“Tá cheio aí, meu amigo. Tá um caos. Caos!”. O relato é de quem trabalha com a remoção de corpos na região metropolitana de Belém e enfrenta o colapso do sistema funerário em meio à pandemia. O flagrante registrado pelo repórter cinematográfico Álvaro Ribeiro mostra imagens fortes: em uma das câmaras frigoríficas, um funcionário anda com dificuldade em cima dos corpos amontoados. Com o espaço cheio, os cadáveres são amontoados no chão, na área cedida pelo Instituto Médico Legal (IML) ao Serviço de Verificação de Óbito da Secretaria de Saúde do Pará (Sespa). São corpos de pessoas que morreram de Covid-19 e outros de pessoas que morreram por causas naturais.
O número de mortes por Covid-19 no Pará aumentou 222% em uma semana, e saltou de 95, no dia 25 de abril, para 306 neste sábado (2). O crescimento é muito superior à média nacional de 68% registrada no mesmo período, conforme dados do Ministério da Saúde.
Corpos amontoados no chão do IML retratam o colpaso do sistema funenário no Pará
O Pará registrou em abril um aumento de 116% de remoção de mortos por doenças ou causas naturais, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (Sespa). A demora na remoção de corpos é um drama vivido por famílias que perdem parentes por outras doenças, além da Covid-19, na região metropolitana de Belém. Algumas relatam que o corpo do ente querido chegou a ficar até 20 horas em casa, à espera de ser removido. Um caminhão frigorífico foi posicionado pela Sespa no IML para dar suporte no armazenamento de corpos com a Covid-19. A medida, segundo a Sespa, é uma estratégia para minimizar os impactos e o crescimento da demanda para os profissionais. Segundo a Sespa, a pandemia mudou a rotina do serviço de verificação de óbitos, que teve também reforço de duas viaturas novas para a remoção de corpos na região metropolitana de Belém.
Fila fúnebre
Neste sábado (2), a movimentação de funcionários de funerárias foi grande durante o dia. O aumento no número de mortes por Covid-19 tem afetado o serviço de verificação de óbito. Um reflexo disso é que em frente ao prédio do IML, a cada instante aumenta a fila de carros funerários que chegam. O vídeo feito nesta manhã mostra uma longa fila de veículos que aguardavam a liberação dos corpos.
Um dos funcionários explica a origem dos mortos, apontado para cada um dos carros que chega ao IML. "Aquele [carro] ali veio do [Hospital de Campanha] Hangar; aquele outro do [hospital] Abelardo Santos". Os locais citados, localizados em Belém, são de atendimento exclusivo a pacientes com sintomas ou confirmação de Covid-19.
Uma tenda foi armada na parte de fora do prédio para atender os familiares que aguardavam a liberação dos corpos. Nildo Pena é um dos que espera, angustiado. Há dias ele espera a liberação do corpo de um amigo que não resistiu à parada cardíaca. “Faz quatro dias que ele morreu… A gente não consegue tirar ele de lá”, diz o comerciante.
A autônoma Luciane Pureza também enfrenta a espera em frente ao IML. O tio dela morreu há três dias e sé na tarde deste sábado (2) o corpo foi liberado. “Essa demora é absurda!”, diz. Em meio à tristeza pela morte do tio, ela encontrou lucidez e força para dar um recado. “Por favor, fiquem em casa. Essa doença mata!”.
Colapso
A sobrecarga do sistema funerário deriva também do esgotamento da capacidade de atendimento do sistema de saúde. Em Belém, todos os 125 leitos de UTI, os 1.118 de enfermaria e 90 leitos de observação estão ocupados – 95% são pacientes com suspeita ou confirmação de contaminação pelo novo coronavírus. Em todo o estado, a ocupação de leitos exclusivos para UTI está em 91%, segundo o governo do estado.
Na sexta passada, quando o estado registrava 86 mortes, o secretário de Saúde do Pará, Alberto Beltrame, já dizia que o sistema de saúde em Belém – onde metade das mortes ocorreram – estava em "colapso" e que o funerário enfrentava dificuldades. A prefeitura da cidade, que é epicentro da pandemia no estado, determinou o fechamento do comércio não essencial apenas a partir da última segunda-feira (27).
Nos últimos dias, o cenário se agravou:
•Cemitérios públicos, como o de São Jorge, na Marambaia, em Belém, chegaram a um número de sepultamentos diários cinco vezes superior à média. A prefeitura disse que avalia a abertura de novas covas públicas para atender a demanda.
•O estado registrou em abril um aumento de 116% de remoção de mortos por doenças ou causas naturais, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (Sespa).
•No Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, em Belém, muitos parentes e amigos dos mortos se aglomeram para aguardar a liberação dos corpos.
•Um caminhão frigorífico precisou ser posicionado Instituto Médico Legal (IML) da capital paraense para armazenar corpos de infectados.
•Com a sobrecarga nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e prontos-socorros de Belém, pacientes morrem em busca de atendimento. Em 26 de abril, um homem acabou morrendo dentro de um carro à procura de médico.
•Após anúncio de que o Hospital Abelardo Santos começaria a atender pacientes com sintomas de Covid-19, o local teve o portão derrubado pela população nesta quarta-feira (29) – assista no vídeo abaixo. Um inquérito da Polícia Civil deve investigar o caso.