A aguardada vacinação contra a Covid-19 começa a ficar mais perto de acontecer -pelo menos para algumas nações da Europa, que anunciaram aval ao imunizante e calendários de aplicação.
Nesta quarta-feira (2) o Reino Unido concedeu o primeiro registro do mundo para o uso de uma vacina contra a doença seguindo os protocolos usuais, após a conclusão da terceira fase de testes em humanos da imunização da farmacêutica americana Pfizer e da empresa de biotecnologia alemã BioNTech. China e Rússia já haviam aprovado o uso de vacinas produzidas naqueles países, mas os produtos ainda estavam com os testes clínicos em andamento quando foram registrados, o que gerou desconfiança na comunidade científica internacional.
Em comunicado, o governo britânico disse que os especialistas da agência regulatória de medicamentos do país, a MHRA, trabalhavam na avaliação dos dados disponíveis sobre os testes com o imunizante desde outubro. As informações também foram avaliadas por um comitê independente, a Comissão para Medicamentos Humanos (CHM).
A agência regulatória britânica instituiu um processo contínuo de submissão dos dados das vacinas em desenvolvimento conforme os testes caminhavam, o que certamente agilizou a aprovação do produto — o aval à vacina da Pfizer veio cerca de dez meses após o início dos testes, quando normalmente são necessários anos ou décadas. A agência regulatória brasileira, a Anvisa, possui um processo semelhante de submissão contínua dos dados dos testes e já analisa as informações da Pfizer e da Janssen.
Os testes da vacina da Pfizer foram concluídos em 18 de novembro e, segundo a empresa, indicaram que o imunizante é seguro e tem 95% de eficácia. Os dados divulgados foram revisados pela agência regulatória britânica, mas os resultados dos testes ainda não foram publicados em revista científica, um passo importante para demonstrar os benefícios do produto diante da comunidade científica.
As primeiras doses da vacina devem chegar ao Reino Unido nos próximos dias, de acordo com a Pfizer. O país fez uma compra adiantada de 40 milhões de doses, o suficiente para imunizar 20 milhões de pessoas, já que a imunização acontece com duas doses aplicadas com um intervalo de alguns dias entre elas.
O secretário de Saúde do Reino Unido, Matt Hancock, disse à imprensa local que até a próxima semana 800 mil doses devem estar disponíveis para início da vacinação, que deve priorizar os mais vulneráveis à doença, como moradores de casas de repouso, profissionais da saúde e idosos em condições de risco.
Em meados de novembro, a União Europeia fechou um acordo com a Pfizer e a BioNTech que garantiu 200 milhões de doses da vacina para os países do bloco. O contrato prevê ainda um adicional de 100 milhões de unidades quando a eficácia da vacina estiver comprovada por estudos. A autorização dada pela agência britânica, uma das mais respeitadas do mundo, deve agilizar o processo de disponibilização do imunizante na Europa como um todo.
Mirando a chegada da vacina da Pfizer, a Alemanha prepara centros de vacinação pelo país, segundo a agência de notícias RFI. Em Berlim, a imunização deve chegar a 450 mil pessoas (cerca de 12% da população daquela cidade) já em meados de dezembro. O governo local pretende fazer 20 mil aplicações por dia em idosos e pessoas que façam parte de um dos grupos de risco para a Covid-19.
Também nesta quarta-feira, a Itália anunciou que começará sua campanha de vacinação no início de 2021. Segundo o ministro Roberto Speranza, é provável que a imunização comece ainda em janeiro, em uma operação que deve envolver até o Exército italiano.
A distribuição da vacina, inicialmente voltada aos mais vulneráveis à doença, depende ainda dos contratos assinados pela comissão criada pela União Europeia para o tema e da aprovação do imunizante.
O Japão, que deve sediar os Jogos Olímpicos em julho de 2021, aprovou uma lei nesta quarta (2) que garante o fornecimento gratuito da vacina contra a Covid-19 para os mais de 120 milhões de habitantes do país. Até o momento, o governo japonês tem acordos fechados com a Pfizer, a americana Moderna e a britânica AstraZeneca para a compra das imunizações, mas não divulgou um calendário.
Do mesmo modo, os Estados Unidos ainda não anunciaram um plano para a vacinação nacional. O país tem o maior número de mortes causadas pela Covid-19 do mundo. Em novembro, as farmacêuticas americanas Pfizer e a Moderna fizeram os pedidos para uso emergencial das vacinas que desenvolvem.
Segundo o jornal The New York Times, um comitê independente que assessora o Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano (CDC) decidiu recomendar à organização que utilize a vacina, quando estiver disponível, para imunizar primeiramente moradores e funcionários de casas de repouso e profissionais da saúde.
Enquanto isso, a Rússia anunciou nesta semana a distribuição de vacinas à população de Domodedovo, cidade a 35 km ao sul de Moscou. Assim como ocorreu durante o anúncio do início dos testes com a vacina e do registro dela, ainda em agosto, não há transparência ou detalhes sobre quantas pessoas já foram imunizadas no país.
Mas, seguindo o anúncio britânico, o presidente russo Vladimir Putin ordenou nesta quarta (2) que a vacinação em massa da população com a Sputnik V comece também na próxima semana, para não ficar atrás da corrida.
Os planos de vacinação da China também não estão claros para a comunidade internacional ainda. Além da vacina aprovada emergencialmente em junho para uso militar, veículos de imprensa como o jornal The New York Times e a revista Time relataram que algumas das vacinas produzidas pelo país estão disponíveis para a população fora de vias oficiais.
No Brasil, o governo também não tem um plano detalhado para uma campanha nacional de vacinação contra o Sars-CoV-2. Um planejamento inicial divulgado pelo Ministério da Saúde na terça-feira (1º) informa que a vacinação deverá priorizar profissionais de saúde, maiores de 75 anos, indígenas e pessoas com mais de 60 anos que vivam em asilos ou instituições psiquiátricas.
O Ministério da Saúde negocia com algumas das desenvolvedoras de vacinas, mas possui um acordo para fabricação e distribuição apenas com o imunizante desenvolvido pela AstraZeneca e a Universidade de Oxford. O acordo inclui a compra de 100 milhões de doses do imunizante. Aplicado em duas doses, essa quantidade deve atingir 50 milhões de brasileiros.
Na terça-feira (1º), a pasta informou que o perfil ideal para uma vacina ser usada pelo país deveria ser um imunizante aplicado em apenas uma dose e que suporte armazenamento em temperaturas de geladeira comum (2ºC a 8ºC). A limitação da temperatura excluiria, por exemplo, a vacina da Pfizer, que precisa ser guardada a -70ºC. A maior parte das vacinas em teste exigem aplicação em pelo menos duas doses. Um dia depois, o ministro Eduardo Pazuello afirmou que são no máximo três as vacinas que poderiam atender ao país.
Segundo a imunologista e pesquisadora Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), o planejamento antes da chegada da vacina garante que o processo seja rápido e seguro para todos que vão receber o produto.
“Uma vacinação contra um vírus respiratório precisa de planejamento cuidadoso. Onde vamos distribuir essa vacina para tantas pessoas? Isso não pode ser feito em um local que permita aglomeração ou em um hospital, que pode ser um lugar de risco. Precisamos de lugares espaçosos e abertos”, afirma.
O relatório mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), aponta que até esta quarta (2) mais de 210 vacinas contra a Covid-19 estão em desenvolvimento no mundo todo — 51 delas passam por alguma das fases de testes clínicos.