite é de até 50% de perda de vegetação nos arredores do ninho.
Os três pequenos gaviões-reais mortos por falta de comida observadas por cientistas, por exemplo, estavam em áreas com desmate de 53% até 63%, considerando um raio de 3 km em relação ao ninho.
A inanição ocorreu pela dificuldade dos pais das pequenas aves em encontrar comida nos arredores. Em um dos ninhos observados por armadilhas fotográficas, as refeições dos filhotes demoravam consistentemente mais do que 15 dias. O tempo é consideravelmente maior do que o intervalo típico esperado de entrega de comida para filhotes: cerca de 2,5 dias.
O desmatamento leva ao estresse alimentar desse tipo de animal, um predador de topo de cadeia e sensível à disponibilidade de comida devido às suas elevadas necessidades metabólicas.
As harpias — que têm fêmeas que chegam a pesar 7 kg — têm entre suas presas favoritas as preguiças e primatas de tamanho médio, normalmente encontrados em meio ao dossel das árvores. Além disso, essas aves precisam de cerca de 800 gramas de comida por dia e costumam instalar seus ninhos — locais nos quais permanecem por décadas — em árvores normalmente cobicaçadas pela indústria madeireira, de patamares acima de 40 metros.
Além disso, as harpias têm um ciclo reprodutivo de 30 a 36 meses, no qual colocam no máximo dois ovos. Mas somente uma avezinha será criada.
Diante disso tudo e do desmatamento crescente, é possível enxergar o risco que esses animais correm. Ele é considerado vulnerável ao risco de extinção, segundo a lista de espécies ameaçadas do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Segundo os autores do estudo, a Amazônia é a última fortaleza das harpias. Na mata atlântica, há raros registros dessa ave.
Desde 2012, há tendência de aumento de desmatamento na Amazônia. Nos últimos anos, a devastação explodiu na floresta, superando 11 mil km² derrubados em um ano, segundo o registro mais recente do Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Os pesquisadores responsáveis pelo estudo publicado na Scientific Reports concentraram suas observações em áreas de fronteira de desmatamento, mais especificamente na região norte do estado do Mato Grosso, o segundo colocado no ranking dos estados mais derrubam a Amazônia — 1.779 km² desmatados ou cerca de 16% do total da derrubada, segundo o dado mais recente. A maior parte do desmatamento no Mato Grosso é ilegal.
Ao todo, 16 ninhos foram objeto de observação a partir de armadilhas fotográficas e de análises de detritos de esqueletos em volta dos locais.
Os autores do estudo afirmam que os gaviões-reais provavelmente estão ficando cada mais isolados em fragmentos florestais relativamente pequenos. “Essas harpias irão, provavelmente, depender de intervenções para manejo populacional, que podem incluir a translocação de animais jovens e suplementação alimentar”, afirmam os pesquisadores.
Alimentação Entre as presas preferidas das harpias dos ninhos observados estão poucas espécies. A preguiça-real ou Unau (Choloepus didactylus) representava cerca de 24% das entregas de alimento nos ninhos. Em seguida, apareceram o macaco-prego (Sapajus apella), representando 18% das entregas, e o macaco-barrigudo (Lagothrix cana), em cerca de 7% das capturas documentadas.
Os pesquisadores observaram que mesmo em áreas muito desmatadas o estilo de captura (preguiças e primatas) permanecia.
“Harpias dependiam principalmente de grandes presas arbóreas e quase não mudavam para vertebrados terrestres em campo aberto”, dizem os autores.
Foram registrados algumas capturas de gambás, araras e de mutuns-de-penacho. “As harpias foram, portanto, incapazes de mudar para espécies de presas não-florestais em nossa área de estudo”, afirmam os pesquisadores.