O dia 17 de maio foi escolhido para representar a causa de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros, tendo em vista a conscientização da sociedade sobre a luta contra a discriminação e violência dessa comunidade. Na Paraíba, o fotógrafo Beto Maia fez um ensaio fotográfico especial, com mensagens de dor e resistência, que denotam um conceito das situações vivenciadas pelo grupo LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, queer/questionando, intersexo, assexuais/arromânticas/agênero e mais).
De acordo com a Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (SEMDH), em 10 anos, foram 145 mortes registradas.
A data foi definida após a exclusão dos termos “homossexualismo”, que traz um sentido relacionado à doenças, e homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 17 de maio de 1990.
O objetivo do movimento social, envolto à data, é debater os mais variados tipos de preconceitos, vivenciados diariamente, contra as diferentes orientações sexuais e identidades de gênero, além de impulsionar o desenvolvimento de uma conscientização civil sobre a importância da criminalização da homofobia, transfobia e bifobia.
Nesse sentido, o fotógrafo Beto Maia, que sempre seleciona perfis relacionados às minorias sociais para seus trabalhos, realizou um ensaio com 4 pessoas da comunidade LGBTQIA+. Os modelos Daniel Alves, Jessiel Mello, Marina Batista e Natallie Albuquerque puderam expressar, de forma corporal e imagética, os sentimentos por trás de histórias de dor e resistências.
Para o fotógrafo, o editorial tem um significado muito importante, porque a luta contra todas as formas de preconceito é constante, desde um olhar até um ato violento. “Eu voltei pra casa depois das fotos com uma felicidade gigantesca por estar me sendo representado nele e também por, de certa forma, dar mais voz à comunidade LGBTQIA+”, afirmou Beto, refletindo sobre os elementos precisos para que o preconceito e intolerância sejam vencidos.
“Minha vida inteira me reprimiram que não conseguia falar o que eu pensava e sentia, e através da arte da fotografia eu consegui me expressar”, disse Beto.
“O erro não está em mim”
A professora e pesquisadora Marina Souza já sofreu preconceito em praticamente todos os espaços sociais: familiar, nos espaços de educação e na vida profissional. Com uma infância reprimida e uma adolescência de sofrimento, o conflito entre ser como queria ser e se comportar da forma que as pessoas diziam que ela precisava, causou muita dor.
O início de sua juventude foi de angústia. Achava que tinha vindo ao mundo “defeituosa” e sempre tentou fazer tudo “a mais” do que as outras pessoas, para que os outros pudessem reconhecer que ela não era menos capaz.
Marina Batista usa a expressão corporal para manifestar o preconceito sofrido pelas mulheres lésbicas — Foto: Beto Maia/Arquivo Pessoal
Para Marina, por meio do engajamento social ela conseguiu sair da casca que a aprisionava. O privilégio de ter estudado como algo que a fez entender de onde vem a violência histórica que sofre. Suas cicatrizes são inapagáveis, mas hoje tem o apoio da família, amigos e, sobretudo, de si mesma.
“Não somente por ser uma mulher lésbica e não ter vergonha dos meus afetos, mas principalmente por performar um padrão que não é considerado feminino na nossa sociedade, sendo assim taxada pelas pessoas como ‘menos mulher'”, relata.
O designer de moda Daniel Alves acredita que o mundo é fantástico, cheio de riquezas, saberes, diversidade e miscigenado. Apesar disso, às vezes tem a impressão que quando dá um passo para a frente, outros três são dados para trás. “Temos que fazer o diferencial quando todos fazem o igual”, afirma.
Daniel Alves participou do ensaio em memória ao dia da luta contra LGBTfobia — Foto: Beto Maia/Arquivo Pessoal
No meio de tanta alegria, um episódio de homofobia seguida de agressão dentro do ônibus quando ia para o trabalho tirou um pouco da sua visão. Seu sistema psicológico ficou bastante afetado. Teve síndrome do pânico e não conseguia sair de casa.
“Eu olhava para as pessoas e achava que todas elas sabiam que eu fui agredido, tinha vergonha. Lembro que pedia para meus familiares me deixarem e me buscarem na parada de ônibus durante um bom tempo. Mas, não podia deixar esse medo me consumir e busquei forças de onde não sabia que tinha para fazer encarar e seguir”, relata.
A modelo e dançarina Natallie Albuquerque enxerga que, apesar de grandes mudanças tecnológicas e de comportamento, muitos valores da sociedade ainda não mudaram.
“Todos sem exceção tentando justificar suas vidas, alguns vivendo o que acreditam e outros vivendo o que outros gostariam que vivessem, e o grande desafio é esse. Viver cada dia e aceitar seu dia sendo o que você esperava ou não; e trabalhar para ser o que você deseja ser”.
Natallie Albuquerque acredita que apesar de tantos avanços, muitos valores da sociedade ainda não mudaram — Foto: Beto Maia/Arquivo Pessoal
Mulher trans, ela recorda uma ocasião em que foi impedida por outra mulher de usar o banheiro feminino. Tentou argumentar com a agressora, mas ao ver como era desinformada, usou o banheiro e foi embora.
“Fiquei muito triste com isso, mas sei que o erro não está em mim e sim na ignorância de quem me atacou”.
O estudante de Rádio e TV Jessiel Mello menciona uma certa passibilidade em relação à violência. Ciente de que o preconceito e racismo que sofre são mais brandos do que o passado por amigas trans e lésbicas, seu conflito foi mais interno: de se entender enquanto pessoa bissexual. Achava que era apenas gay ou que estava confuso.
“Sofri muito com isso, me deixou muito tempo travado. Acredito que se eu tivesse tido uma liberdade maior antes, hoje eu seria outra pessoa”, ressalta.
