A britânica e mãe de três Elizabeth Denver, 36 anos, de Steyning, West Sussex, relembrou os momentos de pavor que viveu depois de quase perder sua filha, Millie, 6 anos. O que ela acreditava ser catapora, na verdade, era uma reação à covid que ela sequer sabia que existia. Em depoimento ao Daily Mail, ela contou que Millie começou a se sentir mal na noite de sábado, dia 12 de dezembro, depois que três alunos de sua turma tiveram catapora. A menina apresentou algumas manchas no corpo, ficou pálida, começou a vomitar e teve febre com temperatura de 39,9 graus. Na segunda-feira seguinte, sua temperatura voltou ao normal, mas ela ainda estava sonolenta, sem fome, sofrendo de náuseas e chorando de dor à noite.
Preocupada, a mãe ligou para o pediatra na manhã de terça-feira e foi aconselhada a chamar uma ambulância. Millie chegou ao hospital de Worthing por volta do meio-dia e transferida à noite, em coma induzido, para o hospital de Southampton. Ela permaneceu inconsciente por dois dias e seus pais foram informados pela equipe médica que Millie tinha uma condição chamada Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica Temporariamente Associada ao Sars-CoV-2 (SIM-P) — uma reação à covid-19, que ela devia ter contraído algumas semanas antes, mas estava sem sintomas. “Eu estava realmente pirando. Minha mãe é enfermeira e, quando liguei do hospital para contar o que estava acontecendo, ela começou a chorar. Então, eu soube que as coisas estavam realmente sérias. Antes de colocá-la em coma, meu marido, Glen, perguntou se ela poderia morrer, e a enfermeira falou que não sabia dizer. Não tínhamos ideia de que ela estava com covid. Até ficar doente no sábado, 12, ela estava completamente normal e é uma menina muito ativa. Ela tinha ido para a escola e feito tudo que ela normalmente fazia”, lembra.
“Todos os seus sintomas eram consistentes com catapora, mas quando as manchas não começaram a formar bolhas, fiquei preocupada. Ela estava com tantas dores no carro que você não conseguia tocá-la. Eu tive que carregá-la para o hospital e segurá-la porque ela estava toda mole”, contou. A língua da menina também adquiriu uma cor branca e espessa pouco antes de chegar ao hospital — o que geralmente é consistente com uma infecção de garganta, mas a garganta dela estava bem.
Os exames de sangue revelaram que o fígado e os rins de Millie estavam lutando. “A princípio, eles perceberam que ela estava com uma infecção em algum lugar, mas não conseguiram resolver. A frequência cardíaca dela estava muito alta e eles disseram que iriam colocá-la para dormir, dar um descanso aos órgãos e ajudar seu corpo a se recuperar. Quando a transferiram, ela estava dormindo, com tubos por toda parte e amarrada a um carrinho. Meu coração batia tão rápido e eu me sentia mal, não podia perder meu bebezinho. Eu senti que não conseguia respirar. Eu não pude viajar na ambulância com ela por causa da covid. Eu simplesmente não conseguia lidar com isso. Eu precisava ficar com ela”, conta.
Elizabeth, que também é mãe de Elsie, 9 anos, e Felicity, 12, disse que Millie ficou oito dias se recuperando no hospital, mas, felizmente, a menina recebeu alta no dia 23, a tempo para o Natal. Segundo a mãe, a recuperação foi rápida com o auxílio da fisioterapia. “Foi um alívio ouvi-la rir com as irmãs na véspera de Natal. Dias depois, passamos por parques cheios de crianças brincando juntas. Ninguém sabe que a covid pode ser tão ruim para eles”, finalizou.
SIM-P
Segundo o Daily Mail, o NHS enviou um alerta no dia 27 de abril para os médicos ficarem atentos aos sinais da síndrome. Na época, eles disseram que os casos tinham começado a surgir há três meses, eram raros em Londres, mas desde então, eles se espalharam por todo o país. Estima-se que entre 75 e 100 crianças foram infectadas. A maioria hospitalizada com a doença apresentou febre alta, fortes dores abdominais e diarreia. Alguns desenvolveram erupção na pele e olhos ou lábios vermelhos, enquanto um grupo muito pequeno entrou em choque, no qual o coração é afetado e podem ficar com as mãos e os pés frios e ter respiração ofegante.
Os sintomas são semelhantes aos causados pela doença de Kawasaki, uma condição rara, mas tratável, que afeta cerca de oito em cada 100 mil crianças a cada ano no Reino Unido. Os médicos têm quase certeza de que a doença é causada pelo coronavírus, mas ainda não conseguiram provar. Segundo eles, nem todas as crianças que tiveram a síndrome apresentaram teste positivo para a covid no momento em que ficaram doentes, mas todos tiveram resultados positivos para anticorpos, o que significa que já tiveram o coronavírus no passado. Isso sugere que possa ser um “fenômeno pós-infeccioso”, causado por uma reação exagerada tardia do sistema imunológico, que pode acontecer semanas ou até um mês depois que a criança foi infectada. Segundo a pediatra Liz Whittaker, do Imperial College Healthcare, em Londres, disse que, geralmente, as crianças ficam muito doentes por quatro a cinco dias e começam a se recuperar alguns dias após o início do tratamento.
No Brasil
Em maio deste ano, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) emitiu um alerta sobre a síndrome inflamatória. “Crianças e adolescentes infectados, apesar de apresentarem preferencialmente formas assintomáticas, leves ou moderadas da doença [coronavírus], podem desenvolver manifestações clínicas exuberantes e graves. O documento faz referência aos casos do Reino Unido, completando que também foram registrados casos em países como França, Espanha, Itália e Estados Unidos.
De acordo com o Boletim Epidemiológico 45 do Ministério da Saúde, o Brasil registrou 511 casos da Síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) temporalmente associada à COVID-19 até a Semana Epidemiológica 43, que foi até 24 de outubro. Os casos foram em crianças e adolescentes de 0 a 19 anos, com aumento de 13 casos em relação à Semana Epidemiológica anterior. Há registro de 35 óbitos. Dos casos, 76,7% possuem evidência laboratorial de infecção recente pelo SARS-CoV-2 – os demais (23,3%) histórico de contato próximo com caso confirmado para covid. A predominância de infecções ocorreu em crianças menores, nas faixas etárias de 0 a 4 anos (39,9%) e de 5 a 9 anos (32,9%). Dentre os óbitos, 60% ocorreram em crianças de 0 a 4 anos.