Os corpos de um nobre e seu servo no pé da escada. Um antigo afresco indecoroso sendo revelado. Um cavalo puro-sangue, cujo corpo foi redescoberto depois de dois mil anos. Até que um grafite que muda tudo o que sabíamos da cidade de Pompeia e a erupção vulcânica que a destruiu.
Nos últimos tempos, parece que a cada um ou dois meses surge uma descoberta que muda a história da antiga cidade romana, destruída em 79 d.C. quando o Monte Vesúvio entrou em erupção.
Será algo para tirar nosso foco da pandemia? Um repentino interesse mundial pela antiguidade? A ascensão das redes sociais tornando fotos de cavalos antigos virais? Nem tanto. O motivo de tantas descobertas hoje em dia é que, nos últimos anos, a cidade teve suas primeiras grandes escavações depois de décadas.
“As escavações que estão sendo feitas agora são as maiores em pelo menos 50 anos”, afirma Stephen Kay, chefe de arqueologia da British School of Rome, que supervisionou uma escavação nesse sítio de 2015 a 2017.
“Para todos nós, do público aos arqueólogos, as recentes escavações são fascinantes. É a primeira vez na vida que vejo eles escavarem de cima para baixo, do campo para a cidade.”
Trechos ainda subterrâneos da cidade
Quem visita Pompeia, uma das principais atrações turísticas da Itália, costuma comentar sobre o seu tamanho. A antiga cidade é grande o suficiente para nos perdermos nela e, com certeza, o suficiente para que a melhor maneira de a conhecer seja fazendo um tour. “É difícil imaginar o tamanho de Pompeia, mesmo para quem conhece um pouco sobre ela”, comenta a guia turística Fiorella Squillante. moradora de Nápoles.
O que os visitantes muitas vezes não percebem é que apenas dois terços (44 hectares) da antiga Pompeia foram escavados. O restante, 22 hectares, ainda está coberto por destroços da erupção de quase dois mil anos atrás.
Embora haja um consenso na comunidade internacional de que é melhor deixar o restante intacto, pois as verbas seriam mais bem gastas na manutenção do que já foi revelado, em 2017 os arqueólogos começaram a escavar uma nova área.
Até então, as escavações modernas revisitavam construções e áreas que já haviam sido escavadas no passado.
Em vez de descobrir novas construções, pinturas de parede coloridas ou corpos daqueles que morreram tragicamente por conta da erupção, os estudos dos últimos anos têm examinado detalhes que podem ter passado despercebidos. O trabalho de Kay, no cemitério em torno do portão de Porta Nolana, examinou o “tipo e classe de sepultamentos”, por exemplo. A área já havia sido explorada, mas eles voltaram com técnicas modernas.
“Encontramos mais sepulturas do que as que foram retiradas [nas escavações] de 1974 a 1975”, diz ele. Eles até encontraram um exemplo raro de sepultamento de um bebê, cujo corpo foi guardado em uma ânfora.
Porém, é claro que não acharam nenhuma vítima das erupções, que teria sido encontrada durante as escavações anteriores.
A corrida para salvar a antiga cidade
Pode até parecer contraintuitivo, mas temos que agradecer os danos recentes a Pompeia pelas descobertas que estão ocorrendo hoje.
Em 2010, o local ganhou manchetes em todo o mundo quando o Schola Armaturarum – a antiga casa dos gladiadores – desabou.
“Todos nós devemos sentir vergonha pelo que aconteceu”, declarou o então presidente da Itália, Giorgio Napolitano. Os danos foram considerados tão desastrosos para o patrimônio mundial que, no ano seguinte, a União Europeia e o governo italiano reservaram 105 milhões de euros para financiar ações de preservação no “Grande Progetto Pompei”, ou Grande Projeto Pompeia.
A verba foi destinada a apoiar e preservar as partes da cidade que já haviam sido descobertas, em vez de financiar novas escavações.
Os danos às estruturas existentes na parte nordeste do sítio estavam sendo causados pela pressão exercida pela massa física da cidade não escavada. Eram dois milênios de sujeira, terra e materiais da erupção de 79 d.C. pressionando as paredes que tinham também dois mil anos de idade.
Além do que havia se acumulado naturalmente, os arqueólogos anteriores também haviam despejado terra de suas escavações, então havia ainda mais material pressionando as construções. Devido à baixa drenagem, a chuva foi especialmente prejudicial para o local.
Para estabilizar a parte revelada da cidade, decidiu-se escavar o perímetro de três quilômetros ao redor da parte não explorada – conhecida como Regio V – deixando um espaço entre as ruínas e o terço de Pompeia ainda intocado.
Além disso, em uma área em forma de cunha de terra não mexida que se projetava sobre as ruínas, era necessária uma escavação completa de mil metros quadrados para proteger as estruturas ao redor.
Tudo isso significa que, de 2017 a 2019, Pompeia passou por escavações que não eram feitas desde o começo do século 20.
