John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional da Casa Branca
Foto: CNN (22.jul.2020)
5G, Huawei e Brasil
Se o senhor fosse o assessor de segurança nacional do Presidente Bolsonaro, o senhor aconselharia o presidente ceder às pressões do presidente Trump para banir a Huawei?
Bem, eu não diria ceder às pressões, porque obviamente o Brasil tem que cuidar de seus próprios interesses nacionais. Mas é útil saber que, nos últimos dias, o Reino Unido mudou completamente sua política, revertendo a posição que estava mantendo enquanto eu estava na Casa Branca, quando achava que podia conter os perigos e ameaças da Huawei. Mas agora eles deram uma virada de 180 graus e foram para a outra direção.
Na verdade, os Estados Unidos só perceberam a ameaça da Huawei mais tarde, foram a Austrália e a Nova Zelândia que chamaram nossa atenção. Assim, esse é um exemplo de um problema mundial, e acho que temos todos que nos preocupar.
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Mas essas são todas nações da aliança de inteligência “Five Eyes”. O que o Brasil poderia ganhar com uma aliança estratégica, aliança militar, que os Estados Unidos poderiam oferecer em troca de banir a Huawei?
Acho que se trata mais do Brasil proteger sua propriedade intelectual. Essa não é somente uma preocupação dos sistemas de tecnologia da informação no mundo da inteligência, mas sim sobre os sistemas de telecomunicação que todos nós usamos, que as empresas usam, onde vimos a China roubar dados e arquivos de bancos, grandes empresas.
E eles podem usar isso como vantagem comercial ou até mesmo abertamente como uma chantagem.
O presidente Bolsonaro disse na semana passada que espera que o presidente Trump seja reeleito. Caso contrário, ele tentará se dar bem com Joe Biden. Quais são os problemas para o Brasil se Biden for eleito?
Veja, não acredito que isso resultaria numa mudança muito grande. Acho que a eleição de Bolsonaro sinalizou uma abertura do Brasil para um relacionamento mais estreito com os Estados Unidos, algo que foi muito difícil por muitos anos.
Creio que é algo vantajoso para os dois países, não importa quem seja o presidente. Não vou votar em Trump, vai ser a primeira vez que não vou votar no candidato do Partido Republicano, e não vou votar em Biden também.
Creio que o presidente Bolsonaro terá que fazer um esforço extra, porque é identificado como um amigo do presidente Trump, mas creio que ele é totalmente capaz, ele só precisa se preparar para isso.
Voltando àquele café da manhã agradável com o presidente Bolsonaro. Quais foram suas impressões? Quais eram as expectativas em relação ao EUA, na sua opinião?
Foi minha primeira oportunidade com ele. Ele era presidente eleito na época. Eu só quis sentir se podíamos lançar as bases para relações mais próximas entre Brasil e EUA. Ele estava inclinado nesse sentido e foi muito sincero nesse ponto.
Eu o achei agradável, muito fácil de se lidar, de conversar sobre temas complexos, muito bem informado.Acho que ele trouxe um olhar novo para as relações Brasil/EUA, muito bem-vindo por nós.
Espero que pelo restante do governo Trump – e o que vier após eleições – o trabalho do Brasil e dos EUA para fechar algumas lacunas possa continuar.
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Foto: CNN
Trump, Biden e a eleição
O presidente Trump gosta de homens fortes? Ou há algo por trás dessa complacência pessoal dele no tratamento a Vladimir Putin?
Eu não posso responder o porquê. Não vi nenhuma evidência de alguma conexão inapropriada, de alguma vantagem que a Rússia tenha tido.
Mas acredito que a afinidade que o presidente Trump com líderes autoritários certamente não é o melhor para os EUA.
O senhor o descreveu como ingênuo, perigoso, egoísta, entre outras coisas. Por que o senhor se esforçou para trabalhar com ele?
Eu descrevo no primeiro capítulo do meu livro conversas que tivemos antes das eleições, durante a transição e depois que ele assumiu a presidência.
