Junho é o mês do orgulho LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, queer, intersexo, assexuais, arromânticas, agênero e mais), em memória da rebelião de Stonewall, que aconteceu em 28 de junho em 1969, nos Estados Unidos. Longe de Manhattan e perto das paisagens da caatinga, pessoas LGBTQIA+ do interior da Paraíba, como Sharlienio Domingos e Dayane Rodrigues, fazem suas revoluções diárias.
O mês do orgulho LGBTQIA+ é voltado para celebrar a influência das pessoas deste grupo no decorrer da história, mas também para reivindicar mais inclusão e o fim da LGBTQIA+fobia. Sharlienio, de Cajazeiras, e Dayane, que mora em Solânea, vivem esta luta diariamente.
Eles não se conhecem, mas suas histórias possuem a similaridade de ser LGBTQIA+ no interior do estado, onde a luta por existir pode ser mais árdua e solitária.
“Às vezes, explodo e respondo, sempre com muito, muito medo”
Sharlienio conta com mais de 44 mil seguidores no Instagram. — Foto: Reprodução/Instagram
Sharlienio, mais conhecido como Shasha, tem 21 anos e soube desde cedo que era homossexual. Contudo, só veio revelar a sua orientação sexual depois de muito tempo. A família teve dificuldades de aceitar no início, mas logo isso mudou e Shasha ganhou o apoio da mãe Eliene, da tia Salete e do primo Noberto.
“Minha família era muito preconceituosa. Para eu me revelar foi um pouco difícil no começo, mas hoje, graças a Deus, é tranquilo. Agora, tenho o total apoio da minha mãe, da minha tia e do meu primo”.
Sharlienio e a mãe, Eliene — Foto: Arquivo pessoal/Sharlienio Domingos
Em 2019, ele encontrou nas redes sociais um meio para se expressar. Hoje, já acumula mais de 44 mil seguidores no Instagram, onde compartilha conteúdos humorísticos, sobre maquiagem e divulgação de lojas locais.
Nos conteúdos que produz, Shasha sempre aparece brincando e levando mensagens de alegria aos seus seguidores, porém, fora das redes sociais, já passou por situações em que seu jeito de ser foi alvo de preconceito, inclusive ao fechar parcerias.
“No começo, não era muito bem aceito por causa da sexualidade e do meu jeito. Com o passar dos anos, isso foi diminuindo e hoje sou embaixador de algumas lojas, sou muito grato por isso”.
Mesmo com uma rede de apoio em casa e trabalhando com o que gosta, Shasha ainda ouve por aí muitos comentários preconceituosos que machucam.
“Ouço comentários desagradáveis, infelizmente. Na maior parte das vezes, eu relevo, mas às vezes explodo e respondo, sempre com muito, muito medo”.
Dayane é psicóloga e vive em Solânea, na Paraíba — Foto: Arquivo pessoal/Dayane Rodrigues
Em Solânea, no Brejo paraibano, vive Dayane. A psicóloga de 25 anos nasceu em Patos, mas saiu de casa aos 16 anos para cursar psicologia em João Pessoa. Foi na capital que ela se entendeu enquanto bissexual e, após concluir o curso, decidiu morar no interior com a namorada.
A tranquilidade de viver em uma cidade pequena nem sempre é presente na vida de uma pessoa LGBTQIA+. Dayane já teve seu direito de existir questionado até no apartamento onde morava, quando vizinhos reclamaram dela e da namorada trocarem carinho dentro de casa.
“Foram reclamar na imobiliária que a gente estava se acariciando dentro do nosso apartamento. E quando minha namorada foi pagar o aluguel, reclamaram. A gente nem sabe como essas pessoas estavam vendo isso”.
Apesar da LGBTQIA+fobia estar presente em todas as cidades, para Dayane, a principal dificuldade no interior é a solidão. Na capital há uma presença mais forte de coletivos e centros de referência LGBTQIA+. Segundo ela, a coletividade é uma rede de apoio necessária.
“Acho que falta essa questão do coletivo, de falar mais sobre e desmistificar o que é. Explicar que não é uma doença, um pecado, mas uma forma de ser no mundo. O Centro de Referência LGBT é uma rede de apoio sólida. Se existissem centros como esse no interior, onde as pessoas não têm espaço/ajuda, seria extraordinário”.
Segundo Dayane, a solidão de ser LGBTQIA+ no interior existe em três níveis: familiar, social e nos relacionamentos amorosos.
“Você se sente desconexo do lugar onde nasceu ao passo que se descobre LGBT. Aos poucos, vai se fechando no seu mundo interno porque não tem com quem conversar e se torna recluso. Se há o medo interno de colocar a sexualidade para fora, isso existe em outros LGBTs. Então, haverá a dificuldade de encontrar um amor por causa dessa pressão social”.
Dayane e a namorada, Jéssica — Foto: Arquivo pessoal/Dayane Rodrigues
Atualmente, Dayane busca ajudar outros adolescentes e jovens LGBTQIA+ do interior, por meio da psicologia. Ela trabalha como psicóloga em Solânea e busca voltar seu atendimento para questões da sexualidade feminina e LGBTQIA+.
“Decidi ficar porque penso que, existindo aqui, posso oferecer amparo, enquanto psicóloga para outros jovens LGBTs deste local”.
Saúde mental LGBTQIA+
Uma pesquisa da organização #VoteLGBT, com pesquisadores da Unicamp e Universidade Federal de Minas Gerais, entrevistou cerca de 10 mil pessoas LGBTQIA+, das cinco regiões do Brasil, sobre os impactos da pandemia.
A maior dificuldade citada foi a saúde mental (42,72%), seguida de novas regras de convívio (16,58%). Os entrevistados citaram ainda a solidão (11,74%), dificuldades no convívio familiar (10,91%), falta de dinheiro (10,62%) e falta de trabalho (7%).
Segundo Dayane, ter uma rede de amparo é fundamental para a saúde mental da pessoa LGBTQIA+, pois quebra um ciclo de solidão que mexe com diversas instâncias da vida.
“Quando falta apoio, o LGBT se fecha dentro de si, pois é melhor se manter em um casulo do que tentar conservar conexões e receber discriminação. Essa solidão mexe com todas as instâncias da vida e pode causar muitos problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade. Por isso, ter uma rede de amparo é tão importante”, concluiu.