Ouviu falar do tal “superfungo” que chegou ao Brasil e está com medo de mais uma crise de saúde pública ainda em 2020? Saiba que não está sozinho ou sozinha.
Em 2019, preocupados, dois médicos brasileiros e um holandês assinaram um editorial na revista científica “Periódico Brasileiro de Doenças Infecciosas” (The Brazilian Journal of Infectious Diseases)”, questionando os motivos pelos quais o fungo Candida auris ainda não havia sido identificado no país, uma vez que o micróbio já havia chegado aos cinco continentes.
“Será que o Brasil está realmente isolado desse fungo que está em emergência ou será que estamos deixando passar algo?”, questionaram os médicos.
Não demorou muito tempo para que o Candida auris cruzasse fronteiras brasileiras e fosse identificado por aqui.
O primeiro caso foi confirmado no país na segunda semana de dezembro: trata-se de um homem de 59 anos, internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na Bahia.
Para tirar as principais dúvidas sobre o Candida auris e saber se ele realmente merece o apelido de “superfungo”, a CNN conversou com uma das autoras do trabalho publicado em 2019, a infectologista Teresa Cristina Sukiennik.
Afinal de contas, o que é o Candida auris?
Trata-se de uma espécie de fungo do gênero Candida. Isolado pela primeira vez em 2009, quando infectou uma mulher japonesa de 70 anos, começou a se espalhar pelo continente asiático e, em 2016, já tinha chegado a países como Estados Unidos, Coreia do Sul, Índia e Inglaterra.
“As Candidas podem ser de várias espécies e são extremamente comuns no mundo inteiro, dentro e fora de hospitais. Causam doenças comuns, como sapinho na boca de bebês ou assaduras de fralda, e também doenças muito graves, como infecções na corrente sanguínea”, explica Sukiennik.
Qual a diferença do Candida auris para outros fungos do gênero Candida?
São duas diferenças básicas, diz a infectologista. “A primeira delas, é a resistência aos antifúngicos, então é mais difícil de tratar”, diz.
Ela afirma que antifúngicos comuns, usados para tratar doenças causadas por outras espécies de Candida, não funcionam.
“Essa resistência não é uma característica muito comum nesse meio dos fungos. É muito mais comum nas bactérias.”
A segunda característica, segundo Sukiennik, é a dificuldade de se retirar esse fungo dos ambientes. “Isso é muito importante nos espaços hospitalares”, destaca a médica.
“Ele causa doença em pessoas mais imunossuprimidas, criticamente doentes ou então com muitos cateteres e sondas.”
Ela explica que trata-se de um “patógeno oportunista”: o fungo precisa de oportunidade para causar infecção. No caso do Candida auris, a oportunidade surge em pessoas com sistema imunológico enfraquecido.
De onde vem a preocupação com o Candida auris?
“A preocupação vem da possibilidade de surtos dentro de hospitais. Não existe uma preocupação de infecção comunitária, em escolas, entre pessoas saudáveis”, diz a infectologista.
Como o fungo acomete pessoas imunossuprimidas e é resistente a antifúngicos comuns, ele permanece no ambiente – principalmente em superfícies, como equipamentos médicos.
“Existe uma dificuldade de tirar o Candida do ambiente”, aponta Sukiennik.
“Essa é uma característica muito comum em algumas bactérias. E aquelas que normalmente causam surtos hospitalares são muito bem adaptadas a esse ambiente. Permanecem na água, nas superfícies, nos canos de oxigênio. A limpeza do ambiente hospitalar tem que ser muito rigorosa e, mesmo assim, muitas vezes a gente não consegue erradicar tudo”, diz.
Como uma pessoa pode ser infectada?
Acontece como qualquer outra infecção. No entanto, como se trata de um micróbio oportunista, precisa de condições ideais para se proliferar – e o principal fator é a vítima: o Candida auris precisa que o sistema imunológico de um corpo esteja enfraquecido para conseguir infectá-lo.
Todos os fungos do gênero Candida causam doenças?
Não. Vale lembrar que outros fungos Candida fazem parte do conjunto de seres que habitam nosso corpo. “Fazem parte do nosso microbioma. Estão na pele, no intestino e vivem em harmonia conosco”, explica a médica. “Em alguns momentos, essa harmonia é quebrada e aí podem surgir as infecções.”
Tem tratamento?
Sim. “Dificuldade de tratamento não é ausência de tratamento”, destaca a infectologista. Ela explica que o ponto chave, aqui no Brasil, é identificar o fungo.
“É preciso uma tecnologia ainda muito rara por aqui, a Maldi-Tof. É um método de identificação de bactérias e fungos que existe em, no máximo, 25% dos laboratórios brasileiros”, diz.
Outra opção de diagnóstico é por sequenciamento genético, tecnologia ainda mais rara.
Como surgiu?
Darwin explica: mutações e adaptações dos seres vivos produzem alterações genéticas.
“Isso gera mudanças nos perfis metabólicos e estruturais dos microorganismos e eles ficam mais adaptados”, diz Sukiennik.
“Em algum momento, em algum dia, uma bactéria ou fungo começa a apresentar uma nova característica e isso faz com que fique mais bem adaptado ou tenha mais capacidade de causar infecção e se disseminar”, afirma a especialista.
Devo me preocupar?
“O público em geral não deve se preocupar com o Candida auris, porque ele não vai alterar em nada a vida dos cidadãos comuns fora de hospitais”, sublinha a infectologista. Já do lado de dentro dos hospitais, o fungo se junta ao rol de preocupações dos profissionais de saúde.
Mesmo assim, ela não figura entre as maiores ameaças de infecções hospitalares. “É mais uma dificuldade, principalmente nos hospitais onde sua identificação é difícil. Esse é o grande desafio: aparelhar os hospitais e laboratórios para conseguir identificar os fungos Candida”.