A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 manteve, de forma unânime, a condenação por estelionato de uma mulher divorciada que usou certidão de casamento inválida e documentos pessoais nos quais ainda constava seu nome de casada, para receber pensão por morte do ex-marido. Com essa estratégia, ela conseguiu receber o benefício durante 11 meses do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
A decisão colegiada negou provimento à apelação criminal da ré e confirmou a sentença da 16ª Vara Federal da Paraíba. O desembargador federal Manoel Erhardt é o relator do processo.
Pela prática do crime tipificado no art. 171, § 3º do Código Penal, a sentença no Primeiro Grau definiu a pena privativa de liberdade de 1 anos e 4 meses de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 13 dias-multa, com valor do dia-multa definido em 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, no ano de 2015.
Segunda a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), a ré requereu perante o INSS benefício de pensão por morte de seu ex-marido, falecido em novembro de 2014, escondendo a condição de divorciada, apresentando certidão de casamento inválida (sem averbação do divórcio) e documentos pessoais nos quais ainda constava o seu nome de casada. Recebeu indevidamente o benefício no período de dezembro de 2014 a outubro de 2015, gerando um prejuízo de R$ 18.470,30 aos cofres públicos. O divórcio litigioso foi concluído em 2010. O casal já estava separado desde abril de 2008, quando a ex-esposa foi destituída da curadoria do ex-marido.
Ainda de acordo com a denúncia, “nos autos do processo nº 200.2006.019.899-7, a curadoria foi transferida para outra representante, pois ficou evidenciado na época que a ex-esposa não cuidava do ex-companheiro, deixando-o em um estado execrável (graves doenças, ausência de alimentação satisfatória, absurda falta de higiene, evidentes maus tratos – ff. 52/59)”.
Após o divórcio, o ex-marido, representado por sua curadora, propôs ainda “ação de exoneração de alimentos (processo nº 20020009044204-3), em face da ré, sendo o seu pleito deferido em virtude da ausência do binômio necessidade e possibilidade (ff. 47/50)”.
Nos autos da apelação criminal interposta no TRF5, a Defensoria Pública da União (DPU) requereu a absolvição da ré, alegando atipicidade da conduta, por aplicação do princípio da insignificância, e erro de tipo por ausência de dolo.
Para o desembargador federal Manoel Erhardt, não é possível considerar o princípio da insignificância neste caso.
“Quanto à incidência do princípio da insignificância, como causa supralegal de exclusão da tipicidade, em face da mínima ofensividade da conduta, entendo não ser aplicável à hipótese. Isto porque não se deve considerar tão-somente a lesividade mínima da conduta do agente, tomada em relação ao valor indevidamente sacado, especialmente nos crimes praticados em desfavor de entidade de direito público, pois atinge mediatamente toda a população, lesando ainda a moral administrativa e a fé pública. No caso, independentemente dos valores obtidos ilicitamente pela ré, é visível a reprovabilidade da sua conduta, pois sacou, por quase doze meses benefício previdenciário obtido por meio de fraude, mantendo o INSS em erro, obtendo para si vantagem financeira indevida, razão pela qual não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância”.
O relator ainda citou as Jurisprudências do TRF5 e do Supremo Tribunal Federal (STF), que já consolidaram a orientação no sentido de não ser possível a incidência do princípio da insignificância, independentemente dos valores obtidos indevidamente, nos crimes praticados contra a Administração Pública. Erhardt descreveu trechos do julgamento do Habeas Corpus nº 111918 pela Primeira Turma do STF, em 2012, sob relatoria do ministro Dias Toffoli, e partes da apelação criminal 0006375-97.2014.4.05.8100 julgada na Terceira Turma do TRF5, em 2019, com relatoria do desembargador federal Carlos Rebêlo Júnior.
Em seguida, o desembargador federal Manoel Erhardt rebateu o segundo argumento da defesa, que alegava erro de tipo por ausência de dolo. “Requer a defesa a absolvição da recorrente por erro de tipo, por ausência de dolo, alegando que a ré, por ser pessoa humilde e de baixa instrução desconhecia a modificação de seu estado civil de casada para divorciada. Afigura-se despropositada a alegação quando a prova dos autos demonstra que a ré tinha plenas condições de entender o caráter ilícito de sua conduta e de comportar-se de maneira diversa. Veja-se que a recorrente, em todas os processos em que foi citada, apresentou defesa, na troca de curatela, no divórcio, na desoneração da obrigação de alimentos do ex-marido, até então em seu favor. Ante o cenário ora apresentado, não é crível a versão da recorrente de ausência de dolo. Tinha total conhecimento de seu estado civil, de que não era mais dependente do de cujos, portanto, não teria direito ao benefício previdenciário de pensão por morte que solicitou”, concluiu o relator.
O julgamento da apelação criminal ocorreu no dia 28 de julho. Participaram da sessão telepresencial os desembargadores federais Edilson Nobre e Carlos Vinícius Calheiros Nobre (convocado). A ré ainda pode recorrer da decisão.