O hospital de campanha construído pelo governador Romeu Zema (Novo) para prestar atendimento durante a pandemia do novo coronavírus vai ser desmontado nesta semana sem nunca ter funcionado. O anúncio foi feito em coletiva de imprensa na manhã desta quinta-feira (10) pelo secretário-geral do estado, Mateus Simões, ao responder à última pergunta da entrevista.
“Desde o mês passado, vem sendo discuto sobre qual seria o momento em que a gente poderia fazer a desmontagem [do hospital de campanha]. A gente aguardava os índices de segurança de ocupação hospitalar da Região Metropolitana, os números estão estáveis dentro das duas últimas semanas e, portanto, nesta semana [o governo] começa a desmontar a estrutura física [do hospital de campanha]”, disse o secretário.
Segundo ele, a estrutura do espaço será absorvida pela rede hospitalar do estado: “Todas as camas e equipamentos serão absorvidos pelos serviços de saúde de atendimento a idosos no estado. Então não haverá perda de nada do que está ali. A estrutura de paredes vai ser desmontada e a estrutura toda médica, hospitalar, que está lá vai ser absorvida pelo sistema Fhemig e pelos hospitais públicos do estado”, disse o secretário.
Em quatro meses, o hospital de campanha instalado no Expominas, em Belo Horizonte, custou, ao governo de Minas Gerais, cerca de R$ 2 milhões de manutenção, segundo informações disponibilizadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG). Mesmo com um gasto médio de R$ 500 mil por mês ou R$ 15 mil por dia, o espaço não recebeu, até agora, nenhum paciente.
Segundo o TCE, o dinheiro gasto com o hospital de campanha é proveniente de “recursos recebidos por danos advindos de desastres sócio-ambientais”, dentro do orçamento da Polícia Militar, que é responsável por gerir o espaço.
A título de comparação, com esta quantia daria para comprar 8 mil testes RT-PCR, considerando o valor médio de R$ 250 a unidade. Este é o teste mais indicado para a realização de diagnósticos de Covid-19. O valor daria também custear 800 diárias de um leito de terapia intensiva, que gira em torno de R$ 2.500 por dia. Ou comprar 40 respiradores pelo preço que o estado comprou, de cerca de R$ 50 mil.
O hospital foi construído ao custo de R$ 5,3 milhões, sendo R$ 4,5 milhões de doações privadas e R$ 800 mil de recursos públicos.
Hospital sem UTI
Minas Gerais e especificamente a capital, Belo Horizonte, chegaram a ter quase 100% de ocupação dos leitos de UTI no pico da doença. Atualmente, as taxas de ocupação giram em torno de 50% a 60%.
O gargalo nos leitos de UTI gerou grande preocupação em junho e julho, quando as UPAs da capital e da região metropolitana ficaram mais cheias. Na mesma época, o G1 mostrou que Minas é o estado que menos testa os pacientes no país.
Foi durante o pico da doença no estado que a empregada doméstica Marli Simplício Araújo, de 50 anos, viveu uma “via-crúcis” para conseguir uma vaga em leito de UTI em hospital de Belo Horizonte. Internada em uma UPA de Ribeirão das Neves, na Grande BH, ela acabou morrendo de Covid-19 no dia 9 de julho. O pai de Marli chegou a conseguir transferência, mas acabou morrendo também, cinco dias depois da filha.
Mas o hospital de campanha não conseguiria evitar esse gargalo dos leitos de UTI, uma vez que a estrutura montada nunca teve nenhum leito de terapia intensiva. O espaço conta com 768 leitos, sendo 740 de enfermaria e 28 de estabilização.
A estrutura foi alvo de críticas de especialistas em saúde, como a presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais (Federassantas), Kátia Rocha:
“A pandemia está nos mostrando que a gente precisa de serviço de exame e imagem, de raio-x e tomografia, para acompanhar os pacientes”, afirmou, em entrevista ao G1 quando o hospital já tinha sido inaugurado e estava fechado havia um mês. Ao todo, a estrutura ficou fechada por mais de dois meses e, depois de abrir, seguiu sem atender pacientes (relembre abaixo).
Para ela, o grande gargalo não são os leitos de enfermaria, mas os de UTI, que demandam equipamentos específicos e profissionais capacitados. “O que nos falta no estado é ter leito qualificado, com profissional, estrutura adequada”.
Pronto – e parado – desde abril
A estrutura do hospital de campanha está pronta desde 29 de abril (veja no vídeo abaixo). Em 13 de julho, próximo à data estimada para o pico de contágio do coronavírus em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) anunciou o início das operações do hospital, com apenas 4% da capacidade.
Um edital chegou a ser lançado para selecionar uma organização social que faria a gestão do espaço provisório, a partir do momento em que começasse a receber pacientes. O governo também abriu vagas para profissionais de diversas áreas da saúde. Mais de mil pessoas manifestaram interesse.
Quase dois meses depois, o hospital não chegou a receber ninguém. A explicação está na própria condição imposta pelo governo, de só receber pacientes com Covid-19 mediante solicitação dos dois hospitais da rede da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig), o Eduardo de Menezes e o Júlia Kubistchek, em processo de alta. Mas, como nenhum dos dois hospitais solicitou leitos, o Expominas permaneceu fechado.
Em meados de agosto, os 200 profissionais que chegaram a ser contratados para atuar na unidade foram remanejados, sem aviso, para hospitais da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). E o estado ofereceu o espaço à prefeitura de BH para acolher população em situação vulnerável. O executivo da capital recusou a oferta.
“O estado deveria assumir o protagonismo e oferecer mesmo serviço que estão oferecendo para Belo Horizonte para outras cidades. Tem outras cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte que tem pessoas em situação de vulnerabilidade, que precisariam ser abrigadas”, disse o secretário Municipal de Saúde, Jackson Machado, à época.
O G1 e a TV Globo pediram um posicionamento ao governo Zema sobre o custo da estrutura, mas não receberam retorno até a última atualização desta reportagem.