Escavação da ‘nova’ cidade
Para começar, a terra deslocada de escavações anteriores teve de ser removida. Nela, os arqueólogos encontraram itens como ânforas, tijolos e fragmentos de estuque, objetos menos glamorosos que os primeiros exploradores costumavam descartar.
Em seguida, eles atingiram a cidade real, que nunca havia sido explorada.
“Ao empurrarmos a delimitação para trás em até 10 metros, descobrimos novas construções, pois esse era o centro da cidade”, explica Stephen Kay.
Essa área em formato de cunha trouxe à tona duas novas casas: a Casa del Giardino (casa com jardim) e a Casa di Giove (casa de Júpiter), ambas ricas em arte.
As descobertas na Casa di Giove incluem um afresco detalhado de gladiadores, sendo que um deles parece mortalmente ferido (próximo à casa dos gladiadores que desabou, acredita-se que seja um lugar que eles frequentavam); inscrições eleitorais tentando convencer os transeuntes a votarem em candidatos específicos; e o esqueleto de um indivíduo que tentou fugir da erupção carregando um saco de moedas de bronze e prata.
Esse é o indivíduo que acreditava-se inicialmente que teria sido esmagado por uma rocha encontrada em cima de sua cabeça, mas descobertas posteriores revelaram que ele foi asfixiado por fluxo piroclástico – uma mistura quente de gás, lava e detritos lançados pelo Vesúvio no segundo e último estágio da erupção.
Já a Casa del Giardino – assim chamada por seu jardim com pórtico de afrescos – revelou os restos mortais de cinco indivíduos abrigados da erupção em uma sala; um baú de tesouro de pedras preciosas e amuletos; e afrescos incluindo o retrato de uma mulher, que devia ser a dona da casa.
A casa também mudou tudo o que sabemos sobre Pompeia, graças a uma inscrição de grafite em carvão datada de meados de outubro de 79 d.C.
Até então, os historiadores sempre consideraram a data da erupção como sendo 24 de agosto, conforme um relato em primeira mão do escritor romano Plínio, o Jovem.
Os arqueólogos agora acreditam que isso ocorreu em 24 de outubro.
Em outra rua recém-escavada, surgiu uma casa com um afresco claro como o dia de Leda e o Cisne, descrito como uma obra de arte de “profunda sensualidade” por Massimo Osanna, diretor-geral do Parque Arqueológico de Pompeia.
A mesma casa também contém uma pintura de Narciso, olhando para seu reflexo, e uma imagem indecorosa do deus da fertilidade, Príapo, pesando seu próprio membro em uma balança.
A corrida para evitar saques
As escavações do Regio V terminaram em 2019, mas o trabalho continua em Civita Giuliana, cerca de 700 metros depois das antigas muralhas da cidade.
Na época dos romanos, essa era uma parte do campo conhecida por suas extensas vilas e fazendas pertencentes a moradores abastados de Pompeia.
Contudo, por ser localizada fora das muralhas da cidade, hoje a área não tem o mesmo nível de proteção da cidade. Isso significa que ela é suscetível a criminosos.
As escavações de 1907 a 1908 revelaram 15 salas de uma grande vila. No entanto, como as pessoas sabiam que havia ruínas ali, nos últimos anos houve construções de túneis ilegais e saques à propriedade.
Os túneis destruíram parte das paredes do perímetro e danificaram o gesso. Também houve roubo de artefatos.
Assim, em 2017, o sítio, junto com o Ministério Público de Torre Annunziata, iniciou suas próprias escavações em uma corrida para chegar primeiro.
O que surgiu foi uma pequena propriedade rural preservada de forma surpreendente. Uma técnica desenvolvida pelo diretor de escavações de Pompeia do século 19, Giuseppe Fiorelli – na qual os arqueólogos colocam gesso em buracos vazios deixados por matéria orgânica – revelou uma cama em um dos quartos, um tapete e um arco de janela ainda intacto. Havia ânforas, utensílios de cozinha e ossos de animais.
O estábulo apresentou comedouros e os corpos de três cavalos puro-sangue, mortos na erupção, sendo que um deles ainda levava rédea e arreio. Algo parecido com uma sela também foi recuperado.
Em novembro de 2020, foi revelado o motivo pela qual o cavalo poderia ter sido selado.
Em um corredor coberto na zona “nobre” da vila, onde viviam os proprietários, foram encontrados os corpos de dois homens.
Acredita-se que um deles, entre 30 e 40 anos, seria o dono da vila. O outro, entre 18 e 23 anos, teria sido seu servo. Ele parecia estar carregando um manto grosso enquanto corria para escapar da erupção.
Uma experiência sentimental
As novas descobertas, uma após a outra, chegaram às manchetes do mundo todo e mudaram o clima em Pompeia, de acordo com Fiorella Squillante, que acompanha turistas lá quase todos os dias.
“Durante as escavações do Regio V, a Via del Vesuvio [uma das principais ruas de Pompeia] foi fechada, mas mesmo assim, vendo as obras acontecendo à distância em uma área que antes estava coberta de romãzeiras, pé de alecrim e outras coisas, foi emocionante”, conta ela.
