O Governo da Paraíba foi condenado a pagar R$ 1 milhão por danos morais coletivos por condições precárias de trabalho no Instituto de Polícia Científica (IPC), em João Pessoa. De acordo com o processo, movido pelo Sindicato dos Peritos Oficiais do Estado (Sindperitos-PB), o Estado descumpriu normas trabalhistas referentes à segurança, higiene e saúde de trabalhadores, submetendo-os a condições degradantes, insalubres e perigosas no IPC. O Governo do Estado ainda não se manifestou publicamente sobre a decisão judicial.
Em 2018, o MPT – representado pelo procurador Eduardo Varandas – acompanhou a Superintendência Regional do Trabalho (SRT-PB) em uma inspeção no IPC, localizado no bairro Cristo Redentor, na Capital, após receber denúncias graves. Relatório técnico da SRT decidiu pela interdição do IPC devido à gravidade da situação e o MPT passou a acompanhar o procedimento investigatório.
“Acolho os pedidos formulados pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Sindicato dos Peritos Oficiais do Estado da Paraíba, nos autos da ação de reparação por danos morais ajuizada em face do Estado da Paraíba, para condenar a reclamada a pagar indenização no importe de R$ 1 milhão, por danos morais coletivos e indenização por danos morais individuais, no valor de R$ 60 mil, a cada perito oficial que comprove que esteve submetido às condições de trabalho descritas na ação inicial”, diz a sentença, assinada pelo juiz do Trabalho substituto Alexandre Roque Pinto, da 1ª Vara do Trabalho da Capital.
“A fiscalização realizada pelo antigo MTE e acompanhada pelo MPT revelou o cenário estarrecedor das instalações físicas dos prédios que compõem o Instituto de Polícia Científica. Não há dúvida que os autores tiveram êxito em demonstrar os atos ilícitos praticados pelo reclamado, os quais não só lesionaram a esfera extrapatrimonial dos peritos oficiais do Estado da Paraíba, mas toda a sociedade”, acrescentou o magistrado. O processo estava sendo acompanhado pelo procurador do Trabalho Flávio Gondim.
Entenda o caso
No dia 2 de março de 2018, uma inspeção conjunta da Superintendência Regional do Trabalho na Paraíba (SRT-PB), antigo Ministério do Trabalho, e do MPT, representado pelo procurador do Trabalho Eduardo Varandas Araruna, detectou uma série de irregularidades graves em todos os setores do IPC, que colocavam em risco a saúde e a segurança de trabalhadores do local e de usuários que se utilizavam dos serviços do Instituto. No dia 6 de março de 2018, o IPC foi interditado administrativamente pela SRT-PB e o MPT concedeu um prazo de 24 horas para evacuação do prédio.
“O caso, estou convicto, foi trabalho extremamente degradante. Mofo, líquido cadavérico, cadáveres mal acondicionados, funcionários sem proteção retratavam situação de vilipêndio à dignidade da pessoa humana. A interdição imediata foi mais que necessária, foi fundamental”, rememorou o procurador do Trabalho Eduardo Varandas, que não descarta a expansão das inspeções a outras unidades do IPC, nos municípios de Patos e Guarabira.
Varandas lembrou, ainda, que “a sentença beneficia apenas os peritos do IPC, esclarecendo que outras categorias de funcionários daquele órgão também podem entrar com as mesmas medidas para postular a reparação de danos que entender necessária”.
Irregularidades graves
Segundo a ação, peritos e outros trabalhadores passaram anos convivendo diariamente “com o que há de pior em termos de estrutura física, condições mínimas de higiene, proliferação de doenças, risco de explosões etc.”. Essa situação foi documentada no Termo de Interdição da Superintendência Regional do Trabalho (SRT-PB) e em relatório complementar, que apontaram irregularidades de natureza e graus variados, tais como vazamento e acúmulo de fluidos corporais de cadáveres no piso; odor insuportável de cadáveres, entre outras. O processo também apontou irregularidades graves, como utilização de equipamentos de jardinagem de forma improvisada nos procedimentos de necropsia; lixo biológico acondicionado em sacos plásticos inadequados para tal fim; presença de insetos como moscas e baratas na sala de necrópsia, com óbvia propagação para os outros ambientes.
Ainda foram constatadas irregularidades como equipamentos de proteção individual (EPIs) vencidos ou inexistentes nos ambientes de laboratório e na sala de raio-X, que também carecia de providências específicas ao setor, como sinalização no momento de uso, blindagem e dosimetria; instalações elétricas sobrecarregadas, com fiação exposta e utilização de gambiarras; além de alojamentos e copas insalubres, com mofo, infiltração e falta de instalações sanitárias separadas por sexo; armas empilhadas em ambientes de trabalho; objetos oriundos de cenas de crime espalhados pelas salas; ausência de instalações básicas de combate a incêndio, a começar com extintores, ausentes em alguns setores e instalados em local impróprio em outros, bem como a falta de dispositivos de alarme e rotas de fuga obstruídas.
Na sua decisão, o juiz do Trabalho Alexandre Roque Pinto enfatizou que “os danos morais causados pelo réu (pelo Estado) não se limitaram aos trabalhadores que prestavam serviços no IPC-PB, na época em que foram encontradas as irregularidades, pois o referido ambiente de trabalho era frequentado pela população usuária dos serviços prestados ali, inclusive pessoas idosas, portadoras de doenças graves”.
“Registre-se ainda que as providências adotadas pelo Estado da Paraíba, acerca das melhorias do ambiente de trabalho do IPC-PB, que, segundo o sindicato autor, não foram concluídas até a data de hoje [26 de outubro de 2020] não se deram de forma voluntária, tendo sido implementadas apenas após as decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, mediante provocação do sindicato e do Ministério Público do Trabalho, o que revela o total descaso do ente público”, ressaltou a sentença, assinada pelo juiz do Trabalho Alexandre Roque Pinto.
“As irregularidades relatadas nos documentos oficiais, assim como pelos registros fotográficos constantes nos autos, demonstram o verdadeiro descaso do ente público reclamado para com os trabalhadores e a coletividade que fazia uso dos serviços do IPC-PB, expondo-os a riscos biológicos, químicos e ergonômicos e até mesmo comprometendo sua integridade física, dada a precariedade das instalações elétricas do local, consubstanciando-se muito mais em cenas de um verdadeiro filme de terror do que em um ambiente de trabalho e de atendimento ao público”, acrescentou o magistrado, em sua sentença.
Irregularidades detectadas no IPC na época da ação
– Vazamento e acúmulo de fluidos corporais de cadáveres no piso
– Odor insuportável de cadáveres
– Utilização de equipamentos de jardinagem de forma improvisada, nos procedimentos de necropsia
– Lixo biológico acondicionado em sacos plásticos inadequados para tal fim
– Presença de insetos como moscas e baratas na sala de necropsia, com óbvia propagação para os outros ambientes
– Equipamentos de proteção individual vencidos ou inexistentes nos ambientes de laboratório e na sala de raio X, que também carece de providências específicas ao setor, como sinalização no momento de uso, blindagem e dosimetria
– Instalações elétricas sobrecarregas, com fiação exposta e utilização de gambiarras
– Alojamentos e copas insalubres, com mofo, infiltração, e falta de instalações sanitárias separadas por sexo
– Armas empilhadas em ambientes de trabalho
– Objetos oriundos de cenas de crime espalhados pelas salas