Em julgamento tenso e marcado por reviravolta, a maioria da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que o ex-juiz Sergio Moro atuou com parcialidade em investigações e processos da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O julgamento reforça a anulação das condenações do petista determinada no início de março individualmente pelo ministro relator da Lava Jato, Edson Fachin. As duas decisões permitem que o petista retome seus direitos políticos e dispute a eleição presidencial de outubro de 2022, a não ser que seja novamente condenado em segunda instância até lá.
Os processos agora terão que ser refeitos na Justiça Federal do Distrito Federal e as provas produzidas quando Moro era juiz dos casos dificilmente poderão ser reaproveitadas, já que sua conduta foi considerada suspeita.
O julgamento chegou a formar maioria contra Lula, após o voto do ministro Kassio Nunes Marques, que recusou o recurso do petista. No entanto, o voto decisivo foi da ministra Cármen Lúcia, que mudou a posição contrária ao recurso de Lula que havia adotado no final de 2018, quando o habeas corpus começou a ser julgado.
O resultado final do julgamento está em 3 a 2, com Gilmar Mendes e Lewandowski completando a maioria a favor de Lula. Já Kassio Nunes Marques e Edson Fachin votaram contra o recurso do petista.
O julgamento iniciado em 2018 foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Com o passar do tempo, a situação ficou mais desfavorável para Sergio Moro.
As acusações contra o ex-magistrado ganharam peso após o portal de notícias The Intercept Brasil revelar, em julho de 2019, diálogos privados entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato, em que o juiz adotava condutas ilegais em parceria com o Ministério Público Federal.
“Alguns dados novos foram sendo introduzidos para clarear alguns dados que não tinham, na minha compreensão, uma comprovação inicial”, disse a ministra em seu voto, sem citar diretamente a série de reportagens Vaza Jato.
Segundo a ministra, esses “dados novos” reforçaram o entendimento de que conduções adotadas pelo ex-juiz nos processos contra Lula não foram imparciais. Para Cármen Lúcia, Moro atuou ilegalmente ao autorizar a interceptação de telefones de advogados do ex-presidente e quando determinou a condução coercitiva do petista em 2016, sem primeiro intimá-lo a depor.
“Todo mundo tem direito a um julgamento justo, aí incluído o devido processo legal e aí incluído a imparcialidade do julgador”, afirmou também a ministra.
Embate sobre diálogos da ‘Vaza Jato’
O uso dos diálogos da Vaza Jato para considerar Moro parcial foi alvo de grande controvérsia. Um dos argumentos de Nunes Marques para rejeitar o recurso de Lula é o fato das conversas reveladas na série de reportagens Vaza Jato terem sido obtidas por hackers de forma ilegal.
“Se fosse permitido o uso da prova ilícita, os litigantes poderiam exercitar toda forma de transgressão em busca de evidências que sustentassem suas alegações. De modo tal que o processo, em vez de um espaço de autoridade e pacificação, se transformaria num campo para competição tresloucada por provas a todo custo”, disse, ao votar.
“Seria uma grande ironia e um prenúncio de um looping infinito de ilegalidade aceitarmos provas ilícitas resultantes portanto de um crime para comprovar um suposto crime praticado para apurar outro crime. E aí registro eu: dois erros não fazem um acerto”, acrescentou.
Antes de passar a palavra para o voto de Cármen Lúcia, o ministro Gilmar Mendes, que preside a Segunda Turma, reagiu com irritação ao voto de Nunes e contestou seus argumentos.
Segundo ministro mais antigo da Corte, Mendes disse que há precedentes no STF que permitem o uso do habeas corpus para questionar a imparcialidade de Moro. Ele também disse que votou pela suspeição do ex-juiz por causa de sua conduta processual contra Lula, e não por causa dos diálogos da Vaza Jato, que não foram citados no recurso do petista.
Para Mendes, Moro atuou ilegalmente ao autorizar a interceptação de telefones de advogados do ex-presidente e quando determinou a condução coercitiva do petista em 2016, sem primeiro intimá-lo a depor.
“Não importa o resultado desse julgamento. A desmoralização da Justiça já ocorreu. O tribunal de Curitiba é conhecido mundialmente hoje como um tribunal de exceção. Este nos envergonha”, disse ainda.
O ministro Lewandowski também reforçou que seu voto não foi baseado nas mensagens da Vaza Jato. Ele apontou condutas de Moro que considerou parciais, como o adiamento de um depoimento de Lula marcado para agosto de 2018 sob o argumento de que poderia ser explorado politicamente no período eleitoral, e a decisão de derrubar o sigilo da delação do ex-ministro da Economia Antônio Palocci a poucos dias da mesma eleição.
Os ministros decidiram que o resultado do julgamento afeta apenas os processos contra Lula, não tendo impacto sobre outros casos da Lava Jato julgados por Moro.
No momento, as condenações contra Lula na Lava Jato estão anuladas por determinação individual de Edson Fachin, tomada no início do mês.
Com essa decisão, o petista retomou seus direitos políticos e poderá disputar a eleição de outubro de 2022, a não ser que seja novamente condenado em segunda instância até lá.
A decisão de Fachin, porém, ainda pode ser revertida no STF.