RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) — Mais de dois anos depois do incêndio que destruiu parte do Museu Nacional, surge uma nova descoberta. Trata-se das vértebras de um dinossauro de grandes proporções, de uma espécie provavelmente ainda desconhecida, com cerca de 80 milhões de anos.
É a segunda vez que o fóssil é resgatado. A primeira foi numa expedição “hercúlea” de paleontólogos da instituição no Mato Grosso, entre 2003 e 2006, que retirou duas toneladas de material após horas de estrada de terra, carro 4×4 e chuvas torrenciais.
A mais recente foi em fevereiro, em um trabalho também minucioso, dessa vez lidando com outro tipo de soterramento. O esqueleto ficava no térreo e foi esmagado pelos dois andares superiores do palácio bicentenário no Rio de Janeiro na tragédia de 2018. Mesmo assim, saiu quase intacto, com poucas alterações causadas pelo calor.
“Foi um momento de muita emoção, algo fora do comum”, disse a paleontóloga Luciana Carvalho, uma das coordenadoras do núcleo de resgate, em entrevista coletiva nesta terça (6). “A gente esperava não encontrá-lo, mas, para a nossa surpresa, os blocos foram aparecendo e ossos estavam praticamente intactos.”
A hipótese é de que o soterramento tenha protegido as vértebras do contato direto com o fogo. Os pesquisadores também acham que o processo de substituição mineral, pelo qual os ossos passaram durante a fossilização, ajudou o material a resistir ao incêndio e ao desabamento. Ainda não se sabe ao certo o que o fóssil representa. Os dois blocos com os ossos retirados dos escombros já estavam sendo estudados antes do incêndio e em breve voltarão às análises, “ainda mais agora que ganharam uma segunda vida”, comemora Carvalho.
É provável que se trate de uma nova espécie de titanossaurídio, aquele dinossauro conhecido por alcançar o topo das árvores com o pescoço comprido. O palenontólogo e diretor do museu, Alexander Kellner, acredita que será possível descrevê-lo até o ano que vem.
O “dinossauro do Mato Grosso”, como foi apelidado, se junta a outros resgates feitos desde o incêndio, como o crânio de Luzia -o esqueleto humano mais antigo da América, que revolucionou as teorias sobre a ocupação do continente- e os amuletos que ficavam dentro de uma múmia egípcia de 3.000 anos, nunca vistos antes.
Até agora, foram encontrados itens de 14 das 25 coleções localizadas no palácio, incluindo as áreas de antropologia, botânica, geologia e paleontologia, invertebrados e vertebrados. Os setores de entomologia (insetos) e de memória e arquivo, por exemplo, foram quase inteiramente perdidos.
A equipe formada inicialmente por 76 profissionais para revirar os escombros e procurar as peças perdidas agora conta com 30 pessoas, responsáveis por finalizar as últimas três salas ainda não escavadas. Só depois disso eles farão um inventário detalhando tudo o que foi achado e iniciarão a recuperação dos itens.
O resgate do acervo e a reconstrução do museu atrasaram por entraves nas licitações, na obtenção de verbas e também pela pandemia do novo coronavírus. A ideia era terminar as buscas em abril de 2020, mas os pesquisadores tiveram que interromper o trabalho várias vezes pelo risco de contaminação.
Enquanto as escavações estavam paradas, eles faziam visitas esporádicas para checar o material, escreviam os protocolos que serão usados no inventário e relatavam todo o trabalho pré-pandemia no livro “500 dias de Resgate: Memória, Coragem e Imagem”, lançado agora e disponível para download no site do museu.
Os itens resgatados, ainda acondicionados em contêineres do lado de fora do palácio, serão levados em breve para uma sala com umidade e temperatura controladas no novo campus que está sendo construído num terreno próximo ao estádio do Maracanã (zona norte do Rio).
Ele vai abrigar a administração (único prédio já pronto), as salas de aula e os laboratórios dos pesquisadores que perderam seus espaços de trabalho com a tragédia. O campus estava previsto para ser inaugurado neste ano, mas a nova previsão é para o primeiro semestre do ano que vem.
Já a reconstrução total do palácio ainda está longe, estimada para 2025. A ideia é concluir as licitações e começar as obras até o final de junho, inaugurando parte da fachada e os jardins até setembro de 2022, quando o Brasil comemora o bicentenário de sua independência.
Questionado, o vice-reitor da UFRJ (responsável pelo museu) disse que a universidade rejeita a articulação de uma ala monarquista do governo Jair Bolsonaro que quer transformar o palácio em um centro turístico dedicado à família imperial, deslocando o acervo científico.
“Entendemos que temos autonomia acadêmica para isso garantida constitucionalmente. Vamos reconstruir de acordo com o que está planejado”, afirmou. “Dom Pedro 2º está se revolvendo no túmulo com uma ideia dessa”, acrescentou Kellner, diretor do museu.
A instituição ainda não tem a verba necessária para o restauro. Até agora, foram captados ou assegurados cerca de 65% dos R$ 380 milhões previstos no total. O orçamento inclui as obras do palácio, a reforma da biblioteca central, a construção do novo campus e todo o trabalho de museografia.
“Uma das coisas mais importantes é a recomposição das nossas coleções, mas temos que merecer essas novas coleções, e só vamos transmitir essa confiança ao reconstruir um palácio com as melhores condições de segurança para as pessoas e para o acervo”, afirmou Kellner.