Aumenta consumo de ovos por causa da crise, mas ração de galinhas fica cara, e produtor perde
O que poderia ser uma oportunidade acabou se revelando um problema. A substituição da carne bovina pelos ovos na dieta de grande parte dos brasileiros nos últimos meses, consequência da alta dos preços da proteína, não trouxe grandes lucros para os avicultores.
Apesar do crescimento no consumo verificado nos últimos anos, fruto de um trabalho de conscientização sobre as qualidades e benefícios do ovo para a alimentação e a saúde, os produtores entraram em 2021 contabilizando prejuízos e já veem o risco cada vez mais crescente de abandonar a atividade.
No ano passado, os brasileiros consumiram em média 251 ovos por pessoa, diz Edival Veras, diretor-comercial do Instituto Ovos Brasil, associação que representa aproximadamente 80 avicultores de todas as regiões do país. Isso representa um salto de 72% em dez anos. Em 2010, o consumo era de 148 ovos por pessoa.
Veras afirma que o crescimento manteve a curva de 10% por ano que o setor vinha registrando, mesmo diante das incertezas trazidas pelo emperramento da economia global.
De acordo com o executivo, o crescimento pode ser atribuído, em parte, ao auxílio emergencial. Neste ano, a situação tende a ser diferente: a previsão é de queda, com um consumo de 225 ovos por pessoa ao ano.
“No ano passado, houve de fato houve uma procura maior pelos ovos devido à queda no poder de compra do consumidor e ao auxílio emergencial, que ajudou os consumidores principalmente de classes mais baixas”, afirma Veras.
Margens negativas
A substituição das proteínas é uma situação comum em momentos de crise em economias ou de inflação dos alimentos, mas o fenômeno não teve impacto direto na renda dos produtores. Isso porque uma situação excepcional elevou a patamares nunca antes vistos os preços da soja e do milho, principais insumos para a criação de galinhas. Com a alta nos preços das commodities, os produtores estão vendo as margens se esfarelar.
Na ração das galinhas, o milho responde por 60% da composição, enquanto o farelo de soja representa 30%. Os 10% restantes são produtos como vitaminas e sais minerais.
Como se não bastasse tudo isso, a falta de chuvas, que prejudicou o desenvolvimento da safra de soja e atrasou o plantio do milho, tende a manter o preço dos insumos em alta.
Isso sem falar no aumento no preço das embalagens, que triplicou, segundo Veras. Aliado a tudo isso, a demora sobre a definição do pagamento do auxílio emergencial neste ano e a diminuição no valor do benefício tornam a situação dos avicultores bastante preocupante.
“O fato é que hoje a gente trabalha com margem negativa”, diz o executivo.
Busca de salvação online
Katsuhide Maki, presidente do Sindicato Rural de Bastos, cidade do oeste paulista conhecida como a “capital do ovo”, confirma o cenário difícil. Produtor de ovos vermelhos, Maki diz que, há dois anos, com uma caixa produzida nas granjas, era possível comprar dois sacos de milho. “Hoje a caixa paga um saco e um pouquinho.”
De acordo com o avicultor, a situação está se tornando inviável para os produtores, que não têm como repassar todos os custos para o consumidor final. Ele diz que a alta nos preços dos insumos, aliada ao problema da seca, deverá tornar a atividade impraticável. “Eu não sei mais como vamos fazer.”
A situação é tão preocupante que pessoas ligadas à cadeia do ovo, ao lado de pessoas da região que não têm qualquer relação com produção, criaram uma petição online para recolher assinaturas a fim de sensibilizar a ministra da Agricultura e o presidente da República para “salvar a produção de ovos” e garantir que os brasileiros continuem consumindo ovos de qualidade e com preço acessível.
Segundo o site Avaaz, onde a petição foi publicada, os altos encargos, o excesso de leis e de regulamentação, a burocracia e o alto custo dos insumos têm colocado a atividade em risco. Os idealizadores acreditam que o produto pode encarecer e perder qualidade, o que acabaria afetando diretamente os consumidores.
Romeu Leite é sócio de uma granja de ovos orgânicos em Jaguariúna, no interior de São Paulo. Para ele, a produção de orgânicos vive os mesmos problemas do setor tradicional, com um agravante: desde a base, os custos dos insumos já são mais elevados do que os tradicionais.
De acordo com Romeu, nos últimos anos o preço final do ovo cresceu 6%. Por ser um mercado menor e segmentado, é comum que os produtos livres de agrotóxicos tenham preços mais elevados. “Há quatro anos, pagávamos R$ 20 reais numa saca de milho. Hoje, a mesma saca está custando R$ 180”, diz.
O reajuste foi inevitável, segundo ele. “O preço dos grãos mais que dobrou nos últimos dois anos. E o grão orgânico lógico que subiu bastante. A gente chegou à conclusão que tinha que subir porque o preço não estava pagando mais [os custos].”
Nos orgânicos, pandemia ajudou demanda reprimida
O avicultor relata que sempre trabalhou com demanda maior do que a oferta. Com o início da pandemia, apesar de notar mudanças sensíveis na comercialização, diz que a procura pelos ovos orgânicos se intensificou.
“Em termos de demanda não caiu nada. A gente sempre trabalhou com demanda reprimida. Eu tenho a impressão de que estamos deixando de atender muito mais gente do que antes neste momento”, diz Romeu.
No universo da agroecologia, é comum que as vendas sejam feitas em feiras segmentadas. Romeu diz que, das cerca de oito feiras que fazia por semana, hoje faz no máximo duas. Em compensação, as vendas em domicílio, uma prática muito ligada à agricultura orgânica, aumentaram. Isso porque muitos consumidores que costumavam frequentar as feiras passaram a demandar entregas em domicílio.
A adaptação reflete a fidelidade de consumidores com um poder de compra um pouco maior e que não abrem mão de hábitos alimentares saudáveis. Nem todos têm esse privilégio.