Depois de seis anos e tendo se tornado, para muitos brasileiros, símbolo do combate à corrupção, a força-tarefa da Operação Lava-Jato de Curitiba se vê envolvida em suspeitas de irregularidades e enfrenta, agora, críticas não só externas, como internas. A equipe, sob coordenação do procurador Deltan Dallagnol, recebeu ataques diretos da Procuradoria-Geral da República (PGR) e resolveu confrontar com o procurador-geral Augusto Aras.
Há, entre os procuradores, a certeza de que Aras quer centralizar as investigações sobre corrupção e, se necessário, proteger mais à frente o presidente Jair Bolsonaro, sobretudo por causa de seus três filhos –– Flávio, Carlos e Eduardo, cada vez mais enrolados com a Justiça. Mais: é latente o desejo do Palácio do Planalto de desconstruir a imagem do ex-juiz Sergio Moro, símbolo maior da Lava-Jato. O início da disputa entre PGR e a força-tarefa de Curitiba coincidiu justamente com a saída traumática de Moro do governo federal.
A guerra envolvendo a Lava-Jato vem ganhando capítulos bombásticos. Nos últimos dias, surgiram informações de que a força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba teria usado equipamento de gravação e interceptação telefônica de forma ilegal. Na quinta-feira, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas determinou a realização de diligências para apurar denúncia de uso dos equipamentos. Dallagnol nega, diz que são apenas aparelhos de gravação de chamada adquiridos em 2015 devido às ameaças sofridas pela equipe, sendo que os próprios servidores controlavam os registros.
Em ofício enviado a Aras, semana passada, a força-tarefa admitiu que o aparelho teria gravado, “sem querer”, algumas pessoas, depois de servidores terem saído do grupo e “esquecido” o terminal de gravação ligado. Eles citam três casos, chamam de “lapso” e afirmam que aconteceu sem conhecimento dos procuradores. Dallagnol garante que a informação sobre o aparelho de interceptação telefônica foi “plantada na imprensa”, depois da visita da subprocuradora-geral, Lindôra Araújo, a Curitiba. “(O aparelho) não faz grampo, não faz interceptação telefônica”, destaca.
Com o FBI
Outra polêmica foi a suposta ligação da força-tarefa de Curitiba com o FBI (a polícia federal dos Estados Unidos). Segundo Dallagnol, o contato nada teve de ilegal. Ele conta que entre 2016 e 2017, a Odebrecht montou um sistema de pagamento de propinas no Brasil e nos EUA que estava criptografado, e precisaram saber se os americanos tinham tecnologia para quebrar o código. “Foi um questionamento legítimo e lícito”, salientou. O procurador garante que, se houvesse alguma ilegalidade, advogados já teriam questionado. “Atos da Lava-Jato são examinados desde o princípio por três instâncias independentes do Judiciário”, afirma.
Não foi só. Levantou-se a suspeita de que a força-tarefa de Curitiba teria disfarçado os sobrenomes dos presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), em uma denúncia. Foram incluídos com sobrenomes menos conhecidos, “Rodrigo Felinto” e “David Samuel”. A mudança seria para que a investigação não fosse ao Supremo Tribunal Federal (STF), continuando na primeira instância. A força-tarefa justificou que a investigação não teve como alvo pessoas com foro privilegiado e que os nomes assim estavam porque não cabiam inteiros nas tabelas.
O cientista político Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice, aponta que a Lava-Jato vem passando por questionamentos há tempos. As dúvidas se potencializaram após Moro abandonar a magistratura para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro.
Professor de direito administrativo na Universidade de São Paulo (USP) e no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), e estudioso da Lava-Jato, Gustavo Justino de Oliveira avalia que houve uma politização da operação. “Ela se torna um movimento e, de alguma maneira, levou à eleição de Bolsonaro, que pegou carona no movimento do ‘lavajatismo’”, diz.
Oliveira ressalta também que a manutenção, por muito tempo, da força-tarefa fez com que se institucionalizasse, passando a concorrer com o próprio Ministério Público Federal (MPF). É a partir daí que, segundo o professor, surgem os conflitos com a PGR sobre autonomia. “Acho que ele (o procurador-geral Augusto Aras) percebeu uma concorrência desleal e descabida de uma força-tarefa que vem se institucionalizando, atuando há muito tempo, e acaba concorrendo em termos de autonomia com a cúpula do MPF”, frisa.
Para o cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Ricardo Ismael, a tentativa de esvaziamento da Lava-Jato tem relação direta com Bolsonaro, que se apoiou no discurso anticorrupção gerado pela operação, indicou Moro a um dos seus ministérios e, agora, se vê sem o ex-juiz e se aproximando do Centrão. “(Os partidos do Centrão) são forças conservadoras que não apoiam o fortalecimento da Lava-Jato”, explica.
Ismael também crê que está havendo uma “criminalização dos procuradores que atuam na Lava-Jato”. “Vamos voltar aos patamares de antes de 2014, quando político corrupto não era preso”, afirma.