Em um cenário de escassez de vacinas como o que vive o Brasil, em que alguns estados interromperam a vacinação por falta de imunizantes, aplicar apenas uma dose em pessoas que já foram infectadas pelo novo coronavírus pode ser uma alternativa para ampliar a campanha da vacinação, segundo a pediatra Flávia Bravo, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
“A base para essa discussão seria: quando você tem uma doença, já acontece um estímulo do sistema imune. Ao fazer uma dose da vacina, você terá uma resposta de retorno que funcionaria como a segunda dose. Mas isso precisa ser melhor investigado e discutido”, afirma a especialista.
A estratégia foi estudada por pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, que revelaram, a partir de um estudo publicado na plataforma medRxiv e ainda não revisado por outros cientistas, que pessoas já infectadas registraram um aumento mil vezes maior de anticorpos neutralizantes após receberem a primeira dose das vacinas da Pfizer e da Moderna, as quais usam a tecnologia de RNA mensageiro, do que pessoas que nunca tiveram a doença. Os anticorpos neutralizantes são anticorpos que impedem o vírus de infectar uma célula.
O estudo foi realizado a partir de soros coletados de 10 pessoas e mostrou que a imunização foi capaz, também, de agir contra a variante da África do Sul, mesmo que com eficácia reduzida.
“Nossos dados sugerem que as vacinas baseadas em uma das primeiras amostras clínicas de SARS-CoV-2 são capazes de aumentar os títulos de anticorpos preexistentes, de modo que podem neutralizar variantes virais resistentes à neutralização altamente divergentes”, diz a publicação.
Apesar de considerar uma alternativa viável, a especialista chama a atenção para o fato de que a tecnologia usada nas vacinas da pesquisa é diferente das que são usadas para a fabricação da CoronaVac e da vacina de Oxford, os imunizantes aplicados atualmente no Brasil.
“São tecnologias diferentes. A tecnologia de RNA tem demonstrado mais eficácia, se sabe que elas fazem um estímulo melhor. Já com a tecnologia das vacinas usadas aqui é diferente”, explica. Tanto o imunizante da Moderna quanto o da Pfizer apresentaram mais de 94% de eficácia com as duas doses. Já a da CoronaVac é de 50,38% menos chances de contrair a doença, e 78% de desenvolver um quadro leve de covid-19; a da vacina de Oxford é 70,4%.
A tecnologia utilizada pela CoronaVac, vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e distribuída no Brasil pelo Instituto Butantan, em São Paulo, é a de vírus inativado, a qual contém em sua composição o novo coronavírus morto a partir de processos físicos e químicos.
Já o imunizante desenvolvido pela Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca, produzido no Brasil pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), no Rio de Janeiro, é fabricado por meio da tecnologia de vetor viral não replicante, a qual utiliza adenovírus que causa resfriado em chimpanzés, modificado em laboratório, como veículo para introduzir fragmentos do vírus nas células e induzir uma resposta imune à doença.
“É possível que seja algo viável dentro da nossa situação? É, mas não tenho essa resposta se vai funcionar com essas outras vacinas. Qualquer estudo que demonstra uma possibilidade de melhora na condução e no controle da pandemia, que permita economizar doses e vacinar mais pessoas, é sempre bem-vindo e deve ser levado com seriedade, porque pode trazer vantagens”, afirma Flávia.
Na França, as autoridades de saúde recomendaram que pessoas que já tiveram covid-19 recebam apenas uma dose da vacina, com aplicação sendo feita em até seis meses após o diagnóstico da doença. No Brasil, a recomendação segue sendo a de aplicação das duas doses para todos.