Ronaldo João Regis Filho, de 42 anos, e Edilson Lins Cavalcante, de 38 anos, se conheceram há cinco anos e juntos realizaram o sonho de se tornarem pais. Os homens são naturais de João Pessoa, na Paraíba, e se conheceram na igreja que frequentavam. Os filhos, Letícia, de 16 anos, e Alan, de 13 anos, são a concretização do ideal de aumentar a família.
Ronaldo é auxiliar de farmácia e Edilson é psicólogo. Antes de se conhecerem, eles já sonhavam em ser pais. Segundo Edilson, durante o namoro eles foram amadurecendo a ideia da paternidade.
“Desde o namoro já amadurecemos essa ideia e entendemos que nossos filhos viriam por meio de uma adoção. Planejamos muito tudo isso”, contou.
Para Letícia, tudo mudou quando ela conheceu os pais no abrigo. A nova família, para ela, é sinônimo de felicidade, orgulho e sonhos realizados.
“No colégio, já vi pessoas me ‘zuando’ por ter dois pais, mas eu não ligo porque Deus está acima de tudo e não vou deixar o amor de uma família acabar por causa disso. Eu amo eles do jeitinho que eles são, cada pedacinho deles eu amo”, disse a adolescente.
Passo a passo da felicidade
O primeiro passo para a concretização do sonho de ter um filho era ter a casa própria. Foi aí que o casal iniciou o processo de compra do apartamento em que moram e, em junho de 2018, já estavam com as chaves.
Em dezembro de 2018 veio a oficialização da união de Ronaldo e Edilson. O casal não quis esperar muito e já no mês seguinte, em janeiro de 2019, deu início ao processo das etapas de adoção. O primeiro passo para adotar é a habilitação. O casal fez a solicitação em janeiro, iniciando o processo que durou sete meses e, em agosto de 2019, eles receberam a habilitação para adotar.
No início, o casal tinha a ideia de adotar apenas uma criança, de 0 a 7 anos. Porém, durante o período de preparação para adoção, Ronaldo e Edilson começaram a frequentar o Grupo de Estudos e Apoio à Adoção (Gead) de João Pessoa.
“O engraçado é que a gente colocou no processo que queríamos adotar apenas um, mas sempre quando falávamos, dizíamos nossos filhos, dois filhos”, contou.
Edilson contou que não pensavam, em nenhum momento, em adotar adolescentes. “Tínhamos medo, e na verdade, um preconceito”, disse.
‘Se você topar, eu topo!’
Letí ia e Alan, que tinham 15 e 12 anos, estavam em um abrigo no Sertão de Pernambuco. O casal conheceu os jovens através da busca ativa, por meio de uma página na internet da Justiça de Pernambuco, onde os próprios adolescentes se apresentavam falando um pouco deles mesmos.
Na postagem, Alan se apresentou como um garoto que gosta de fazer várias atividades esportivas, de estudar, mas que tem dificuldades e espera ser ajudado por uma nova família. Ele também deixou claro que gostaria de uma família, e que não se importava se essa família seria formada por uma união entre duas pessoas de sexos diferentes ou iguais, ou se por uma pessoa só.
Já Letícia se apresentou como uma menina estudiosa, que sonha em ser policial ou médica. Ela também disse querer retribuir o amor da nova família se tornando uma grande profissional.
Após ver a publicação, o casal mudou imediatamente o perfil de criança para adoção. Na verdade, eles já tinham decidido que Alan e Letícia eram os seus filhos.
“Meu esposo e eu estávamos em locais diferentes quando vimos a publicação, e parece que vimos na mesma hora. Ele tirou um print para enviar para mim e eu tinha acabado de ler”, contou Edilson.
Foi aí que eles tiveram que tomar a decisão de mudar o perfil de adoção para até 15 anos, pois era a idade de Letícia. “Se você topar, eu topo!”, foi o que Edilson propôs a Ronaldo, que apesar de preocupado por serem dois, concordou.
‘Já pode chamar vocês de pai?’
Antes do primeiro encontro, Edilson e Ronaldo mantiveram contato com os adolescentes por meio de uma rede social para se conhecerem um pouco mais.
Edilson conta que antes mesmo de conhecer os jovens pessoalmente eles foram pegos de surpresa por uma pergunta de Letícia. A menina enviou uma mensagem de voz que dizia: “a gente já pode chamar vocês de pai?”, questionou a menina. Eles, sem pensar duas vezes, responderam que sim.
