RIO DE JANEIRO, SP (FOLHAPRESS) — A paralisação na distribuição de vacinas contra a Covid-19 na semana passada causou um impacto significativo na imunização do país. A pausa provocou um atraso na vacinação de quase 400 mil pessoas, incluindo primeira e segunda doses.
O Brasil vinha aplicando em média 1,3 milhão de unidades por semana no primeiro mês da campanha. Mas entre os dias 22 e 28 de fevereiro, quando a fonte secou, esse número caiu para cerca de 900 mil, mostram dados do governo federal que são atualizados diariamente. É o equivalente a uma média de 50 mil pessoas a menos por dia.
Várias cidades tiveram que alterar seus calendários quando viram seus estoques se esgotarem sem novas remessas do Ministério da Saúde à vista. As primeiras capitais a passarem pela escassez foram Campo Grande, Teresina, Cuiabá, Salvador e Rio de Janeiro.
Os cariocas chegaram a ficar oito dias com a vacinação suspensa. Se antes o município previa englobar os idosos acima de 60 anos até o fim de março, agora subiu a idade limite para 67 anos no mesmo prazo, isso se os lotes prometidos realmente chegarem.
No Nordeste, Salvador e Fortaleza tiveram que fechar temporariamente alguns postos de imunização, e João Pessoa decidiu suspender a aplicação nos trabalhadores da saúde para priorizar os idosos com mais de 85 anos.
A cada fase da campanha, os grupos alvo a serem vacinados só crescem, demandando mais e mais doses. A projeção da população brasileira acima de 80 anos, por exemplo, é de 2 milhões de pessoas, enquanto a faixa dos 70 a 79 anos abrange 9 milhões de pessoas.
A seca da semana passada aconteceu porque os dois laboratórios que estão abastecendo o país ficaram semanas sem entregar remessas, e o governo ainda não tem outras fontes de imunizantes, apesar de estar negociando com outras iniciativas.
O Instituto Butantan repassou um lote de 1,1 milhão de doses no dia 5 de fevereiro e depois só voltou a enviar remessas no dia 23 — a data que todos os prefeitos e governadores estavam ansiosamente aguardando. O lote dos últimos dias somou 4,6 milhões de doses.
Naquela mesma terça-feira, a Fiocruz importou mais 2 milhões de doses prontas do Instituto Serum, um dos centros da farmacêutica AstraZeneca na Índia, para compensar o atraso na sua produção própria, que só deve começar a dar frutos daqui a duas semanas.
No total, a fundação pretende fornecer 100 milhões de doses envasadas com o IFA (insumo farmacêutico ativo) da China no primeiro semestre e mais 110 milhões com a matéria-prima inteiramente nacional, mas essa segunda etapa também já está ameaçada por atrasos.
“Produzir aqui a vacina é todo um processo. Tem que validar os lotes de IFA, validar o registro de local de fabricação do IFA […] Sabemos que vamos ter percalços em um processo que se fazia em anos”, disse Maurício Zuma, presidente da fábrica de Bio-Manguinhos, à agência Reuters recentemente.
Diante da paralisação da semana passada, o Ministério da Saúde recomendou que os gestores reservassem a Coronavac para as segundas doses, apesar de o ministro Eduardo Pazuello ter gerado um ruído dizendo a prefeitos, dias antes, que as cidades não precisariam mais fazer o estoque porque haveria garantia de produção.
“Tendo em vista o intervalo entre as doses, e considerando que ainda não há um fluxo de produção regular da vacina, orienta-se que a segunda dose seja reservada para garantir que o esquema vacinal seja completado”, dizia informe técnico da pasta.
Como essa orientação já vinha sendo seguida pela maioria dos estados e municípios, a paralisação não afetou a aplicação das segundas doses.
O ministro chegou a prometer, em uma live ao lado do presidente Jair Bolsonaro em 14 de janeiro, que a esta altura o Brasil estaria em primeiro lugar no mundo em número de vacinas aplicadas contra a Covid-19 e já teria superado inclusive os EUA.
“A partir do início [da imunização], com duas, seis ou oito milhões de doses já em janeiro, nós vamos nos tornar o segundo ou o primeiro, talvez atrás dos EUA, país que mais vacinou no mundo. E quando entrarmos em fevereiro, com a nossa produção em larga escala e o nosso PNI [Programa Nacional de Imunizações], que tem 45 anos, nós vamos ultrapassar todo mundo, inclusive os EUA”, afirmou na ocasião.
Quase dois meses depois, porém, a realidade é outra. Com 8,4 milhões de doses injetadas até esta segunda (1º), o país termina o mês de fevereiro não só atrás dos americanos — que já administraram 75 milhões, quase nove vezes o nosso total —, como também depois dos chineses, ingleses, indianos e turcos.
Se considerarmos a taxa por habitantes, então, nosso ranking despenca. O país fica na 47ª posição, com 39,7 doses aplicadas a cada mil habitantes, segundo dados do projeto Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford. O campeão é Israel, com índice de 935, bem à frente de Emirados Árabes Unidos, Reino Unido e Estados Unidos.