Tudo parou por conta da pandemia do novo coronavírus: comércio, academias, cinemas, teatros e escolas. Entretanto, a motivação de continuar estudando e trilhando um caminho para si se mantém viva em muitos estudantes. Sem o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), muitos tentam seguir, em casa, sua rotina de estudos. O Coletivo As Bocas Negras, que oferece um curso pré-vestibular gratuito para estudantes de baixa renda, estabeleceu um novo esquema, adaptado para a quarentena.
Antes da Covid-19, as aulas aconteciam presencialmente, todos os sábados das 7h20 às 18h30, com refeições garantidas para os alunos, no bairro dos Bancários, em João Pessoa. Agora, o assunto é passado online. Cada dia da semana é designado para uma área temática e, no sábado, é realizado um plantão para tirar dúvidas, também online. O horário varia, cada professor adequa às suas demandas e às dos alunos.
"Os professores estão totalmente disponíveis aos nossos estudantes, praticamente 24h por dia, tendo em vista que temos uma relação muito boa e próxima com nossos e nossas estudantes. Seja por Whatsapp de maneira digitada, ou por vídeo chamada/áudio", disse Mattheus Texeira, coordenador executivo do coletivo.
A didática da aula também varia e se adequa a cada professor e matéria. Os professores de história do coletivo estão preferindo aula no estilo "podcast", com áudios explicativos sobre os assuntos. Já os de exatas, fazem videoaulas pela necessidade de mostrar números e equações. Além disso, o Bocas Negras tem parceria com a plataforma de curso pré-vestibular, Descomplica, que permite professores e professoras tenham à disposição uma variedade de ferramentas de estudo.
A aluna do coletivo Cynthia Silva terminou o ensino médio em 2018 e está sendo a primeira vez que se dedica de fato ao cursinho, foco que ela vem aplicando há um mês. Segundo ela, apesar do isolamento social e do clima tenso, sua rotina de estudos está indo muito bem.
"A princípio eu pensei que afetaria, mas a escola não deixou isso acontecer. A gente pode tirar dúvidas na hora que precisar, os professores estão bem abertos em relação a isso", relata a estudante.
A sua rotina também mudou e agora com mais horas do dia livre, também foi ampliada. Antes, ela estudava os assuntos passados nas aulas presenciais durante 4 horas por dia ao longo da semana. Agora, Cynthia criou um horário integral, com 8 horas de estudo por dia, um dia para cada área temática, coordenando com cronograma de aula.
"Aqui no Whatsapp temos grupos de todas as matérias, assim os professores mandam as atividades só no seu grupo, e enviamos as atividades por e-mail", explica.
Pré-vestibular na quarentena: Cynthia criou um horário integral, com 8 horas de estudo por dia, um dia para cada área temática — Foto: Cynthia Silva/Arquivo pessoal
Antes de propor esse plano de estudos integralmente online, o coletivo teve o cuidado de garantir que todos os alunos tivessem acesso à internet. Primeiramente, a equipe pensou em manter o plano de aulas nos sábados e os professores iriam expor o assunto online, em seu horário de aula. Entretanto, isso se mostrou muito pesado. Como os alunos já estavam sem aulas nas escolas, a solução foi dividir os dias de semana para cada área.
"Existe uma diferença absurda entre eu levantar da cama, tomar um banho, me ajeitar, pegar um ônibus e ir pra faculdade, por exemplo, do que eu levantar e ficar em casa precisando estudar no computador", explicou Mattheus.
O feedback tem sido positivo. Quase todos os alunos se pronunciaram favoráveis ao esquema, justamente por fracionar a carga conteudista do Enem durante os dias da semana, diluindo os conteúdos e facilitando a recepção. Mas Mattheus já sente o impacto do isolamento nos alunos.
"Não culpo eles e elas, eu entendo realmente. A grande maioria relatou pra gente que não consegue, simplesmente não consegue manter essa rotina de estudos (…) Não acredito que seja proposital, mas essa quebra no ritmo de aulas – a grande maioria ainda tá no ensino médio – certamente prejudicou eles e elas sim".
Já Cynthia é otimista, principalmente sobre seu futuro. Claro que a mudança mudou bastante sua dinâmica, mas com bastante força, ela acredita que é capaz de ter um bom desempenho: "Ansiedade sempre vou sentir… porque eu acho que nunca tá bom o suficiente, então isso me faz focar mais".
Alunos do coletivo antes da quarentena da Covid-19; dedicação e estudo agora acontecem integralmente em casa — Foto: Arquivo/As Bocas Negras.