Apontado como modelo de gestão da pandemia do novo coronavírus entre seus vizinhos europeus, Portugal inicia a segunda fase do desconfinamento, reabrindo escolas e restaurantes. O fim da quarentena, contudo, que começou no dia 3, revela-se complexo e esbarra no medo e na resistência dos portugueses de voltar à normalidade. Uma investigação da Escola Nacional de Saúde Pública revelou que na primeira fase houve um aumento de apenas 2% de pessoas nas ruas.
Os centros urbanos permanecem vazios, a ponto de o presidente Marcelo Rebelo de Sousa e do primeiro-ministro António Costa saírem, nos últimos dias, numa cruzada para estimular a população a retomar seu cotidiano pré-pandemia.
Marcelo visitou o mercado de Ericeira, nas imediações de Lisboa, e voltou a frequentar museus. O premiê andou pelo Chiado com a mulher e, nesta segunda-feira, tomou o café da manhã numa confeitaria em Benfica. Nesta segunda fase, 200 mil alunos voltam às aulas e restaurantes podem funcionar com 50% da capacidade.
“Não nos deixamos vencer pelo vírus, não podemos deixar-nos vencer pela cura”, apelou Costa, num esforço para demonstrar confiança aos portugueses.
Não tem sido fácil convencer a população. Uma pesquisa realizada entre os dias 6 e 11 pelo Centro de Estudos de Opinião e Sondagens da Universidade Católica Portuguesa reforça a tese. Mais de um quarto dos entrevistados disseram que seu estado físico e mental deteriorou.
“Neste inventário de saúde mental, as pessoas estão receosas e saudosas”, atestou Ricardo Reis, diretor do CESOP, ao apresentar a pesquisa.
O estudo revelou ainda que, neste momento, 50% dos entrevistados disseram que não pretendem tirar férias no verão. Dos que mantêm o descanso, apenas 9% manifestaram a intenção de viajar. Embora o confinamento tenha sido afrouxado no início do mês, 9% afirmaram não ter saído à rua; 21% tinham deixado suas casas apenas uma vez por semana.
Passeios a pé ou para fazer exercícios foram raros. Os portugueses evitam transportes públicos e hospitais, sentem-se mais seguros em farmácias; 65% acham que o vírus é perigoso ou muito perigoso.
18 de maio de 2020 – Alunos usam máscara em sala de aula no colégio D. Pedro V, em Lisboa, no dia em que parte dos estudantes volta a ter aula em meio à pandemia do novo coronavírus (COVID-19) em Portugal — Foto: Rafael Marchante/Reuters
Outro dado que chama a atenção é que 36% cancelaram consultas médicas. “Isso é preocupante, pois pode acarretar uma segunda onda de doenças provocadas por falta de cuidados médicos adiados por medo”, analisa Filipe Santos, diretor da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa.
O futuro se mostra sombrio para os portugueses: 46% têm medo de serem infectados, 25% receiam perder o emprego, 34% acham provável perder familiar próximo para o novo coronavírus.
“Tão cedo não teremos vacinas, os tratamentos com antivirais não têm eficácia comprovada. Vamos ter que aprender a conviver com o vírus de forma natural e corajosa”, pondera Filipe Santos
Imagem de Nossa Senhora de Fátima é carregada no santuário católico de Fátima, em Portugal, praticamente vazio, nesta quarta-feira (13) — Foto: Armando Franca/AP
O presidente admite que o desconfinamento foi contido, embora o número de mortos pela Covid-19 tenha caído e o de curados, crescido. A pandemia registrou 29.209 casos e 1.231 mortos em Portugal. Permanecem internadas 628 pessoas, das quais 105 em UTIs.
“Falar de luz ao fim do túnel é falar de uma realidade que os portugueses têm que conquistar por eles próprios”, avalia o presidente Marcelo Rebelo de Sousa. A questão agora é saber como superar o trauma do confinamento e restabelecer a confiança para voltar a viver em liberdade.