Como ele disse muitas vezes, ele me viu durante quase 10 anos na Fox News, então imagino que ele soubesse no que eu acreditava, não escondi meus pontos de vista.
Ele fez a proposta e aceitei, porque senti que os EUA enfrentavam muitas ameaças e desafios no mundo, e achei que podia contribuir. No livro há uma explicação da razão de isso não ter funcionado.
É uma honra para qualquer um ser chamado a servir no alto escalão do governo, e acho que valeu a pena tentar.
O senhor acha que Joe Biden pode se sair melhor em política externa, considerando a experiência dele e o desempenho de Donald Trump?
Tenho preocupações diferentes com Biden. Fico preocupado porque, na melhor das hipóteses, um governo dele seria como mais quatro anos de governo Obama, que não acho que foi o melhor para os interesses dos EUA.
Pode ser ainda pior, por causa da ala esquerda no Partido Democrata, que ganhou mais influência.
Para mim, a eleição de 3 de novembro não é uma ocasião feliz. Não vou votar em Biden, não posso votar no Trump. Não vejo um cenário feliz no dia seguinte às eleições.
Qual o futuro do Partido Republicano depois dessas eleições?
Acho que, com Trump ganhando ou perdendo, é preciso ter uma boa conversa sobre a direção do partido. Sou um republicano da linha do Ronald Reagan, não acho que Trump seja assim, não acho que ele é um conservador de verdade.
Acho que muitos no partido estão preocupados com a direção que ele vai tomar depois de 3 de novembro se for reeleito. Mesmo que ele ganhe, a corrida para escolher um nome para 2024 vai começar imediatamente.Mas, com certeza, se ele perder, essa conversa sobre o futuro do Partido Republicano terá de acontecer.
Ontem mesmo nos EUA tivemos um ataque a Liz Cheney, filha do ex-vice presidente, o número três do partido na Casa Branca, por alguns dos apoiadores de Trump.
É uma prova do quanto esse conflito está aflorando e por que certamente veremos a volta desse conflito após as eleições.
Ex-assessor de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton
Foto: Jonathan Drake/Reuters (17.fev.2020)
Venezuela, Irã e Coreia do Norte
Quando na Segurança Nacional, o senhor propôs uma intervenção militar na Venezuela?
Não, ao contrário. Como conto no meu novo livro, “The room where it happened”, foi na verdade foi o presidente Trump que ficou falando da opção militar, que nenhum de nós achava que era a saída certa.
A oposição na Venezuela foi uma preocupação real do povo venezuelano. A oposição a (Nicolas) Maduro não foi inventada em Washington, e sim na Venezuela.
Foi marcante o forte apoio que a oposição recebeu em todo o hemisfério, com algumas exceções importantes. Se tivesse havido uma intervenção dos EUA, a oposição seria levada a uma direção diferente.
Dito isso, Maduro continua no poder, para dor do povo venezuelano. Isso também está criando oportunidades para os russos, chineses e outros, e é preciso tomar cuidado com isso.
Ao quebrar o acordo nuclear com o Irã, o senhor não ajudou a alimentar as ambições nucleares deles?
Ao contrário. O acordo nuclear de 2015 não restringia o Irã. Não acho que eles estavam se restringindo, se olharmos para a conduta deles no campo nuclear, com os mísseis balísticos, com atividades de teste e outras em ritmo acelerado, a continuação do apoio ao terrorismo e as ações militares convencionais na região.
Esse regime específico é, para mim, a principal ameaça à paz e a segurança no Oriente Médio. A atividade de proliferação nuclear do Irã faz dele a ameaça mundial.
O que deu errado nas negociações com a Coreia do Norte?
Não acho que nada deu errado. Não acho que Coreia do Norte tenha tomado a decisão estratégica de abandonar seu programa de armas nucleares – e digo o mesmo do Irã.
Mas a Coreia do Norte foi bem sucedida nos últimos 30 anos dizendo que ia encerrar o programa nuclear, em troca de benefícios econômicos, mas sem dar um passo nesse sentido.
E acho que é isso que eles estão fazendo de novo com o governo Trump.