SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) — Denunciado sob acusação de importunação sexual pelo Ministério Público de São Paulo, o deputado estadual Fernando Cury (Cidadania), afastado do mandato, não foi encontrado pela Justiça em quatro ocasiões distintas em endereço fornecido por ele às autoridades, em Botucatu (SP).
O sumiço de Cury deve alongar ainda mais o processo.
Em dezembro do ano passado, Cury foi flagrado pelas câmeras da Assembleia Legislativa de São Paulo apalpando a lateral do corpo da deputada Isa Penna (PSOL) durante uma sessão plenária.
Ele foi condenado à perda temporária do exercício do mandato por seis meses em votação unânime do plenário da Assembleia em 1º de abril, após pressão para que a punição não fosse vista como férias ao deputado e para que seu gabinete também fosse atingido.
Isa também levou o caso ao Ministério Público, que investigou e ofereceu denúncia em março.
Antes de analisar se aceita a denúncia e torna Cury réu, o desembargador João Carlos Saletti, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou que o deputado fosse notificado da denúncia e oferecesse uma resposta prévia em 15 dias.
Como mostrou a Folha, Cury tem feito reuniões políticas mesmo afastado do mandato e tem divulgado benefícios a prefeituras que diz ter conquistado junto ao governo João Doria (PSDB).
Seu suplente, deputado Padre Afonso Lobato (PV), manteve parte dos assessores de Cury, inclusive os ligados à campanha, ao partido ou à região de atuação do deputado do Cidadania.
A Folha revelou que, dos 17 funcionários lotados no gabinete de Padre Afonso, 10 foram “herdados” do gabinete de Cury, incluindo a ex-chefe de gabinete Regiane Cristina Mendes. Ela testemunhou a favor de Cury perante o Conselho de Ética da Assembleia.
Apesar da agenda política ativa e divulgada em redes sociais, Cury não foi encontrado pelo oficial de Justiça em Botucatu, sua cidade natal e base política.
Para aliados de Isa Penna, o sumiço do deputado tem como objetivo atrasar o andamento do processo que pode condená-lo com pena de um a cinco anos de prisão.
A deputada Isa Penna informou à Folha que pretende pedir ao Conselho de Ética da Casa que a contagem do tempo de suspensão de Cury seja reiniciada, uma vez que, na sua opinião, o afastamento das atividades parlamentares não está sendo cumprido.
Ainda de acordo com a deputada, o comportamento de Cury está incomodando seus pares na Assembleia.
“Ele não atende ninguém, os deputados estão atrás dele. E ele continua suas atividades como se nada estivesse acontecendo. A Assembleia e o poder da Assembleia ficam questionados. Ele não está nem aí, está muito tranquilo”, diz Isa.
Com base em representação da deputada, o Ministério Público investiga se Cury, presente em reuniões e eventos em que é citado como deputado, manteve atuação parlamentar após a suspensão do mandato.
Em 12 de abril, o desembargador Saletti determinou que o denunciado fosse notificado para oferecer resposta no prazo de 15 dias.
A ordem para notificar Cury foi enviada para a comarca de Botucatu, já que o deputado ofereceu seu endereço residencial no centro da cidade. Devido à burocracia interna da Justiça, o mandado para a notificação saiu apenas no fim de abril.
Segundo os registros no processo, o oficial de Justiça esteve na casa de Cury “nos dias 2 e 24 de maio de 2021, e 2 e 7 de junho de 2021, às 15h55, 09h15, 16h10 e 16h35, respectivamente”, mas não o encontrou.
“Não obtive êxito em estabelecer contato com o telefone constante do mandado, sequer se chegando a completar a ligação, e não obtive outras informações que possibilitassem ao integral cumprimento do mandado”, atestou o servidor em 8 de junho.
Nesse período, Cury registrou em suas redes momentos com a família, em que parecia estar em casa. No dia 23 de maio, por exemplo, ele publicou fotos com os filhos e a mulher assistindo a jogo de futebol.
Também nesse período, entre maio e junho, Cury registrou atividades políticas nas redes. Ele esteve no Palácio dos Bandeirantes, em 14 de junho, acompanhado de prefeitos da região de Botucatu, em um evento em que Doria anunciou investimentos para estradas vicinais.
Em maio, Cury registrou em suas redes um giro por três cidades próximas a Botucatu para entregar verbas para obras. No dia 23 de junho, informado de que a notificação a Cury não foi cumprida, o desembargador Saletti pediu uma manifestação ao Ministério Público, que sugeriu a notificação via edital, o que pode levar meses.
O procurador Mario Antonio de Campos Tebet observou, porém, que a defesa de Cury está ciente do oferecimento da denúncia, pois já se manifestou na imprensa a esse respeito.
Tebet solicitou que o advogado de Cury seja intimado a fornecer um endereço onde o deputado possa ser localizado e informou ao desembargador outros endereços e telefones ligados a Cury.
Saletti ainda não determinou a notificação por edital — que significa publicar a intimação no diário oficial, com prazo para que o acusado tome conhecimento.
A defesa de Isa Penna quer entender se o sumiço de Cury faz parte de uma estratégia para retardar o processo e aponta que o deputado tem o melhor de dois mundos —mantém a atividade parlamentar, mas, por estar suspenso, não tem como ser encontrado em local de trabalho, o que seria mais fácil.
A advogada Mariana Serrano, que representa Isa, afirma que, caso o acusado esteja em paradeiro desconhecido, o procedimento é fazer a citação por edital. Ela defende que o rito seja seguido para evitar que o processo seja anulado, apesar da demora que isso possa ocasionar.
“Preferimos que o caso siga o rito da citação por edital, que nos dará segurança jurídica acerca da validade da citação, para que o processo não venha a ser futuramente anulado diante de uma citação nula”, diz.
Procurada pela Folha de S.Paulo, a assessoria do deputado afirmou não ter conseguido contato com ele. O advogado de Cury, Roberto Delmanto Júnior, tampouco respondeu à reportagem.
Quando a investigação foi aberta pelo Ministério Público, em janeiro, a defesa de Cury chegou a entrar com um recurso contra a instauração da apuração alegando que o deputado não teve a oportunidade de apresentar uma resposta prévia.
Em março, o Órgão Especial do TJ-SP negou, por unanimidade, o recurso do deputado. Agora, em situação semelhante, quando a Justiça determina que Cury seja notificado a responder previamente antes de decidir sobre a aceitação da denúncia, o deputado não foi encontrado.
De acordo com a lei, é crime de importunação sexual praticar contra alguém, e sem a sua anuência, ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.
Caso seja condenado, Cury ficaria sujeito a perder seu mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo. Em relação à inelegibilidade, caso a denúncia seja aceita e haja condenação, Cury teria uma condenação por órgão judicial colegiado e assim já se tornaria inelegível.