“Quando eles reabriram a rua, foi muito emocionante caminhar por ela novamente. Voltamos para ver as construções de lá com uma paixão renovada”, relatou.
“Sugiro várias vezes a meus clientes que visitemos a casa de Leda e o Cisne. Toda vez é uma nova emoção. Ver os materiais vulcânicos, que ainda cobrem grande parte da casa, é extraordinário e me faz pensar na enorme emoção que as pessoas que visitavam Pompeia nos séculos anteriores teriam sentido”.
“Dez anos atrás, o desmoronamento da escola de gladiadores foi noticiado no mundo todo, e recebi emails e telefonemas de viajantes perguntando se ainda valia a pena visitá-la. É claro que o desmoronamento foi uma grande tristeza para todos nós, mas ele levou ao fechamento de apenas uma pequena área.”
Surpresas na antiga cidade
Pompeia é assim, de acordo com quem trabalha lá. Embora as novas descobertas ligadas às erupções cheguem às manchetes, o local sempre traz novas surpresas.
A doutora Caitlín E. Barrett, professora associada da Universidade Cornell, é codiretora de uma escavação na Casa della Regina Carolina, pela qual foi nomeada Exploradora da National Geographic, tendo recebido uma bolsa da National Geographic Society para estudar o cotidiano através dos restos mortais em Pompeia.
A casa que ela está escavando (os trabalhos foram realizados durante duas temporadas de verão, mas não puderam continuar este ano conforme haviam planejado) é uma das maiores da cidade e foi revelada pela primeira vez no século 18. No entanto, os primeiros exploradores “geralmente nao se interessavam por vestígios menos atrativos”, conta ela, destacando que quem escavava para a família real de Bourbon estava “principalmente interessado em encontrar belas obras de arte para expor”. As equipes modernas, por sua vez, querem “informações sobre como era viver naquela época”.
A equipe dela está usando técnicas modernas para estudar o jardim e recriar a vida cotidiana antes da erupção. “Sabemos muito sobre Pompeia quando o Vesúvio entrou em erupção, mas não conhecemos bem a história anterior”, afirma.
As escavações modernas, como as de Barrett e Stephen Kay, usam tecnologia moderna para obter uma outra visão dos restos já conhecidos. Além disso, o interesse deles tem uma motivação diferente. “Quando as pessoas começaram a escavar Pompeia, o foco estava em encontrar coisas que correspondessem às percepções contemporâneas de beleza”, comenta Barrett.
“Hoje, os arqueólogos tentam entender as antigas sociedades estudando todo o registro material, não apenas os objetos bonitos ou luxuosos, mas também pedaços de panelas de cerâmica, ossos de animais jogados no lixo, grãos microscópicos de pólen no solo, e muito mais.”
As descobertas mais emocionantes
O que mais mexe com os especialistas? Caitlín Barrett está entusiasmada com uma coleção de amuletos e contas que foi desenterrada na Casa del Giardino, porque “podemos usar o estudo da magia ancestral e dos rituais pessoais como uma forma de compreender quais eram as esperanças e medos das pessoas, e eles muitas vezes acabam sendo bem parecidos com os nossos.”
Para Stephen Kay, entretanto, é a inscrição em carvão que mudou a data da erupção de agosto para outubro.
“Sempre confiamos naquela passagem de Plínio, escrita 25 anos depois, mas ver agora as informações que são reveladas é absolutamente incrível, uma descoberta de fato impressionante”, diz ele.
O futuro de Pompeia
E como será o futuro?
Para começar, não deve haver muitas outras novas escavações. “Seria incrível ver as outras partes [enterradas] da cidade, mas isso depende da viabilidade”, comenta Stephen Kay, mencionando os 127 milhões de euros do Grande Progetto Pompeii apenas para manter o que já está em exibição. “Nossa responsabilidade no momento é conservar o que já temos, em vez de realizar novas descobertas”, afirma ele.
Barrett concorda: “Acho que as descobertas do Grande Progetto Pompeii vão inspirar pesquisas por muito tempo.”
Para Fiorella Squillante, Pompeia é um lugar em constante mudança que continuará se transformando, mesmo que o último terço nunca seja escavado.
“Todo mundo já ouviu falar de Pompeia, mas o que as pessoas nunca esperam é que ainda seja uma cidade viva, cuja imagem muda e continuará mudando, porque sua história ainda não foi escrita por completo”, afirma.
“As novas descobertas, mas também as áreas escavadas no passado, mudam sempre porque aprendemos a interpretá-las de uma forma diferente conforme surgem novos estudos e equipamentos. Isso torna Pompeia singular”.
“Mesmo aqueles de nós que vivenciam a cidade por trabalho, se aproximam dela com uma nova admiração. Sabemos que, embora seja uma cidade do passado, nós – e ainda mais as futuras gerações – vamos vivenciá-la no futuro também.”