“Isso nos ‘quebrou’ inteiros e já começamos a chorar dizendo que sim, eles poderiam”.
‘Reconhecemos nossos filhos’
Dois dias depois de ver a publicação, o casal já marcou a visita para conhecer os irmãos. Para os pais, esse foi um dos momentos mais marcantes de suas vidas.
A felicidade da família de Letícia e Alan pode ser percebida facilmente no dia-a-dia. Alan gosta de fazer comidas gostosas com Ronaldo. Pai e filho passam horas na cozinha preparando receitas especiais. Letícia gosta de demonstrar amor fazendo surpresas para os pais, e eles amam.
“Alan é travesso, amoroso, engenhoso. Gosta de criar coisas. Monta e desmonta o que você puder imaginar. Letícia é romântica. Adora fazer surpresas, dedicada, expressa muito amor”, contou.
A forma com que Edilson descreve os jovens não permite dúvidas: é um pai orgulhoso e apaixonado pelos seus filhos. Não demora muito para quem ouve se apaixonar por eles também. Na verdade, por toda a família.
Os dias do casal são corridos e, durante a pandemia do coronavírus, a correria aumentou, já que os dois são profissionais de saúde e trabalham em um hospital de João Pessoa.
“Mesmo na pandemia, não pudemos ficar em casa”, disse Edilson.
Adoção na Paraíba
A escolha de Edilson e Ronaldo não corresponde a da maioria dos pretendentes (pessoas que desejam adotar). De acordo com os dados colhidos no Sistema Nacional da Adoção e Acolhimento (SNA), atualmente o perfil mais procurado na Paraíba está na faixa etária de crianças de 0 a 3 anos, do sexo feminino.
Segundo o juiz da Vara da Infância e da Juventude, Adhailton Lacet Porto, nos cursos de adoção, que são requisito indispensável para quem quer adotar, está sendo trabalhado o que se chama de “adoção tardia”.
“Chamam de adoção tardia, mas nós chamamos de adoção necessária, que é aquela de crianças com mais idade”, explicou.
Conforme os dados da Vara da Infância e Juventude em 6 de agosto, a Paraíba conta com 308 crianças e adolescentes acolhidos e 44 crianças e adolescentes disponíveis para adoção. Destes, 12 já estão vinculados a pretendentes. 33 crianças e adolescentes estão em processo de adoção e existem 485 pretendentes disponíveis.
Nos momentos em que estão em casa, pais e filhos gostam de fazer as refeições juntos, de assistir filmes e, agora, com o distanciamento social, mais uma missão: as aulas remotas. Por causa da pandemia, as aulas estão sendo on-line e os pais ajudam com as matérias. Para eles, é uma difícil tarefa, que requer tempo e dedicação. Mas, que está sendo feita.
Ser pai é…
Apesar de nem sempre acontecer dessa forma, os pais Ronaldo e Edilson têm enfrentado todos os desafios que pais devem, ou pelo menos, deveriam enfrentar.
“Todos os dias somos desafiados pelo amor condicional. É uma experiência rica de emoções, às vezes muito fáceis, outras mais exigentes, mas sempre reconhecendo eles como parte de nós. Muitas vezes dizemos: realmente são os nossos“, relatou o pai.
De acordo com Ronaldo, ser pai é, também, uma responsabilidade com as necessidades do filho. “Esse dom nos traz o desejo de cuidar de alguém que será nosso o resto da vida. É muitas vezes deixar o seu desejo do lado pra atender o desejo de seu filho”.
Ronaldo também define que ser pai é estar presente e perto. “É uma missão cheia de dificuldades, mas cheias de alegrias. Só em ver o sorriso deles por algum coisa que fizemos, é muito satisfatório”, disse.
Já Edilson define a paternidade como o ato de “esvaziar-se de si em prol do outro”. Ele conta, emocionado, que ser pai é “esquecer do eu, para pensar no nós”.
A família de Edilson, Ronaldo, Letícia e Alan é uma família que tem dificuldades, desafios, momentos difíceis, mas que tem dedicação, responsabilidade e amor. Características que estão presentes desde o encontro das vidas de Edilson e Ronaldo, até o momento de reconhecimento de seus filhos, Letícia e Alan.