Jessiel Mello acredita que cada um tem o seu tempo de se descobrir e isso precisa ser respeitado — Foto: Beto Maia/Arquivo Pessoal
Hoje, consegue se aceitar e conviver naturalmente com a orientação sexual. Assumido para a família, com uma casa e um relacionamento estável, Jessiel buscou a independência financeira para se libertar e perceber que ele não se resume à sua sexualidade.
O estudante enxerga nas redes sociais uma forma de denunciar essas formas de violência, mas é uma faca de dois gumes para ele. Ao mesmo tempo que pode ser um instrumento de denúncia, é mais fácil ficar exposto e vulnerável a agressões. Apesar disso, é apenas reivindicando que vem a mudança e projetos sociais, como o ensaio fotográfico, que são formas de luta para ele.
“Falar de temas como esse ajuda ‘jovens Jessiel’ que estão se descobrindo ainda, a se descobrir antes. Não esperar chegar seus 25 anos para se descobrir; entender quem são. E tudo bem, cada um tem o seu tempo de se descobrir. Não tem pressa. Vá pelo seu tempo, se conheça. (…) Tudo bem se assumir depois dos 50, tudo bem se assumir depois do casamento. Tá tudo bem, não tem pressa nenhuma”.
Todos militantes da causa LGBTQIA+, lutar por direitos humanos foi o que os fortaleceram. “Se eu sou do meio LGBT, eu não posso virar as costas para minha amiga trans. Esse preconceito não atinge só a ela, atinge toda uma massa de pessoas como ela”, disse Jessiel.
“Mesmo assim preciso ser forte todos os dias quando saio na rua e enfrento os olhares de repressão das pessoas. Hoje, através da minha profissão e de meus projetos, eu procuro acolher e fortalecer através do conhecimento os LGBTs que vivenciaram processos parecidos ou até mesmo mais dolorosos do que os meus”.
O discurso empoderado traz consigo as vivências de dor e sofrimento. E é através dessa luta e reconhecimento que outros tantos podem se sentir livres para viverem e se permitirem. “Não é só uma fase, não é indecisão, não é porque eu não conheci uma mulher de verdade ou porque eu não nasci como deveria ser. Realmente deve ser muito difícil entender que eu já estou cansado de ser vítima, cansado de lutar pela minha vida”, declamaram os participantes durante o ensaio.
“Não quero fazer parte dessa porcentagem. Estamos cansados de pedir, iremos exigir! Se nos foi negado o que é nosso por direito, iremos reivindicar. Reivindico qualidade de vida, direitos jurídicos, oportunidades sociais, liberdade de expressão, representatividade e respeito”.
Aumento de violências durante a pandemia
Mesmo com avanços e criações de políticas públicas, o cenário de violência contra pessoas LGBTQIA+ na Paraíba é preocupante. No período da pandemia da Covid-19, foram 4.736 atendimentos remotos no Espaço LGBTQIA+ de João Pessoa. São 2.206 usuárias/es/os cadastrados e 31.075 atendimentos em 10 anos. Em 2020, o setor de psicologia foi o mais procurado, com 258 atendimentos.
O coordenador do espaço, Victor Pilato, explica que no período foi visto um aumento na violência familiar. Dos 150 casos registrados, 109 eram deste tipo. Além disso, o isolamento social prejudicou além do financeiro, o psicológico da população LGBTQIAP+, com grandes registros também de discriminação na Internet.
“Foram xingamentos, palavras de baixo calão, palavras pejorativas entre outras. (…) Ficaram sem emprego, sem nenhum tipo de renda; e por ser LGBTQIA+, ainda aumenta a vulnerabilidade. Daí com a pandemia outros ‘gatilhos’ psicológicos foram ativados e somatizou o desequilíbrio”, diz Victor.
Segundo ele, foi o maior número de atendimento do mesmo período desde 2011, quando o Espaço LGBT de João Pessoa foi criado. Além disso, o caso de pessoas da comunidades despejadas e desabrigadas também subiu.
Em entrevista ao G1 em 2020, o delegado Marcelo Falcone explicou que a maioria das ocorrências registradas na delegacia vêm do âmbito familiar. “Geralmente vem de pessoas mais próximas: conhecidos, vizinhos, parentes. A LGBTQIA+fobia está em todos os lugares: nos públicos, no mal atendimento, em locais privados também”, disse o delegado.
Ainda de acordo com Marcelo, o agressor e tipo de agressão são diferentes de acordo com a identidade da pessoa. Conforme o delegado, mulheres trans/travestis tendem a sofrer mais com a violência de rua ou com ataques de companheiros. Já as mulheres lésbicas são a maioria das vítimas de ocorrências de violências dentro de suas casas. Ele ressalta que a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em ambos os casos.
Onde procurar apoio
Denúncias podem ser feitas no Disque 100 e Disque 123. Devido à pandemia de Covid-19 e a exigência de isolamento social, a Polícia Civil da Paraíba disponibilizou o boletim online, onde a ocorrência também pode ser registrada.
O Espaço LGBT também pode acompanhar o caso através dos números (83) 9 9119-0157 para João Pessoa e (83) 9 9163-3465 para Campina Grande.
Victor Pilato explica que, ao serem despejados, o Espaço LGBT dá encaminhamento para o Centro de Cidadania LGBT de João Pessoa ou para o Creas POP, para que essa pessoa seja inserida nas Casas de Acolhida ou Auxílio Aluguel.
“Temos feitos parcerias para qualificação profissional, entrega de cestas básicas, orientações para busca do auxílio emergencial e, nos que se enquadram no perfil, entrar para o Empreendedor PB”, conclui.