Enquanto os olhos do mundo se voltam para a exploração espacial, na Terra tecnologias avançam veloz e silenciosamente em direção à criação de um ser humano perfeito, através da manipulação dos genes. A pergunta que fica é: qual o limite? Especialistas de dez países estão tentando responder a essa questão.
Convocados pelas academias nacionais de Medicina e de Ciências dos EUA e mais pela Sociedade Real da Grã-Bretanha, eles divulgaram um relatório no último dia 3 com recomendações sobre o uso da edição de genes. O consenso é que ela não deve ser usada até que seja perguntas sobre segurança, ética e aplicações sejam claramente respondidas.
Outro comitê para a ética
O que acendeu a luz de alerta e gerou a formação do comitê que agora divulgou seu primeiro relatório sobre a edição do genoma humano foi o nascimento de duas crianças com seu genoma editado pelo biofísico chinês He Jiankui. Em 2018, ele anunciou que havia editado embriões humanos para fazer com que as crianças fossem resistentes à infecção pelo HIV.
“A tecnologia ainda não está pronta para aplicação clínica”, disse o presidente da Universidade Rockefeller e copresidente da comissão, Richard Lifton. Segundo ele, neste primeiro relatório foi levado em consideração apenas a parte científica e técnica da edição genética hereditária.
“A comissão não deveria ter separado a ética do debate. Eles reconhecem que mesmo as questões de segurança e eficácia são questões éticas. Quantos experimentos são precisos para que seja considerado o suficiente? Qual o limite?” questiona a especialista em Direito, Ética e Tecnologia Karen Yeung, da Universidade de Birmingham.
Mudanças indesejadas
Muito pouco no ser humano é controlado apenas por um único gene, e qualquer aspecto que envolva múltiplos genes ou sua interação com o ambiente será menos receptiva ao uso de tecnologias de edição de genoma, como CRISPR-Cas9. Mesmo que a edição do gene seja precisa, já foi demonstrado que ela pode gerar mudanças indesejadas e resultados inesperados, mesmo entre células no mesmo embrião.
“Pode levar anos até que os pesquisadores sejam capazes de resolver essas dificuldades. Os cientistas precisam desenvolver métodos melhores para sequenciar um genoma humano a partir de células individuais, de modo que um embrião editado possa ser examinado em detalhes quanto a alterações genéticas indesejadas”, diz o biólogo do desenvolvimento do Instituto de Zoologia da Academia Chinesa de Ciências em Pequim e membro da comissão, Haoyi Wang.
O comitê de cientistas recomenda que, depois de um amplo debate público, cada país deva decidir se, quando e em que lugares a prática da edição do genoma hereditário será implementada.
Uso restrito e inevitável
A prática deverá inicialmente ser limitada a poucos centros e aplicada a uma lista restrita de doenças genéticas graves causadas por variantes de DNA em um único gene – e, mesmo assim, apenas quando não haja alternativas que gerem uma criança sem a doença.
Como ainda não se sabe os efeitos que a edição de genes pode causar no futuro, será preciso acompanhar não apenas os indivíduos com genomas editados como sua descendência.
A Organização Mundial de Saúde deve divulgar seu próprio relatório sobre ética na manipulação do genoma humano até o fim deste ano.